O Estado de S. Paulo
O FAT, sua institucionalidade, legislação e políticas que o complementam cobram uma inusitada contemporaneidade
Quando, há mais de três décadas, um punhado
de parlamentares – incluindo eu – inseriu na Constituição federal de 1988 e
legislação posterior o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), não estava no
horizonte a ruptura tecnológica que o avanço da Inteligência Artificial e seus
desdobramentos representam para o mercado de trabalho.
Em termos contemporâneos, os desafios de então parecem bem menores, ainda que à época ocupassem corações e mentes de forças progressistas. A incipiente globalização, em paralelo aos preâmbulos de uma nova era tecnológica, já insinuava a necessidade de o Estado articular uma série de ações que minimizassem os custos sociais de um mercado de trabalho para o qual vislumbrávamos um futuro em constante mutação.
Com a criação do FAT, o Brasil tornou-se um
dos poucos países do mundo a contar com uma fonte de financiamento permanente
para ações que, direta e indiretamente, financiariam políticas para as quais os
trabalhadores seriam o eixo das variáveis do mercado laboral. Políticas de
emprego passivas (seguro-desemprego) ou ativas (intermediação, formação e
reciclagem) deixaram de ser uma intenção sem possibilidades de implementação
por falta de recursos e tornaram-se realidade.
Como não podia deixar de ser, o marco legal
formatado pelo FAT e as políticas públicas decorrentes geraram um amplo debate
e pulularam iniciativas de avaliação – com maior ou menor grau de robustez
técnica. Os impactos distributivos dos programas, os desdobramentos em outras
áreas macroeconômicas (política monetária), a eficácia/eficiência das
iniciativas nas áreas de intermediação/formação, etc. foram dimensões
vasculhadas no âmbito da academia, de instituições de controle estatais e da
opinião pública.
Os balanços foram diversos, mas, não obstante
os vaivéns da política nacional, as radicais mudanças ideológicas dos
diferentes governos nestes mais de 30 anos não afetaram o FAT e, tampouco, as
políticas que giram em torno da sua implementação. Perdurar num contexto com
tantas alterações nos faz pensar que, com aqueles visionários, geramos uma
política de Estado, patrimônio de todos os brasileiros, sem coloração
partidária ou posições ideológicas.
Observando as greves do setor automotriz hoje
nos EUA, vemos que as reivindicações dos assalariados estão permeadas por
pautas clássicas, como o aumento salarial; outras mais modernas, como a redução
da jornada de trabalho; e algumas mais difusas, que manifestam justificado
temor diante de um mundo sem parâmetros conhecidos. Esse leque de tópicos
pautará, no futuro, as negociações e os conflitos entre capital e trabalho.
Seria utópico – com enormes custos sociais e econômicos – deixar que o mercado,
mediante as mudanças de preços e salários relativos, autorregule a transição
para uma economia menos pautada pelos combustíveis fósseis e mais intensiva em
tecnologias.
Realocações entre setores, profissões e áreas
geográficas demandarão intervenção pública para azeitar o ajuste no mercado de
trabalho, a menos que a sociedade esteja disposta a arcar com altos custos
sociais que, sabemos, alimentam o populismo.
O FAT, sua institucionalidade, legislação e
políticas que o complementam cobram uma inusitada contemporaneidade. O Brasil
conta, em seu arcabouço legal, com instrumento histórico nesse quesito capaz de
contribuir com o financiamento de realocações de trabalho e capital. A
intermediação profissional, por exemplo, adquire extraordinária relevância para
assinalar setores/profissões/espaços geográficos mais dinâmicos. A formação
possibilita aos assalariados a inevitável internalização de novas técnicas,
formas de produzir e organização da firma.
Como toda política e marco institucional, o
FAT requer um aggiornamento. Lembremos, foi pensado há mais de 30 anos, em
outro contexto histórico – outra circunstância econômica, política e social –,
objeto de muitas avaliações, evidenciando fragilidades e espaços para sua
melhoria. As suscetibilidades sobre os impactos distributivos hoje são muito
maiores do que no passado. Os desafios colocados pelo setor informal – mais de
40% da nossa força de trabalho nesse segmento – devem ser considerados.
Massivos e generalizados programas de formação, sem vislumbrar possibilidades
concretas de emprego, podem levar à perda de eficiência e eficácia dos recursos
alocados. A experiência do Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador
(Planfor) dos anos 90, alguns irão lembrar-se, merece ser levada em conta.
Mas não devemos “jogar fora o bebê com a água
do banho”. Os países que avançam econômica e socialmente, na maioria das vezes,
combinam elementos de continuidade e mudança institucional. Imobilidades ou
rupturas representam riscos num mundo em acelerada transformação. Nem
conservadorismo nem voluntarismo. Aproveitemos o que um punhado de homens
públicos semeou e que hoje, como as pertinentes mudanças, pode ser instrumento
adequado para dar a resposta de que o Brasil precisa diante dos atuais desafios
ecológicos, econômicos, sociais e da tão temida e presente Inteligência
Artificial.
*Economista
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