Reforma tributária cheia de exceções trará alíquota maior
O Globo
A realidade aritmética é inescapável: se uns
pagarem menos imposto, os outros precisarão pagar mais
Não há dúvida de que a reforma
tributária em tramitação no Congresso representará um enorme
avanço para a economia brasileira. Ela acaba com a cobrança cumulativa dos
impostos sobre serviços e consumo, põe fim à guerra fiscal entre os estados,
aproxima o sistema tributário brasileiro dos melhores e contribui para aumentar
a competitividade do país. Ao analisá-la, porém, os parlamentares precisam
compreender que há uma contradição intrínseca no parecer apresentado pelo
relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM).
O texto amplia as exceções à alíquota de referência adotada nos novos impostos criados — a CBS (federal) e o IBS (estadual e municipal) — em substituição a outros cinco. Ao mesmo tempo, quer manter intacta a arrecadação. Isso significará necessariamente uma alíquota maior, em prejuízo das empresas não enquadradas nas exceções.
Braga acerta ao impor no texto um limite de
crescimento à carga tributária, avaliado periodicamente. Mas, como não
considera a possibilidade de queda na arrecadação, supõe uma alíquota de
referência maior. A realidade aritmética é inescapável: quando um empresário é
beneficiado com imposto menor, todos os outros precisam pagar mais, do
contrário a arrecadação cai. O governo prevê uma alíquota de 27% para a soma
dos dois impostos. Antes mesmo da apresentação de Braga, porém, já havia no
mercado estimativas de até 33%. Certamente elas subirão.
Regimes excepcionais deveriam estar embasados
em justificativas sólidas, não na distribuição voluntária de bondades. Um
exemplo: o texto do relator isenta de tributação uma cesta de produtos de
primeira necessidade (outra, mais ampla, estará sujeita a alíquota reduzida).
Mesmo que as empresas repassassem toda essa vantagem ao preço final, o
resultado seria injusto, pois beneficiaria pobres e ricos de forma
indiscriminada. A literatura econômica demonstra que impostos sobre consumo não
são o instrumento adequado para combater a desigualdade.
O texto aprovado na Câmara já era pródigo em
exceções. Em vez de reduzi-las, Braga criou outras. Propôs alíquotas menores
até na concessão de rodovias ou saneamento básico. Ofereceu desconto de 30% a
profissionais liberais, um agrado a escritórios de advocacia, consultorias e
médicos. A maioria desses profissionais de classe alta está inscrita em regimes
especiais como o Simples (foco de distorções não tratadas nesta reforma). Se
beneficiá-los já era socialmente injustificável, que dizer da nova vantagem?
Amazonense, Braga manteve a proteção à Zona
Franca de Manaus. Felizmente abandonou a ideia de cobrar de concorrentes das
empresas instaladas nela o Imposto Seletivo, criado para coibir o consumo de
produtos nocivos como álcool ou cigarro. No lugar, previu uma contribuição.
Ainda que a alternativa seja melhor, mantém incentivos economicamente
ineficazes.
Em alguns aspectos, Braga melhorou o texto
aprovado na Câmara. Previu, a cada cinco anos, revisão dos setores em regimes
especiais ou beneficiados por alíquotas reduzidas. Pode ser uma oportunidade
para promover ajustes. Teria havido mais avanços se os senadores tivessem
resistido aos grupos de pressão. Os ganhos com a reforma certamente ainda
superam os entraves que criará. Mas o Congresso precisa reduzir ao mínimo os
regimes excepcionais, de modo a garantir uma alíquota competitiva para toda a
economia.
STF faz bem ao rejeitar pedido de mudança no
crédito imobiliário
O Globo
Decisão que permite retomada do imóvel em
caso de inadimplência traz segurança ao mercado
Pode parecer inquestionável a garantia ao
comprador de um imóvel financiado de que não perderá a moradia se ficar
inadimplente. Mas não é. Por meio do sistema em vigor no mercado, conhecido
como alienação fiduciária, o próprio imóvel serve como garantia do empréstimo,
portanto o financiador deve poder retomá-lo caso o comprador não arque com suas
obrigações. Foi essa, na essência, a decisão
tomada ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF)
no processo movido por um devedor da Caixa Econômica Federal. Por 8 votos a 2,
a Corte fixou esse entendimento com repercussão geral, e ele deverá ser
doravante respeitado por todas as instâncias da Justiça.
O relator do processo, ministro Luiz Fux,
votou a favor da retomada do imóvel do comprador inadimplente por via
extrajudicial. Ele argumentou que nada impede o devedor de recorrer a um juiz,
mas é fundamental preservar as regras vigentes no mercado. O ministro Edson Fachin divergiu,
afirmando que a moradia é um direito constitucional fundamental. Fux foi
seguido por mais sete ministros: Cristiano
Zanin, André
Mendonça, Alexandre de
Moraes, Dias Toffoli,
Nunes Marques, Gilmar Mendes e Luís Roberto
Barroso, presidente da Corte. Apenas a ministra Cármen Lúcia votou
com Fachin.
O desfecho do julgamento dá a todo o mercado
imobiliário — compradores, incorporadores, construtores e investidores — a
segurança jurídica necessária de que continuará em vigor o mecanismo de
alienação fiduciária. Criada em 1997, essa modalidade de empréstimo imobiliário
se expandiu e tornou mais acessível a casa própria.
Em 2009, os empréstimos concedidos com
garantia do próprio imóvel representavam 2% do PIB. Dez anos depois, em
2019, 10%. Hoje, 98,2% dos financiamentos imobiliários são obtidos dessa forma,
segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Os negócios aumentaram e a
inadimplência caiu. O mercado de veículos novos e usados também passou a se
sustentar na alienação fiduciária do bem. Esse sistema, de operação financeira
simples, permite que os juros do crédito imobiliário ou financiamento de
veículos sejam os mais baixos do mercado e possam ser amortizados no longo
prazo, com prestações condizentes com o orçamento familiar. No empréstimo
imobiliário, o pagamento pode levar mais de três décadas.
Sem o bem funcionar na prática como garantia
real do empréstimo, todo esse sistema desmoronaria. As consequências afetariam
os investimentos e o mercado de trabalho na construção civil. Não se pode
voltar aos tempos do populismo imobiliário de décadas atrás, quando leis que
protegiam os devedores e inquilinos serviam de palanque a políticos demagogos e
provocavam estagnação no mercado imobiliário, em prejuízo dos que não tinham
casa própria.
IVA tende a ser maior com o aumento de
exceções no Senado
Valor Econômico
A reforma dos tributos ainda assim porá ordem
no caos atual, embora se afaste das melhores práticas
O projeto de reforma tributária, cuja
iniciativa é um avanço para o país, trouxe concessões com o parecer do relator
no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM). Em termos de justiça tributária, a criação
de nova alíquota, com desconto de 30%, para profissionais liberais, com renda
bem acima da média da população, mostra a prevalência de grupos de interesse.
Essa prevalência se espraiou por outros pontos do texto e levará a alíquota do
IVA a ser maior para todos. No equilíbrio entre União e Estados, as concessões
feitas no Fundo de Desenvolvimento Regional, que atingirá R$ 60 bilhões a
perder de vista em duas décadas, retiram do Tesouro recursos que hoje não
existem, e que talvez não existam no futuro. A ampliação das exceções, em
regimes diferenciados, vai contra a simplificação buscada pela reforma. Há
aprimoramentos pontuais em relação ao texto aprovado pela Câmara dos Deputados.
A reforma transcorrerá no longo prazo (50
anos), mas, no curto prazo, não dialoga com o novo regime fiscal. O governo
Lula precisa de aumento de arrecadação para cobrir gastos crescentes, mas o
parecer de Braga cria uma trava à carga tributária sobre o consumo, cuja
intenção é louvável, mas pode ser inexequível. Ela se baseia em uma média de
arrecadação entre 2012 e 2021, período que abrange a maior recessão da era
republicana moderna. A estimativa é de que o limite corresponda a pouco mais
que 12,5% do PIB. Para cobrir despesas por definição em alta (entre 0,6% e 2,5%
por ano), ou o PIB terá de crescer muito, ou o governo terá de ampliar a
tributação do capital - o que tem sido dificultado pelo Congresso - ou o regime
fiscal terá de ser mudado.
Além disso, como os senadores representam os
Estados, a fatura apresentada à União é elevada. Os vários fundos que podem ser
aprovados custarão R$ 95 bilhões entre 2025 e 2028 (artigo de Cristiane
Schmidt, Valor, 2 de outubro). Depois pode piorar. No Fundo de
Desenvolvimento Regional, que permitirá aos Estados substituir a guerra fiscal,
feita com isenções do ICMS e outras benesses, por recursos orçamentários, as
compensações custeadas pela União somariam R$ 160 bilhões até 2032. Ao atingir
R$ 40 bilhões naquele ano, o relator, em acordo com o governo, acrescentou mais
R$ 2 bilhões por ano até 2043, quando se estabilizará em R$ 60 bilhões ao ano,
a perder de vista - não há prazo para o fim. Até aquele ano, serão desembolsados
R$ 688 bilhões.
A União financiará nesse fundo a ausência de
recursos supostamente provocada pela queda de arrecadação motivada pela mudança
da tributação para o destino. Eles serão destinados a investimentos em
inovação, infraestrutura e um genérico “atração de investimentos”. Esta é parte
da história. A outra é contada pelo Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais,
que jogou no colo da União os custos da guerra fiscal, conduzida ilegalmente
pelos Estados e condenada pelo Supremo Tribunal Federal. Os repasses começam com
R$ 8 bilhões em 2025, crescem à mesma razão a cada ano até atingirem R$ 32
bilhões em 2029 e depois decrescem igualmente até 2032 - R$ 160 bilhões reais,
pois serão corrigidos pelo IPCA.
Além disso, o relator ampliou o
seguro-receita de 3% para 5%, percentual do Imposto sobre Bens e Serviços,
fruto da união de ICMS e ISS, que será destinado aos Estados e municípios que
apresentarem maior queda de arrecadação.
A distribuição dos custos parece exagerar
muito as perdas com a reforma. Estudo recente do Ipea mostrou que os resultados
da mudança tributária serão auspiciosos para Estados e municípios - 60% dos
primeiros e 82% das cidades ganharão receitas. A quase totalidade dos
municípios que terão mais arrecadação está entre os que têm PIB per capita
abaixo da média nacional e abrigam 67% da população brasileira.
O desequilíbrio das compensações não é o
único problema. O relator criou uma quarta alíquota, de 30% de desconto do IVA,
para uma faixa considerável de cidadãos que têm rendimentos acima da média, a
dos profissionais liberais (advogados, arquitetos, médicos, dentistas etc), que
já contam com benefícios tributários vários, como o Simples. Os setores
sujeitos a regimes específicos, cujas regras ainda serão definidas por lei
complementar, passaram a incluir serviços de saneamento e concessão de
rodovias, agência de viagens e turismo e todo tipo de transporte coletivo,
inclusive o aéreo, que estava fora. Também cresceu a lista já extensa de
setores com alíquota reduzida, nela ingressando produções culturais,
artísticas, desportivas, comunicação institucional e outras, além de produtos e
insumos para a produção agropecuária, que já constava do projeto que veio da
Câmara.
A cesta básica se desdobrou em outra, ampliada, com 40% de desconto do IVA, além da restrita, com alíquota zero. Dessa forma, os pobres, que gastam muito além dos demais segmentos de renda em alimentação, possivelmente terão redução líquida de impostos. Por outro lado, com a ampliação do número de alíquotas e regimes específicos, a carga total do IVA dificilmente será menor do que 27% e provavelmente será maior que isso. A reforma dos tributos ainda assim porá ordem no caos atual, embora se afaste das melhores práticas. A discussão no plenário do Senado não tende a aprimorá-la.
Tensão global
Folha de S. Paulo
Risco de expansão do conflito em Israel traz
dúvida sobre papel dos EUA no mundo
Desde que Israel declarou guerra ao grupo
palestino Hamas, perpetrador do mais violento atentado contra o Estado judeu em
seus 75 anos de existência, o planeta acompanha apreensivo o crescente risco de
alastramento do confronto.
A incapacidade de o Conselho de Segurança da
ONU agir de forma coordenada acerca do conflito, algo
previsível dada a composição da fração do colegiado com poder de veto,
ilustra a sensação de impotência de líderes mundiais.
Os olhos se voltam para os Estados Unidos,
cujo recurso ao seu inigualável poderio militar ainda é esteio, mesmo com a
perda relativa de influência global do país desde a ascensão chinesa.
Com efeito, o governo de Joe Biden promoveu
uma enorme mobilização em favor de Israel, enviando dois grupos de porta-aviões
e reforçando suas bases na região.
O motivo declarado é dissuadir o Irã, rival
de Israel, de participar de forma mais ativa na guerra. Até aqui, Teerã adotou
retórica inflamada, mas prática mais comedida.
Disse que não entraria no conflito, confiando
a missão a seus aliados, como o Hamas e o Hezbollah libanês. Este último grupo
tem por ora limitado sua ação à intensificação de escaramuças com Israel.
O Hezbollah, mais capaz que o Hamas, traria
problemas para Tel Aviv se entrasse de vez no jogo. O que não é provável agora,
contudo.
Não que isso torne a situação imune a
escaladas. Unidades americanas na Síria e no Iraque foram atacadas por grupos
ligados ao Irã, e um navio dos EUA no mar Vermelho abateu mísseis de rebeldes
iemenitas bancados por Teerã.
A questão da proporcionalidade da reação de
Israel, com a destruição sistemática de Gaza, alienou os países árabes
moderados, e a reaproximação entre Tel Aviv e a Turquia foi abortada de vez.
A Rússia de Vladimir Putin tem elevado o tom,
adicionando a defesa dos palestinos ao rol de conflitos que mantêm com o
Ocidente —a Guerra da Ucrânia à frente.
O autocrata
russo ameaçou navios americanos e, de forma algo teatral,
promoveu uma simulação de ataque nuclear aos rivais no mesmo dia em que deixou
o tratado que bania todos os testes atômicos.
Avolumam-se na imprensa relatos de que os
americanos tentam segurar a reação israelense, visando priorizar o resgate dos
220 reféns nas mãos do Hamas e ganhar tempo para proteger suas bases.
A crise humanitária em Gaza também pressiona
Biden, mas a história mostra que Israel é refratário a pedidos de comedimento
do maior aliado quando vive crises percebidas como existenciais.
Com todo esse cipoal de perigos, os EUA têm
na atual guerra um renovado desafio ao relutante papel hegemônico que podem
exercer.
Volta ao passado
Folha de S. Paulo
Governo adia devolução de recursos do BNDES e
flerta com estratégia equivocada
O Ministério da Fazenda e o BNDES, principal
banco para investimentos federais, fecharam acordo a fim de adiar a
devolução de um saldo de R$ 23 bilhões remanescente de recursos emprestados
pelo Tesouro Nacional nos mandatos anteriores do PT que
financiaram vultosos empréstimos a empresas.
Entre 2008 e 2014, o Tesouro repassou cerca
de R$ 540 bilhões ao BNDES, que então concedeu empréstimos com juros
subsidiados, muitas vezes da ordem de 3% ao ano. A política na época visava
fomentar os chamados "campeões nacionais" em vários setores. A
contrapartida foi maior dívida púbica e custos para o contribuinte.
Tomadores notórios foram a JBS e
empreiteiras, que usaram os recursos para consolidação —no caso da JBS,
tornando-se a maior empresa do mundo no setor frigorífico— e, supostamente,
investimentos em infraestrutura. Alguns resultaram em episódios de corrupção.
Conceder empréstimos com juros
artificialmente baixos piorou a situação fiscal e trouxe resultados duvidosos
para a economia.
Não por acaso, a prática foi questionada pelo
TCU. Desde 2016, no governo Michel Temer (MDB), os recursos têm sido devolvidos
ao Tesouro, abatendo dívida pública. Também foi aprovada uma lei que impede
mais subsídios e baliza o crédito novo na TLP, a taxa de longo prazo, que
reflete o custo de captação do governo no mercado.
Desde então, já retornaram R$ 693 bilhões,
incluindo juros. Restavam ainda os R$ 23 bilhões, que deveriam ser reembolsados
até o final deste ano, mas o cronograma foi ajustado para 2030.
A mudança segue a diretriz do governo petista
de voltar a usar recursos subsidiados. Neste ano, novamente, abriu-se espaço
para dinheiro novo a atividades consideradas estratégicas, com juros de 3% ao
ano, que refletem a remuneração do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) —parte
do qual financia o BNDES, por determinação constitucional.
Embora os montantes ainda sejam limitados por
enquanto, trilha-se
novamente o caminho para mais crédito direcionado a setores politicamente
influentes. Não será surpresa se outras áreas forem adicionadas
adiante.
O BNDES é um grande formulador de projetos e não há nada de errado em atuar com seus próprios recursos, como nos últimos anos, marcados por ajustes. Mas será um erro voltar atrás, como parece ser a vontade do governo.
O custo político da reforma possível
O Estado de S. Paulo
Parecer da reforma tributária sintetiza
contradições que envolvem a discussão do tema: todos concordam que o sistema
atual é inviável, mas ninguém renuncia a privilégios que o inviabilizam
O senador Eduardo Braga (MDB-AM) finalmente
apresentou o relatório da reforma tributária sobre o consumo. Lamentavelmente,
o texto ampliou, em vez de reduzir, a quantidade de setores que serão
beneficiados com impostos mais baixos após a aprovação da proposta. Como o
objetivo da reforma é manter a neutralidade sob o ponto de vista arrecadatório,
toda e qualquer exceção concedida pressiona a alíquota cheia para cima.
Até então, com base no parecer aprovado pela
Câmara, o Ministério da Fazenda previa que a alíquota do Imposto sobre Valor
Agregado (IVA) teria de ficar no patamar entre 25,45% e 27%, um dos maiores
entre os países que adotam este modelo de tributação. O impacto das novas
mudanças propostas pelo relator ainda não foi calculado pelo governo, mas é
bastante provável que aumentem a alíquota padrão.
O parecer apresentado pelo senador é uma
síntese das contradições que envolvem a discussão da reforma tributária no
País. Todos concordam que o sistema atual é inviável, confuso, regressivo,
cumulativo e injusto, mas ninguém quer abrir mão dos privilégios que justamente
o distorcem.
Esses defeitos, parte inerente do sistema
atual, se mostram muito mais resilientes do que o esperado. Tanto que a maioria
das sugestões de mudanças que o Legislativo analisou visava justamente a
exportar parte dessas distorções do modelo anterior para o novo, que
supostamente estava sendo elaborado para dar fim a todas elas. Não há outra
forma de avaliar, por exemplo, a proposta, incluída no relatório, que cria uma
nova alíquota, também reduzida, para profissões regulamentadas.
Trata-se do tipo de medida altamente
regressiva, que beneficia diretamente advogados e médicos com maior poder
aquisitivo. A imensa maioria desses profissionais já está contemplada pelo
Simples Nacional, cujo limite para enquadramento é um generoso faturamento
anual de R$ 4,8 milhões.
Não foi a única concessão que o relator
acatou. Haverá um regime específico para combustíveis e lubrificantes, setores
como saneamento, rodovias e telecomunicações, agências de viagem e o transporte
coletivo de passageiros nos modais rodoviário, ferroviário, hidroviário e
aéreo. Os benefícios para o setor automotivo foram prorrogados até 2032, tanto
para as empresas já habilitadas quanto para projetos aprovados e ainda não
implementados no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Há que destacar, no entanto, um grande acerto
do relatório. De forma corajosa, o senador enfrentou os interesses do
agronegócio e do setor de supermercados para restringir a isenção total dos
produtos da cesta básica, um avanço em relação ao modelo atualmente em vigor.
Aqueles que não fizerem parte da Cesta Básica Nacional farão parte da cesta
estendida, que terá desconto de 60% na alíquota, para contemplar produtos de
consumo regional.
Ao contrário do que diz o senso comum,
desonerar integralmente a cesta básica é uma medida altamente regressiva, que
favorece os mais ricos em detrimento dos mais vulneráveis e compromete as
contas da União e dos Estados. Com a criação da cesta estendida, famílias de
baixa renda poderão pedir a devolução dos impostos pagos via cashback.
Poderia ser melhor? Com toda a certeza. Mas o
relatório sintetiza o custo político de aprovar uma ampla reforma tributária no
País. A União teve de ceder elevando o aporte aos Estados, via Fundo Nacional
de Desenvolvimento Regional (FNDR), de R$ 40 bilhões para R$ 60 bilhões – menos
que os R$ 75 bilhões que os senadores defendiam.
Permanece a dúvida sobre como a trava para o
crescimento da carga tributária poderá ser mantida se os repasses da União para
o fundo não serão apenas crescentes, como também corrigidos pela inflação. Será
um fator adicional a pressionar a revisão dos gastos públicos e a aprovação de
reformas estruturais ou um dispositivo a ser ignorado e desrespeitado, como o
antigo teto de gastos?
No balanço geral, os benefícios do parecer da
reforma tributária ainda superam os custos, e a proposta, longe de ser
perfeita, será a reforma possível. Já terá sido uma grande vitória se as
exceções pararem por aí.
Uma geração condenada
O Estado de S. Paulo
Seis em cada dez crianças e adolescentes
vivem na pobreza e privados de direitos básicos, constata estudo do Unicef;
Brasil não pode mais se omitir
O Brasil estará fadado ao mais rotundo
fracasso se não investir pesadamente na eliminação das privações de direitos
fundamentais de suas crianças e adolescentes pobres. Repetida há décadas, essa
óbvia constatação ainda não encontra resposta adequada e prioritária do poder
público – uma omissão que condena milhões de brasileiros a viverem na pobreza
durante seus anos de formação e sem perspectivas para a vida adulta. O
relatório Pobreza Multidimensional na Infância e Adolescência – 2022, elaborado
pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) com base em dados do
IBGE, não deixa margem para tergiversações. O quadro é grave e exige reação
urgente.
A lenta queda na maioria das privações de
meninos e meninas de zero a 17 anos no País entre 2019 e 2022 não traz
suficiente alento. De fato, houve recuo de 62,9% para 60,3% no período. No
entanto, a dura realidade a que seis entre cada dez crianças e adolescentes
continuam expostos é inegável. São 31,9 milhões de brasileiros com suas
potencialidades ceifadas pela raiz. É preciso priorizá-los nas agendas e nos
orçamentos públicos da União, dos Estados e dos municípios, recomenda o Unicef.
Não se pode condenar essa geração ao fracasso e à pobreza.
Há de considerar que o cômputo médio de 60,3%
de crianças e adolescentes submetidos a privações de seus direitos básicos no
País oculta realidades regionais muito mais graves. No Amapá, esse porcentual
alcançou 91,6% em 2022 – ou seja, quase a totalidade de meninos e meninas. São
Paulo, a unidade mais rica da Federação, registrou a melhor marca estadual, de
35,7%, que não deixa de ser vergonhosa.
Dentre as dimensões analisadas pelo Unicef,
nenhuma privação se aprofundou tão escandalosamente quanto o direito à
alfabetização. O porcentual de crianças de 7 anos sem condições de ler e
escrever dobrou de 20,5%, em 2019, para 40,3%, em 2022. No grupo de meninos e
meninas de dez anos, o analfabetismo avançou de 2,4% para 3,5% no período. O
atraso escolar, acentuado pela pandemia de covid 19, não foi recuperado e
mostrase mais acentuado entre crianças e adolescentes negros de 7 a 17 anos.
Embora tenha havido ligeira melhora nos
demais indicadores avaliados, todos se mantêm em níveis alarmantes. O País não
pode fechar os olhos ao fato de que, somente no ano passado, 9,4% dos
brasileiros de zero a 17 anos viviam em moradias precárias, 5,4% não tiveram
acesso à água e 37% não contavam com saneamento básico. Na faixa de 4 a 17
anos, 8,3% estiveram longe da escola. A privação de renda atingiu 38% das
crianças e adolescentes, o que se traduziu em insegurança alimentar. Para 20%
delas, a renda familiar esteve abaixo da necessária para a compra de comida
apropriada.
Há dúvidas de que esse cenário tenha sido
substancialmente alterado ao longo de 2023, apesar das corretas mudanças nas
políticas sociais do governo federal. Fato é que os dados colhidos pelo Unicef
põem em evidência outras conhecidas omissões do poder público, como o combate à
violência a que milhões de crianças e jovens estão expostos dentro e fora de
suas casas. As mortes de 11 deles a tiros no Estado do Rio de Janeiro neste ano
indicam a suscetibilidade de todos a uma política de segurança pública incapaz
de lhes proporcionar a mínima proteção. Na outra ponta, o baixo acesso a
direitos básicos atua como alavanca para a cooptação de jovens desalentados
pelas múltiplas organizações criminosas concentradas nos bolsões de pobreza.
O estudo do Unicef retrata uma tragédia
humana e social que, inevitavelmente, afetará o futuro do Brasil como um todo.
Os esforços do Estado e da sociedade brasileira precisam ser multiplicados, com
máxima eficácia e rapidez, a bem da qualidade de vida e do potencial de seus
cidadãos e de seu desenvolvimento econômico e social. Trata-se aqui, nem mais,
nem menos, de corresponder integralmente às determinações da Constituição de
1988. Está tudo lá, para quem quiser ler.
Uma trégua volátil nos EUA
O Estado de S. Paulo
Republicanos põem fim a impasse na Câmara,
mas os moderados seguem à mercê dos radicais
Três semanas após uma minoria republicana na
Câmara dos EUA apresentar uma moção contra seu presidente, o republicano Kevin
McCarthy, e derrubá-lo com os votos democratas, os republicanos, que formam uma
estreita maioria, escolheram o novo presidente. É o fim do impasse, mas não da
guerra civil no partido. A eleição de Mike Johnson foi só uma trégua por
exaustão.
Antes, três candidatos caíram. O primeiro,
Steve Scalise, caiu ante o afã dos radicais de tentarem eleger seu favorito,
Jim Jordan. Após três votações malogradas, Jordan abdicou, e a maioria tentou a
sorte com Tom Emmer. Mas ele foi torpedeado pelo ex-presidente Donald Trump e
renunciou.
O psicodrama mostrou que Trump tem força para
vetar candidatos, mas que os moderados também têm para vetar trumpistas de
carteirinha, como Jordan. Johnson foi uma solução de compromisso dos moderados.
A outra opção seria um compromisso com os democratas. Em tempos normais, Emmer,
o terceiro na hierarquia republicana, seria a opção natural. Mas estes não são
tempos normais. Um sintoma é que Johnson, na Casa há seis anos, será seu
presidente mais inexperiente desde o século 19.
Johnson é um conservador antagônico às mais
ardentes causas progressistas, do aborto ao casamento gay e às políticas
climáticas. Para a desgraça da Casa, e especialmente do Partido Republicano,
ele votou contra a certificação das eleições de 2020. Mas é um sinal da
degradação republicana que, dos nove candidatos que se apresentaram, só dois
votaram a favor. Em contraste com agitadores como Jordan, contudo, Johnson tem
um temperamento moderado e mostrou disposição a compromissos, por exemplo,
votando pela elevação do teto de gastos. Se para os moderados não era a opção
ideal, mostrou-se a possível para preservar as chances eleitorais do partido e
garantir a governabilidade ao país.
Para dar uma ideia da dimensão dos riscos, o
Congresso, duas semanas após os atentados em Israel, ainda não tinha aprovado
uma condenação ao Hamas. Na ordem do dia, está um pacote de armas para a
Ucrânia, Israel e Taiwan, além de recursos para os palestinos e para a proteção
das fronteiras. Mais urgente, e incerta, é a aprovação do orçamento até 17 de
novembro, sem a qual o governo ficará paralisado.
No melhor cenário, Johnson sustentará uma
ponte entre as facções republicanas. Os radicais já conseguiram um presidente
mais linha-dura que McCarthy e fariam um cálculo para não arriscar a maioria
republicana nas eleições de 2024. Se Johnson convencê-los a aceitar uma vitória
parcial, pode aprovar o orçamento extraindo concessões dos democratas.
Mas nada está garantido. Foi exatamente a prorrogação do prazo para a aprovação concertada por McCarthy com os democratas que levou ao motim dos radicais. Bastam cinco para mandar tudo pelos ares. Há um ano, para se eleger, McCarthy concebeu uma mudança na legislação pela qual qualquer deputado pode apresentar uma moção de vacância da presidência da Câmara. Essa arma regimental à disposição dos extremistas foi usada contra o próprio McCarthy. O risco é que essa arma ainda está lá.
TDAH em todas as faixas etárias
Correio Braziliense
Embora sempre seja mais associado ao
desenvolvimento infantil, sabe-se que distúrbio atinge também adultos acima dos
18 anos (chegando a 2 milhões de pessoas entre 18 e 44 anos no Brasil) e vem
apresentando número maior de diagnósticos em indivíduos acima dos 44 anos
(faixa em que a prevalência chega a 6,1%)
“Quanto mais precoce o tratamento, melhores
serão também os resultados para os pacientes.” Quem nunca ouviu essa frase —
alguns, várias vezes — para quase todas as doenças? Não é diferente com o
transtorno de deficit de atenção com hiperatividade; abreviando-se, o TDAH.
Embora seja reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o diagnóstico
correto e a trajetória do paciente com TDAH nem sempre ocorre de forma simples
e rápida no Brasil. Isso sem falar que é um transtorno que, geralmente, começa na
infância e vai acompanhar a pessoa até a fase adulta.
A impressão que temos é de que, nos últimos
anos, o diagnóstico tem sido mais frequente, como se grande parcela da
população fosse diagnosticada com TDAH, em menor ou maior intensidade. Perdeu a
chave, é TDAH; esqueceu o que estava falando, é TDAH; começou uma tarefa e não
terminou; e por aí vai. Mas é importante ressaltar que o mundo mudou muito. A
quantidade de informações, de afazeres e de produtos eletrônicos a que estamos
sujeitos todos os dias é imensa. E nem sempre é TDAH. Essas quatro letras representam
um distúrbio neurobiológico de causas genéticas, geralmente diagnosticado por
psiquiatras, a partir de sintomas como: desatenção, inquietude e impulsividade.
Divididos entre desatenção e hiperatividade,
alguns sinais são mais razoáveis de serem percebidos. O primeiro deles pode ser
definido pela dificuldade de manter o foco e organizar as tarefas; e o segundo,
por sinais como falar excessivamente e ficar se movimentando constantemente. Ao
ser diagnosticado, o tratamento exige dedicação do paciente e da família,
especialmente no caso de crianças e jovens.
Esses grupos podem apresentar mais problemas de comportamento, incluindo
dificuldades com regras e limites. Em adultos, geralmente, manifesta-se pela
desatenção para situações do cotidiano e do trabalho, problemas frequentes de
memória e inquietação, sem falar nas associações como cigarro e abuso de
álcool.
Fato é que o TDAH afeta quase 11 milhões de
pessoas no Brasil (dados do Ministério da Saúde/2022 e do IBGE). Além disso,
embora sempre seja mais associado ao desenvolvimento infantil, sabe-se que o
distúrbio atinge também adultos acima dos 18 anos (chegando a 2 milhões de
pessoas entre 18 e 44 anos) e vem apresentando número maior de diagnósticos em
indivíduos acima dos 44 anos (faixa em que a prevalência chega a 6,1%). Os
especialistas alertam para o estigma que as pessoas carregam ao receber o
diagnóstico. No caso das mulheres, comentários como “ela está mais calma” são
frequentes, o que contribui para erros e até atrasos no tratamento.
A boa notícia é que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o primeiro medicamento não estimulante para o tratamento do TDAH. A molécula — atomoxetina — é utilizada nos Estados Unidos desde 2002. Estudos clínicos, inclusive, comprovaram a eficácia no tratamento do distúrbio com comorbidades, como transtorno opositor desafiador, transtorno do espectro autista, ansiedade, transtorno de tiques e depressão. Sem dúvida, um alento para quem tem o transtorno.
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