quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Luiz Carlos Azedo - Apesar da tragédia ianomâmi, senadores querem a volta do genocídio

Correio Braziliense

A ancestralidade indígena, mesmo a assimilada pela urbanização, é um fio da vida, da sabedoria, da identidade, do pertencimento e da criatividade do nosso povo

O Senado aprovou, nesta quarta-feira, um projeto de lei que confronta o Supremo Tribunal Federal (STF) e estabelece um marco temporal para limitar a demarcação de terras indígenas à data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. É uma volta à trilha do genocídio dos ianomâmis e outras nações indígenas que vivem em áreas isoladas da Amazônia, rumo em que estávamos durante o governo Bolsonaro, além da violência contra aldeias indígenas remanescentes ainda não demarcadas em todas as regiões do país.

É bom lembrar o que acontecia até a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: estima-se que 570 crianças foram mortas pela contaminação por mercúrio, desnutrição e fome, provocada pela invasão das terras ianomâmis pelos garimpeiros. Além disso, em 2022, foram confirmados 11.530 casos de malária entre esses indígenas.

Não é preciso esforço para rever as fotos da tragédia: nelas, crianças, jovens, adultos e idosos ianomâmi parecem sair de um campo de concentração nazista. Mostram a realidade nua e crua de uma aldeia ianomâmi em Roraima, após a chegada dos garimpeiros à região. Comparar essas fotos com os registros do fotógrafo Sebastião Salgado, que realizou uma expedição à Terra Ianomâmi em 2014, mostra a dimensão da violência.

Salgado acompanhou a tradicional festa fúnebre Reahu, realizada na aldeia Demini, morada do líder Davi Kopenawa, e a subida de um grupo de xamãs ao Pico da Neblina. Suas fotos foram publicadas na edição digital do Washington Post. Em preto e branco, como sempre, são imagens fortes e fascinantes, que levam ao sentimento de um lugar perdido, num tempo diferente do nosso, no qual a natureza humana aparece em estado puro.

Já as fotos feitas no final do ano passado revelam o tempo presente: os ianomâmis aparecem como indigentes no mesmo espaço físico no qual sobreviveram por milênios. O ex-presidente Jair Bolsonaro é o grande responsável pelo que ocorreu, porque sufocou os órgãos responsáveis pela assistência aos indígenas e liberou o garimpo ilegal no país. A maioria dos senadores tem a mesma falta de empatia em relação aos indígenas.

Cosmovisão

A ancestralidade indígena, mesmo a assimilada pela urbanização, é um fio da vida, da sabedoria, da identidade, do pertencimento e da criatividade do nosso povo. Tece o passado, o presente e o futuro de nossa brasilidade, de relações que nos conectam à humanidade. Transcende o espaço e o tempo para recriar futuros possíveis e saudáveis. Pensar em todas as pessoas que vieram antes de nós é entender que há algo muito maior dentro de cada indivíduo.

Quando falamos da Amazônia e de outros biomas, estamos tratando de um tesouro cultural ainda em muito inexplorado, no qual o conhecimento indígena de sabores e propriedades medicinais é apenas uma pequena mostra do potencial alimentar e farmacológico de nossa biodiversidade.

Para os ianomâmi, que querem salvar o mundo, urihi, a terra-floresta, não é um mero espaço de exploração econômica. Trata-se de uma entidade viva, inserida na complexa dinâmica cosmológica de intercâmbios entre humanos e não humanos, que hoje está ameaçada pela ação dos garimpeiros e de outros predadores.

“A terra-floresta só pode morrer se for destruída pelos brancos. Então, os riachos sumirão, a terra ficará friável, as árvores secarão e as pedras das montanhas racharão com o calor. Os espíritos xapiripë, que moram nas serras e ficam brincando na floresta, acabarão fugindo. Seus pais, os xamãs, não poderão mais chamá-los para nos proteger. A terra-floresta se tornará seca e vazia. Os xamãs não poderão mais deter as fumaças-epidemias e os seres maléficos que nos adoecem. Assim, todos morrerão.”

A cosmovisão ianomâmi, assim traduzida pelo líder indígena Davi Kopenawa, protege a floresta e é tão importante hoje para a sobrevivência da humanidade quanto as mitologias grega e romana para a civilização ocidental. A tese do marco temporal aprovada no Senado prevê que os povos indígenas só terão direito à demarcação de terras que já eram tradicionalmente ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. O tema foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal na semana passada e rejeitado por 9 a 2.

A matéria aprovada no Congresso poderá ser questionada no Supremo. O senador Marcos Rogério (PL-RO), relator do projeto de lei, é um representante de predadores da floresta. O texto já foi aprovado pela Câmara dos Deputados, com apoio do presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL). De acordo com o projeto, somente seriam consideradas terras indígenas as áreas por eles habitadas em caráter permanente e utilizadas para suas atividades produtiva. Ora, caçadores e coletores, os índios são nômades e dependem do equilíbrio ecológico e de suas terras para sobrevivem por seus próprios meios.

6 comentários:

xicopoty disse...

Nossa, nunca tinha lido uma análise tão precisa e tão próxima da realidade dos povos indígenas, como essa.... Trabalhei 30 anos om diversas e variadas etnias, incluso os Yanomâmi, e convivi, mais de 07 anos, com a realidade, majoritariamente anti-indígena, no estado de Roraima, hoje em dia, muito pior do que no tempo em que lá trabalhei. O congresso nacional atual, é a expressão deste pensamento que não consegue perceber de verdade, a importância e o privilégio que nós brasileiros, temos por contarmos com essa diversidade de povos indígenas, no nosso território, e os ensinamentos que eles nos proporcionam..... Preisamos resistir a barbárie e idiotice do chamado maro temporal..... Parabéns pela lucidez do texto...... Primoroso...... Preciso.....

EdsonLuiz disse...

xicopoty,
▪Você usou um termo para definir a disposição negativa abusada de muitos de Roraima em relação povos-donos do Brasil::
=》... " realidade, majoritariamente anti-indígena "...

Este termo que você usou, xicopoty, também é de uma precisão certíssima. E esta realidade anti-indígena que você constata em Roraima eu percebo que é mais geral no Brasil.

EdsonLuiz disse...

■A propósito, "xicopoty", este é um nikname que você adotou ou é um nome que lhe foi dado por algum grupo indígena com que você conviveu?
▪Se este nome tiver relação indígena, qual o significado?

Daniel disse...

O colunista faz uma excelente análise do genocídio ianomâmi comandado por Jair Bolsonaro no final do seu DESgoverno. Este é outro exemplo da GIGANTESCA diferença entre Lula e o capitão das trevas (assim como na atuação dos Ministérios do Meio Ambiente, da Saúde, da Educação em seus respectivos governos).

EdsonLuiz disse...

Há erros contra os indígenas de muito mais gente do que apenas de Bolsonaro, Daniel.
▪Lula, por exemplo
(Mas só como exemplo, porque os erros contra os indígenas e contra o Brasil não param e envolvem muito maus gente)::
=》 Governos de Lula (e de Dilma) aprovaram a construção de usinas de geração de energia elétrica na Amazônia que resultaram no alagamento de extensíssimas terras indígenas, afogando histórias, memórias, lugares de rituais sagrados e de significados simbólicos importantíssimos para vários povos, os desalojando, interferindo nos modos de vida e no futuro destes povos.

As usinas hidrelétricas autorizadas e construidas com afogamento da vida de milhares de indígenas tinham como suas maiores qualidades o fato de estarem sendo contratadas para construí-las as empreiteiras que depois seriam desmascarados como corruptas e corruptoras na Operação Lava Jato e que envolveram Lula, o PT e diversos políticos e partidos da base de apoio dos governos Lula e Dilma e cuja soma de corrupção envolvem $Bilhões.

Lula e Dilma terem menor margem de libertinagem para ferrar com os índios, por terem apoio de pessoas mais conscientes e comprometidas com a defesa de direitos indígenas e defesa do meio ambiente não os constrangeu nem evitou que eles cometessem contra os índígenas o que cometeram!

E a autorização e o gasto de mais de R$60Bilhões à preço de hoje para fazer aquelas usinas não foi sequer por haver ganhos importantes na produção de energia, porque os projetos executivos das usinas na amazônia, de todas as três:: Jiral, Santo Antônio e Belo Monte, os seus projetos executivos, que são feitos antes da aprovação e decisão de alocação de recursos em um projeto, para não resultar em um erro técnico e de mau uso de recursos, mostravam que as usinas, por as características hidrográficas e geológicas dos locais, não poderiam trabalhar a plena capacidade e, muito pelo contrário, produziriam um terço ou menos de energia do seu potencial instalado.

Nada evitou que o absurdo fosse consumado e Lula e o PT autorizassem os projetos e dessem para o financiamento mais de R$45Bilhões à época.

Assim também foi com vários projetos tecnicamente condenados por problemas operacionais ou por significaram erros na alocação de recursos, como a decisão de construção da refinaria de Abreu Lima, as mais de 8.000 (OITO MIL !!!) obras do PAC que estão paradas até hoje, a vastíssima legalização de terras invadidas ou exploradas irregular e criminosamente feitas nos governos do PT, ... e assim vai.

Não sinto nenhum prazer em ter que denunciar estas coisas ; apenas não vejo como pular por cima e fazer de conta que só alguns são abusados, corruptos e criminosos, quando sei que não seria verdade e que eu, se houvesse que me calar sobre uns, teria que me calar sobre todos para não ser injusto e parcial.

ADEMAR AMANCIO disse...

Lula é terrível,todos nós somos,mas perto de Bolsonaro é um grande estadista.