sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Vinicius Torres Freire - O preço que Lula ainda terá de pagar

Folha de S. Paulo

Custo de apoio político está sem limite e há até risco de Petrobras voltar à barganha

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva entregou a Caixa Econômica Federal ao centrão a fim de conseguir aprovar sua pauta parlamentar do segundo semestre e evitar mais fritura de parte de seus ministros.

Interessa saber agora é quantos anéis, braços e rins Lula terá de entregar; se prêmios da ordem de grandeza da Petrobras estão no horizonte do comércio político; se o governo assim vai conseguir uma bancada estável —não parece, pois o jogo mudou.

Lula deu a Caixa ao condomínio parlamentar sob o comando de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara. Não causou muita sensação, se por mais não fosse porque um noticiário exuberante de horrores de guerras, crime, fofocas de celebridades e o fastio do público com economia e política ajudam a distrair.

De resto, era sabido que essa carne, a Caixa, estava no forno da barganha faz tempo. Segundo, Lula não tem o que fazer. Caso queira governar um pouco, terá de entregar muito, pois sua coalizão é muito minoritária no Congresso mais direitista da "Nova República".

Terceiro, não há propriamente oposição para criticar a barganha. Lula está justamente barganhando com a oposição —ou com o que passa por isso. Isto é, o presidente negocia com os acionistas majoritários dessa cooperativa de gestão de fundos políticos e públicos privatizados que mais e mais é o Congresso.

O arranjo nem tem sido infrutífero, vide a quantidade de projetos que o governo tem aprovado. Mas é um arranjo indefinido, perigoso e mais gelatinoso do que o habitual nas coalizões parlamentares.

É indefinido porque o governo adquire apoios ainda mais incertos, pontuais e porque parte dos partidos arrebanhados detesta Lula, o PT ou é de extrema direita. É indefinido porque seu custo parece crescer sem limite.

É um arranjo perigoso. A quantidade de recursos disponíveis para a barganha é agora mais limitada.

Há menos estatais para entregar. Se a Eletrobras fosse ainda estatal, talvez já houvesse risco de "eletrolão" —centrão e MDB foram os maiores beneficiários políticos da roubança, enquanto o crime compensou. Vide as tantas suspeitas, por assim dizer, sobre a Codevasf.

Apareceu no horizonte a possibilidade de se reabrir a porteira da Petrobras. Se o fizer, o governo dará um tiro no pé e apontará a arma para a própria cabeça.

Há muito menos dinheiro no Orçamento. Haverá dificuldades para pagar emendas. Sendo pagas, os recursos mínimos para investimento serão mais picotados em obras paroquiais ou em desperdício. A eficiência do gasto público e seu efeito no crescimento serão menores.

Mesmo que não seja infrutífero, o arranjo tem os limites impostos pelo caráter negocista, conservador ou reacionário do Congresso. Para piorar, a elite econômica vai se bater, óbvio, contra mudanças ou aumentos de impostos.

Agora mesmo, Fernando Haddad quer aumentar ou recuperar o imposto sobre empresas que recebem incentivos fiscais estaduais (redução de ICMS) e disso se valem para pagar também menos imposto federal.

Empresas beneficiárias da guerra fiscal e governadores mui amigos delas querem barrar o projeto. Lira nem é contra a ideia, mas não quer desagradar a suas bases. Haddad ameaça ir até o STF para recuperar o dinheiro, sem o qual terá grande dificuldade de reduzir o déficit em 2024, o que é crucial para o governo.

O primeiro ano de Lula 3 nem terminou. Faltam muitas prestações da compra de apoio mínimo indispensável. Talvez falte recurso para manter esse governo de coabitação com um Congresso mais independente, mas que não assume responsabilidades de governo, mais negocista, mais reacionário e na maioria disposto a assumir o poder mais integralmente, em 2026, o que é um projeto antipetista ou antilulista.

 

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