O Estado de S. Paulo
Conflito entre Hamas e Israel alimenta controvérsias em universidades de EUA e Europa
Universidades conseguirão explicar por que condenam certos ataques e abusos e outros não?
Os ataques terroristas do Hamas contra Israel
e as ações de Israel em Gaza desprenderam uma tempestade de controvérsias nos
EUA e na Europa. Assistindo a tudo isso, me pergunto: alguém ainda acredita na
liberdade de expressão?
Condenei veementemente os ataques de 7 de outubro. Considero que indivíduos que louvam o Hamas são cegos para a realidade de que o grupo tem sido o principal oponente de uma solução de dois Estados para a questão israelo-palestina. Mas a questão a solucionar é como lidar com visões que ambos os lados consideram profundamente ofensivas. E, evidentemente, expressão e reunião não são a mesma coisa que intimidação física e assédio, que impedem o discurso civil.
A maioria das preocupações sobre liberdade de
expressão em universidades e faculdades costumava ser, há até bem pouco tempo,
relacionada a oradores conservadores – de Ben Shapiro a Condoleezza Rice –
sendo alvo de protestos.
Em 2021, deputados republicanos formaram uma
“Bancada da Liberdade de Expressão” no câmpus para proteger as liberdades de
expressão e associação. Em janeiro de 2021, o governador da Flórida, Ron
DeSantis (republicano), afirmou que o “problema legislativo mais importante”
para ser reparado nos próximos dois anos era a proteção de discursos
controvertidos.
Não é mais. No fim do mês passado, DeSantis
mudou de rumo, ordenando que o reitor da Universidade da Flórida fechasse
instalações no câmpus do grupo Estudantes por Justiça na Palestina. DeSantis
acusou o grupo de distribuir “material em apoio ao terrorismo” – mas, até onde
consigo observar, esses grupos somente organizaram protestos e comícios.
Conforme o pré-candidato à presidência
republicano Vivek Ramaswamy apontou, os tribunais deixaram claro que expressar
apoio verbal a grupos extremistas é muito diferente – e um direito
constitucional – de enviar-lhes dinheiro, equipamentos ou armas.
LISTAS. Outros conservadores tentaram
identificar e expor publicamente estudantes que pertencem a grupos que
expressaram apoio ao Hamas. Um gerente de fundo de hedge propôs circular listas
com os nomes desses estudantes para garantir que eles não consigam emprego.
Muitos doadores exigiram que universidades
emitam declarações condenando o Hamas ou apoiando Israel, alguns até insistindo
que certos protestos e oradores sejam banidos. Muitos diretores de faculdades
emitiram declarações adicionais quando suas respostas originais foram
consideradas insuficientemente fortes em apoio a Israel ou pouco contundentes
ao denunciar o Hamas.
Bem diferente das universidades no passado.
Em 1967, em meio às paixões da Guerra do Vietnã e do movimento pelos direitos
civis, um relatório de uma comissão da Universidade de Chicago, presidida pelo
eminente jurista Harry Kalven, argumentou eloquentemente que a missão da
universidade não podia ser cumprida se a instituição tomasse formalmente
posições sobre temas políticos controvertidos da atualidade:
“Uma universidade, se pretende ser verdadeira
em sua fé na inquirição intelectual, deve aceitar, acolher e encorajar a mais
ampla diversidade de visões dentro de sua comunidade”, declarava o texto. “A
universidade é lar e patrona dos críticos; não o crítico em si.”
DISCURSOS. O argumento básico em favor da
livre expressão, defendido pelo relatório de Kalven, é que é melhor ouvir os
indivíduos dos quais discordamos violentamente do que bani-los ou silenciá-los.
Dessa forma, o debate ocorre abertamente e argumentos são respondidos com
contra-argumentos.
A alternativa é conduzir os discursos para
sombras e esgotos da vida política, onde eles apodrecem, transformam-se em
teorias conspiratórias e com frequência emergem de forma violenta.
Crescendo na Índia, eu li maravilhado a
respeito do compromisso dos EUA com a liberdade de expressão, tão forte que, em
1977, um tribunal decidiu que um grupo de nazistas poderia realizar uma marcha
em Skokie, Illinois, um subúrbio de Chicago. Nos anos 70, o Harvard Crimson
publicava editoriais elogiando a conquista do Camboja por Pol Pot.
Frequentei a faculdade no início dos anos 80,
um tempo em que não era incomum ouvir posicionamentos incendiários nos câmpus,
de comunistas revolucionários ao cientista ganhador do Nobel William Shockley,
que sustentava posições grosseiras a respeito de inferioridade racial de
pessoas negras. Neste século, me recordo de poucas faculdades emitindo
declarações oficiais sobre a Guerra do Iraque ou mesmo a respeito dos ataques
terroristas do 11 de Setembro.
Hoje, estamos em um mundo diferente. Nos anos
recentes tem crescido a pressão sobre as universidades no sentido de que
assumam posições políticas. Um ponto de inflexão pode ser sido o assassinato de
George Floyd, quando muitas instituições decidiram demonstrar sua sensibilidade
e emitir declarações.
Já que elas vieram a público a respeito de um
determinado tema político, é perfeitamente compreensível que lhes seja pedido
que condenem o ataque do Hamas. Mas onde isso vai parar? Uma caixa de Pandora
foi aberta. A cada grande acontecimento político, gestores universitários terão
de decidir se o condenam ou o apoiam.
Será que eles encontrarão algum tipo de
padrão segundo o qual consigam explicar por que denunciam um determinado ataque
terrorista ou abuso de direitos humanos, mas deixam de condenar outros?
Não tenho certeza o que significa tantos de
nós considerarem a aceitação da liberdade de expressão definida no relatório de
Kalven tão fria em sua neutralidade. Queremos que nossas instituições endossem
nossas paixões e nossos pontos de vista. Mas elas são capazes disso numa
sociedade tão diversa, na qual as pessoas discordam tanto a respeito de tanta
coisa? Temo que, ao contrário de nos unir, o caminho em que estamos nos
distanciará ainda mais.
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