Valor Econômico
Entre a posse de Barroso, em junho de 2013, e
sua ascensão à presidência da Corte, o Brasil que saiu às ruas por mais
democracia passou a fazê-lo para destruí-la
Dois dias antes da posse do ministro Luís
Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal, o ministro Alexandre de Moraes deu
um “spoiler” ou uma “canja”, a depender da idade do leitor, daquele que está
marcado para ser um dos principais embates da gestão do próximo presidente da
Corte.
Moraes suspendeu a participação das Forças Armadas na Comissão de Transparência Eleitoral bem como do rol de entidades fiscalizadoras - “Não se mostrou necessário, razoável e eficiente”, disse, ao aprovar a decisão no Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade.
Os militares foram incluídos no rol em 2020, na gestão da ministra Rosa Weber no TSE, mas, assim como outras entidades, não mandavam representantes nem se interessaram pela tarefa. Foi a criação da comissão por Barroso que levou à designação de representantes e efetivou a participação militar.
Barroso foi duramente cobrado, ao longo de
2022, por ter contribuído para levar os militares para dentro do processo
eleitoral. Agora assume o STF sob forte pressão para que a Corte tenha seus
poderes “reequilibrados”. Se ninguém nega o papel decisivo do Supremo para a
defesa da democracia, uma parcela considerável do meio jurídico e empresarial e
da população, teme que esses poderes tenham se exacerbado. Ao revogar a
comissão, Moraes traça a risca de giz. Excessos, todos cometem.
O julgamento dos três primeiros réus dos atos
antidemocráticos tanto foi uma demonstração da exacerbação de Moraes quanto da
contenção ensaiada por Barroso. O primeiro desqualificou os advogados dos réus
e o segundo, viu na cumulatividade de tentativa de golpe de Estado e abolição
violenta do Estado democrático de direito uma dupla punição pelo mesmo fato,
levando-o a optar apenas pela imputação do primeiro crime.
Barroso abriu divergência que reduziria a
pena do principal réu, Aécio Lúcio Costa, dos 17 anos preconizados por Moraes,
para 10. O relator prevaleceu, mas ficou claro que deixara de unificar o
tribunal na matéria. Amealhou um placar de 7 x 4, contando ainda a divergência
de Cristiano Zanin, Nunes Marques e André Mendonça.
Barroso formulou, numa frase, o que pretende:
o Supremo, sozinho, não consegue conter o golpismo. “É preciso que a sociedade
esteja alinhada”, disse, sugerindo que este seria o intuito de sua moderação.
Se o STF, sozinho, não move o país, seu presidente tampouco domina o plenário.
Barroso não será capaz de conter Moraes sem o apoio dos demais, a começar por
Gilmar Mendes, maior aliado do relator do inquérito de 8/1.
Muita coisa mudou desde que Barroso, em 2018,
chamou o colega de “pessoa horrível”, “mistura do mal com atraso” e “pitadas de
psicopatia”. Hoje frequenta a casa de Gilmar e chegou mesmo a redigir um voto
em conjunto com o colega no caso do piso da enfermagem.
Dez anos depois de sua posse, já não passa
recibo. Indagado sobre a decisão do TSE, Barroso diz que a pacificação não
pressupõe que se renuncie às próprias convicções, mas que se possa “conviver
com quem pensa de maneira diferente com respeito e consideração”.
O jogo sairá das entrelinhas se o
ex-presidente vier a ser denunciado. É um encontro marcado com a questão do
foro. Não parece haver dúvida de que uma acusação robusta de golpismo, como
aquela que pode surgir da delação do coronel Mauro Cid, tem o STF como foro,
por conta do inquérito do 8/1. A mesma certeza não se tem, por exemplo, em relação
ao boicote às vacinas da Covid, ou ao contrabando de joias.
Se o ímpeto de Moraes e o libelo pacifista de
Barroso sugerem embate em torno da competência, não está claro como o Executivo
seria impactado. Se, por um lado, a mobilização permanente em torno do golpismo
minimiza a atenção dada aos tropeços deste governo, a galvanização do tema pelo
STF mantém a sociedade dividida. Bolsonaro já não tem mais a metade do país ao
seu lado, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tampouco avança sobre seu
eleitor porque é visto como “sócio” do Supremo.
Barroso era presidente do TSE quando a Corte,
seguindo a Ficha Limpa, negou o registro eleitoral de Lula em 2018. Não deixou
ruídos na relação. Desde outubro, encontraram-se em São Paulo e em Brasília.
Lula chegou a jantar na casa do ministro antes do agravamento da saúde de sua
esposa, Tereza, que veio a falecer em 13 de janeiro deste ano.
O mesmo não acontece na relação de Barroso
com o Congresso. Publicamente, as rixas giram em torno do marco temporal das terras
indígenas e da liberalização da maconha para uso pessoal. O peso do eleitorado
conservador move os parlamentares a ter a última palavra no tema.
Na coxia, o embate é outro. O Centrão não
engoliu o bloqueio de recursos do ministro das Comunicações, Juscelino Filho,
investigado por supostos desvios de emendas à Codevasf. O almejado
parlamentarismo não passa pela prestação de contas.
É um antigo embate que está por ser
reavivado. Entre a posse de Barroso, em junho de 2013, e sua ascensão à
presidência da Corte, o Brasil que saiu às ruas por mais democracia passou a
fazê-lo para destruí-la. 2013 moveu o motor com qual o ministro esperava
“empurrar” a Corte ante a paralisia de uma política oligárquica, conservadora e
corrupta.
A Lava-Jato e, em seguida, o bolsonarismo,
pegaram carona naquele empurrão. Dez anos depois, o Supremo assumiu o
protagonismo, mas, desta vez, para frear o vandalismo golpista e autoritário.
As expectativas em torno da posse de Barroso se concentram na marcha que, entre
o empurrão e o freio, imporá à Corte ou, como prefere o ministro, à história.
2 comentários:
Mais uma excelente análise da grande jornalista!
Maria Cristina Fernandes.
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