O Estado de S. Paulo
Minha proposta para o crédito tributário é o comando estadual, separando o que é o crédito normal do chamado crédito acumulado
Neste artigo, analiso a questão do crédito
tributário no contexto da PEC 45, em comparação com o sistema atual. No regime
de Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), preconiza-se tributar apenas a
agregação de valor. O próprio ICMS foi forjado sob essa diretriz. Do ponto de
vista jurídico, essa ideia econômica é instrumentalizada pela não cumulatividade,
que confere ao contribuinte o direito de abater na etapa seguinte o imposto
recolhido pelo elo anterior.
Exemplo: um distribuidor vende R$ 50 mil de medicamentos para uma farmácia e recolhe R$ 6 mil de ICMS. A farmácia vende os medicamentos por R$ 80 mil e deve recolher R$ 9,6 mil de ICMS. Mas, como tem direito de abater o que o distribuidor recolheu na operação anterior, a farmácia irá pagar efetivamente R$ 3,6 mil.
É verdade que a não cumulatividade plena
seria alcançada se todas as operações anteriores tributadas pelo ICMS gerassem
ao adquirente o direito de crédito. Ocorre que a aquisição de alguns bens,
embora sejam tributados pelo ICMS, não confere ao adquirente esse direito, a
exemplo da compra de material de uso e consumo. Esse ponto poderia ser
resolvido sem virar de cabeça para baixo o capítulo tributário da Constituição.
Problema distinto é a devolução do crédito
acumulado. Ao fazer o encontro de débitos e créditos tributários de um
determinado período, o contribuinte pode ter “saldo devedor” (que gera a
obrigação de recolher o imposto) ou “saldo credor” (que gera o direito de
transportar esse saldo para o período seguinte de apuração). Esse saldo credor,
em algumas hipóteses expressamente previstas, pode ser apropriado como “crédito
acumulado”. Dito de outra forma, o contribuinte pode usá-lo para outros fins
que não só abater o imposto devido. Por exemplo, para pagar fornecedores.
Caso não seja possível a utilização, algumas
legislações, como a de São Paulo, permitem a sua transferência para outro
contribuinte. Essa transferência, antes baseada apenas no critério de
conveniência e oportunidade, passou a ser feita por critérios objetivos, por
meio do ProAtivo, programa que modernizei na minha gestão na SefazSP. Não se
trata, propriamente, de uma devolução de créditos ou de um ressarcimento, mas
da transferência do crédito acumulado gerado por hipóteses específicas, como a
exportação. Percebam, portanto, a peculiaridade do crédito acumulado.
Muitos Estados acabam se financiando em cima
dos contribuintes, exatamente porque devolvem pouco crédito acumulado. Por
outro lado, é possível constatar que, sim, essa atividade, típica das
Administrações Tributárias (ATs), é complexa e demandante. O risco a ser
evitado é sair distribuindo dinheiro público a quem não tem direito.
Na PEC 45, a devolução de créditos, sem a
distinção feita acima, será comandada pelo Conselho Federativo (CF), órgão de
representação dos Estados e municípios. A pretensão é de que o Conselhão
arrecade e, ao verificar o pagamento do imposto, em cada etapa, reconheça o
direito ao crédito. Um erro. No lugar disso, deveríamos aprimorar a sistemática
atual, de abatimento do crédito gerado na etapa anterior, algo que já funciona
bem, expandindo as hipóteses e critérios de geração de crédito.
Claramente, há uma dificuldade de compreensão
dos conceitos de saldo credor e de crédito acumulado. O saldo credor é o
crédito utilizado para a sua função natural, que é abater o valor devido do
imposto, com a peculiaridade de, em determinado período, o contribuinte ter um
valor de créditos superior ao dos débitos. Por essa razão, ele não precisa ser
auditado para ser acessado. O crédito acumulado, por sua vez, precisa ser
auditado pelo Fisco, que checa o enquadramento nas hipóteses de geração de crédito
acumulado, bem como o valor do crédito.
Os idealizadores da reforma argumentam que só
o imposto efetivamente pago seria ressarcido, como se tivessem descoberto a
pólvora, o que demonstra o desconhecimento das consequências de adotar este
critério único. Autorizar o uso e a transferência do saldo credor com base
nisso seria desastroso. Haveria uma crise fiscal nos Estados e municípios, pela
erosão do financiamento estatal.
Ainda, representaria um estímulo a novas
práticas fraudulentas. Nada impediria a emissão de notas frias, a fim de gerar
créditos (direitos de receber dinheiro) contra o CF, a não ser a fiscalização
forte. Mas o CF não seria só um algoritmo? Cabe perguntar se um algoritmo
dispõe de auditores fiscais, advogados, servidores qualificados, etc.
O conselho vai “coordenar” as Administrações
Tributárias, argumenta-se. Para quem conhece as ATs, é impensável um modelo no
qual Brasília defina tudo, sem prejuízo ao financiamento de políticas públicas.
Minha proposta para o crédito tributário é o comando estadual, separando o que
é o crédito normal (atualmente utilizado de imediato nas etapas dos processos
produtivos) do chamado crédito acumulado.
O controle do IBS pelo respectivo Estado
garantiria a boa fiscalização, blindando a arrecadação tributária. Não adianta
dizer que o pagamento do imposto será a condição para devolver o crédito, algo
nem sequer previsto na PEC 45. Impressiona o fato de tudo isso passar batido,
sob aquele argumento do “vamos aprovar qualquer coisa, pois é melhor do que nada”.
É mesmo?
*Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos,
foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (2022) e
diretor-executivo da IFI (2016-2022)
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