Desmatamento em queda traduz rumo ambiental correto
O Globo
Ainda há muito a fazer para zerar o flagelo
na Amazônia e no Cerrado, mas governo está no caminho certo
É excelente notícia a queda
de 22,3% no desmatamento da Amazônia, divulgada na quinta-feira pelo
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Entre agosto de 2022 e julho
de 2023, a área devastada foi de 9.001 km2, segundo o relatório anual do
Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal
por Satélite (Prodes). Foi a primeira vez, desde 2018, que a perda de vegetação
ficou abaixo dos 10.000 km2.
O recuo seria ainda mais significativo se
abarcasse apenas os dados de 2023, quando os números mostram inversão na
tendência de dilapidação do patrimônio natural da Amazônia. Entre agosto e
dezembro de 2022, último ano do governo Jair Bolsonaro, quando as “boiadas”
passavam sem freio, houve aumento de 54% no desmatamento. De janeiro a julho de
2023, foi registrada queda de 42%.
Os resultados colhidos até agora traduzem o acerto das políticas de redução do desmatamento tocadas pela equipe da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Depois da gestão tóxica do governo Bolsonaro, que promoveu o desmonte dos órgãos ambientais, esvaziou a fiscalização, desdenhou dados científicos do Inpe sobre desmatamento e fez vista grossa para grileiros, garimpeiros e madeireiros ilegais, era esperada uma mudança de rumo. As multas aplicadas pelo Ibama aumentaram 104%. As do ICMBio, 320%. Sinal de que a fiscalização voltou.
O trabalho do ministério surtiu resultado
apesar dos embates frequentes com integrantes do próprio governo em questões
ambientais, como aconteceu com o projeto de exploração de petróleo na Margem
Equatorial, em que Marina foi alvo do fogo amigo petista quando o Ibama negou
licença para as pesquisas da Petrobras.
Não há dúvida de que o presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva e sua ministra do Meio Ambiente têm números positivos sobre desmatamento
a apresentar neste primeiro ano de governo. Mas os resultados favoráveis não
devem embotar o tamanho do desafio adiante. O êxito obtido na Amazônia
infelizmente não se repete no Cerrado, onde a perda de vegetação bate recordes
sucessivos. Segundo o Inpe, em outubro a área desmatada no bioma chegou a 683,2
km2, representando aumento de 203% em relação ao mesmo período do ano passado.
Alegar que parte do problema ocorre por meio de autorizações dadas pelos
estados não resolve. O governo precisa urgentemente dar respostas concretas
para conter a devastação no Cerrado.
É indisfarçável também o inferno provocado
pelos incêndios na Amazônia. Nem sempre propositais, têm deixado cidades da
região envoltas numa densa nuvem de fumaça. Mesmo que a culpa seja da seca ou
do El Niño, o governo dispõe de ferramentas que indicam a localização dos
focos. Basta agir. O próprio presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho,
reconheceu, em reportagem do Estado de S.Paulo, que falta estrutura para
combatê-los.
O governo precisa ter em mente que ainda há
muito a fazer, dada a miríade de problemas — não só ambientais — que se
entrelaçam na Amazônia. A queda no desmatamento é um alento, mas a questão só
estará resolvida quando for atingida a meta com que Lula e Marina se
comprometeram nos foros internacionais: desmatamento zero. É isso que o Brasil
quer. É disso que o planeta precisa. Os resultados obtidos desde o início do
ano mostram que voltamos ao caminho certo.
Criação de nova emenda partidária piora
qualidade do Orçamento
O Globo
Desafio dos parlamentares é distribuir
recursos com mais transparência, de acordo com critérios técnicos
O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) de 2024, deputado Danilo Forte
(União-CE), afirmou que criará um novo tipo de emenda parlamentar para ser
controlado pelos líderes das bancadas na Câmara e no Senado. Já
existem as emendas individuais por deputado e senador. Já existem as emendas de
bancada por estado. Já existem as emendas de comissão. Agora a nova emenda será
distribuída por partido. O novo produto da criatividade do Legislativo
estabelece mais um gasto num Orçamento já estrangulado e deficitário.
É razoável, numa democracia, que os
congressistas determinem o destino dos recursos orçamentários. Como quase 95%
do Orçamento da União está engessado por despesas obrigatórias — a maior parte
destinada ao pagamento de salários do funcionalismo e benefícios
previdenciários —, as emendas parlamentares se tornaram o principal instrumento
para eles tentarem influir no gasto público, destinando recursos a suas bases
de apoio.
A liberação desses recursos sempre foi usada
pelo Executivo como meio de conquistar apoio no Congresso. Em 2015, porém, o
Parlamento começou um movimento para assumir o controle da execução dessa
parcela do Orçamento. Primeiro, instaurou na Constituição a obrigatoriedade de
pagamento das emendas individuais, ao torná-las impositivas. Depois estendeu o
mecanismo às emendas de bancada. Ao mesmo tempo, aumentou o valor das emendas.
De R$ 5,2 bilhões distribuídos em 2015, elas alcançaram, em valores atualizados,
R$ 44 bilhões em 2020 e R$ 37,9 bilhões em 2021.
O maior avanço do Parlamento sobre os
recursos orçamentários foi propiciado pelas emendas do relator, que irrigavam o
orçamento secreto, parcela distribuída pelas lideranças do Congresso sem
transparência nem critério técnico. O balcão das emendas do relator servia não
só para acertos políticos, mas também para negociatas. Até que, no ano passado,
o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou com elas. Ainda assim, as emendas
parlamentares somaram R$ 26,7 bilhões em 2022 e chegarão a R$ 27,7 bilhões
neste ano.
A criação do novo tipo de emenda parlamentar,
afirma Forte, permitirá que as bancadas “influam diretamente na construção
orçamentária”. É uma alegação sem sentido. A criação das novas emendas
partidárias prova apenas que o fim das emendas do relator não acabou com a
sanha dos congressistas por mais recursos públicos, nem com a visão míope de
que o Estado tem capacidade inesgotável de gastar.
No início dos anos 1990, a eclosão do
escândalo dos Anões do Orçamento — em que parlamentares cobravam propina para
incluir gastos na lista de despesas da União — revelou a necessidade de
contenção e mudanças na forma como o Congresso promove a consolidação
orçamentária. O desafio ainda é o mesmo: alocar recursos de maneira
transparente, de acordo com critérios técnicos, de modo que não haja
desperdício. Ao longo dos anos, ficou evidente que a distribuição mais generosa
de emendas aos parlamentares não é a melhor forma de fazer isso.
Obras do acaso
Folha de S. Paulo
Lula se dispõe a sacrificar meta fiscal para
investimentos de baixa eficácia
A obsessão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
com o gasto em obras motiva a ofensiva
contra o plano formalmente defendido pelo ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, de perseguir o equilíbrio entre despesas e receitas em 2024.
O presidente não quer bloquear esses recursos
do Orçamento, como provavelmente teria de fazer com a meta zero. "Para
quem está na Fazenda, dinheiro bom é dinheiro no Tesouro. Para quem está na
Presidência, dinheiro bom
é transformado em obras", disse Lula na semana passada.
Na quinta-feira (9), Haddad afirmou, em
contraponto a seus colegas gastadores da Esplanada, que elevar despesa pública
não é o melhor caminho para sustentar o crescimento econômico. Dias antes
dissera que é preciso saber gastar, considerando a taxa de retorno dos
investimentos.
Esse cálculo deveria começar com a premissa
de que o recurso que o setor público toma, por meio de impostos ou dívida, para
bancar uma obra teria destino diferente se continuasse no bolso dos cidadãos. É
preciso provar o benefício de deixar o governo decidir sobre essa despesa.
Manifestações reiteradas do Tribunal de
Contas da União (TCU) sobre a gestão de projetos financiados com verba federal
têm confirmado a inaptidão do Executivo nessa função. Há neste momento nada
menos que cerca de 8.600 obras públicas paralisadas, de um total de 21 mil
existentes.
Isso significa que a probabilidade de um
investimento federal começar e ser interrompido é de 41%, o que representa uma
alta estarrecedora diante dos já elevados 29% apurados em 2020.
O montante previsto para os projetos
paralisados, R$ 32 bilhões, é próximo do que deputados federais e senadores
poderão definir como emendas de execução obrigatória no ano que vem.
O diagnóstico do TCU não é o de que falta
dinheiro para as obras. A deficiência se localiza na coordenação, no
planejamento, na definição de prioridades e na avaliação dos projetos. O
tribunal não identificou melhoras nesses fatores na mais recente auditoria
realizada.
Um gestor de recursos na iniciativa privada
dificilmente canalizaria dinheiro de seus clientes para um tocador de obras tão
relapso e perdulário como o governo federal do Brasil. O contribuinte não tem
escolha, e o mercado credor do Tesouro Nacional só o faz mediante juros
elevados.
O fato é que o dinheiro que Lula quer
preservar para investimentos —estando para isso disposto a abandonar a meta de
equilíbrio orçamentário e a impulsionar o endividamento público— alimenta
operações de baixíssima eficácia. Financia obras do acaso.
Agro é clima
Folha de S. Paulo
Mitigar o aquecimento global não é
incompatível com incremento da produtividade
Imprevistos meteorológicos são contingências
inerentes à agropecuária, que jamais impediram o crescimento dessa atividade no
Brasil. Com as mudanças climáticas, a incerteza põe em risco a segurança
alimentar, alerta a FAO, agência da ONU para o setor.
Relatório da organização, noticiado pelo
jornal Valor Econômico, estimou em US$ 3,8 trilhões (cerca de R$ 19 trilhões)
as perdas mundiais no campo, entre 1991 e 2021, por catástrofes climáticas —tal
valor é quase o dobro do PIB brasileiro em 2022 (R$ 9,9 trilhões).
O cálculo baseou-se em quebras de safra
geradas por secas, inundações, ciclones e ondas de calor, que todo ano reduzem
a colheita de cereais em 69 milhões de toneladas, e a produção de carnes,
laticínios e ovos em 16 milhões de toneladas.
A cada 12 meses, em média, a agropecuária
global teve prejuízo de US$ 123 milhões (R$ 600 milhões). Isso equivale a
ceifar 5% do PIB agrícola mundial em cada um dos 30 anos do período analisado.
Tais cifras constituem um alerta urgente para
produtores: não há incompatibilidade entre combate ao aquecimento global e
produção agropecuária. O campo é um dos maiores interessados na mitigação do
efeito estufa e na adaptação do negócio ao aumento inaudito da
imprevisibilidade atmosférica.
Eduardo Assad, pesquisador da FGV, informa
que a mudança climática já cortou três semanas do período chuvoso no país,
estreitando a janela de plantio. Altas temperaturas, ademais, tornam mais
frequentes déficits hídricos em épocas decisivas para as culturas.
O agronegócio brasileiro tem grande
contribuição a dar no enfrentamento da crise climática. Embora seus rincões
mais atrasados defendam o desmatamento, há que estancar essa
queima de florestas para abrir pastagens e novas áreas agricultáveis,
nossa maior fonte de emissões de carbono.
Não faltam boas práticas que tanto reduzem os
efeitos nocivos do agro quanto melhoram produtividade e rentabilidade —como
recuperação de pastos degradados, consórcio de pecuária e floresta para dar
sombra ao gado, redução da idade de abate, plantio direto, manejo adequado do
solo etc.
A FAO estima que cada real investido na implementação dessas medidas mitigadoras pode trazer outros sete para a renda de famílias rurais. Chegou a hora da agricultura de baixo carbono, para alimentar um mundo cujo clima se deteriora a olhos vistos.
O País precisa de melhores polícias
O Estado de S. Paulo
Aprovação de leis orgânicas das polícias
civis e militares é ocasião para profunda reforma desses órgãos de Estado, o
que inclui melhorar seu treinamento e os mecanismos de controle
Recentemente, o Congresso aprovou dois
Projetos de Lei (PLs) que, se bem aplicados, podem contribuir para melhorar a
segurança pública no País: o PL 4.363/2001 – que institui a Lei Orgânica
Nacional das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares dos Estados
– e o PL 1.949/2007 – que cria a Lei Orgânica das Polícias Civis. Oriundos de
propostas do Executivo, eles estão à espera da sanção presidencial.
Segundo as competências federativas, as
polícias civis e militares estão submetidas ao governo estadual. Mas compete à
União, diz a Constituição, legislar sobre normas gerais de organização das
polícias. Ou seja, cada Estado deve ter suas regras, alinhado a um marco
jurídico geral – que deve ter o seguinte objetivo: assegurar que as polícias
vão realizar o seu trabalho e somente o seu trabalho.
É correta, portanto, a medida do PL
4.363/2001 de proibir que policiais militares participem, “ainda que no horário
de folga, de manifestações coletivas de caráter político-partidário ou
reivindicatórias, portando arma ou fardado” ou que se manifestem “em ações de
caráter político-partidário, publicamente ou pelas redes sociais, usando
imagens que mostrem fardamentos, armamentos, viaturas, insígnias ou qualquer
outro recurso que identifique vínculo profissional com a instituição militar”.
Essas vedações não ferem a liberdade de
expressão. São limitações do próprio cargo. Agentes estatais não devem usar os
postos de trabalho para a promoção de ideias políticas.
Os dois PLs estabelecem princípios gerais de
funcionamento das polícias, que podem e devem servir de guia para a necessária
reforma dessas instituições em cada Estado. Os princípios das polícias
militares e bombeiros são: hierarquia; disciplina; proteção, promoção e
respeito aos direitos humanos; legalidade; impessoalidade; publicidade, com
transparência e prestação de contas; moralidade; eficiência; efetividade;
razoabilidade e proporcionalidade; universalidade na prestação do serviço; e
participação e interação comunitária. Nesses princípios, vislumbra-se um
potente panorama axiológico alinhado com a Constituição e apto a orientar a
atividade policial.
Na Lei Orgânica das Polícias Civis,
elencam-se 19 princípios institucionais. Os cinco primeiros são: proteção da
dignidade humana e dos direitos fundamentais no âmbito da investigação
criminal; discrição e preservação do sigilo necessário à efetividade da
investigação e à salvaguarda da intimidade das pessoas; hierarquia e
disciplina; participação e interação comunitária; e resolução pacífica de
conflitos.
O fundamental é que tudo isso não fique só no
papel. É necessário que os três mecanismos de controle das polícias funcionem
corretamente: as corregedorias (de caráter interno), o Ministério Público (de
caráter externo) e as ouvidorias.
Uma das críticas feitas ao PL 4.363/2001 é a
previsão de subordinação da ouvidoria ao comandante-geral da polícia.
Certamente, deve-se estar atento para que isso não retire a funcionalidade da
ouvidoria. O dever de vigilância é especialmente grave no caso do Ministério
Público. Foi a própria Constituição que lhe atribuiu essa tarefa. Não há como
fechar os olhos: a situação de muitas polícias no País é sintoma de que, muitas
vezes, tal atribuição não tem sido realizada adequadamente. As duas novas leis
orgânicas devem levar a um controle mais efetivo por parte do Ministério
Público.
Outro objeto de crítica foi o trecho dizendo
que as polícias militares se subordinam aos governadores, como se isso
esvaziasse as Secretarias de Segurança Pública. Ora, são coisas diversas. A
responsabilidade, em último termo, é sempre do chefe do Executivo estadual, mas
isso não significa, por óbvio, que não deva existir uma organização interna da
administração estadual para dirigir e coordenar a atuação das polícias.
As leis orgânicas das polícias não são
perfeitas, mas podem trazer bons frutos. É tempo de despolitizar o que foi
politizado e de prover polícias competentes – que sejam parte da solução, e não
do problema.
Lições do caos em São Paulo
O Estado de S. Paulo
Eventos climáticos extremos têm sido muito
frequentes e não são exclusividade da capital paulista. É preciso enfrentá-los
de forma mais efetiva, menos midiática e sem oportunismo político
O caos que se instalou em São Paulo desde as
tempestades da semana passada é inaceitável. Milhões de pessoas ficaram sem
energia elétrica em suas casas por dias. A Defesa Civil registrou cerca de 100
desabamentos, e ao menos 8 pessoas perderam suas vidas.
A quantidade de municípios atingidos
corrobora a versão da Enel, para quem os eventos da última sexta-feira tiveram
magnitude incomum, muito acima do que os institutos meteorológicos previam.
Segundo a empresa, rajadas de vento de até 105 km/h derrubaram mais de 100
quilômetros de cabos de média tensão.
Os danos são múltiplos e incalculáveis e,
para as famílias que perderam parentes, irreversíveis. Não basta lamentar. É
preciso atuar em múltiplas frentes, priorizando a recomposição dos serviços, a
investigação das causas, a apuração de responsabilidades e a elaboração de
soluções que reduzam o impacto e a recorrência de eventos trágicos como este.
É muito comum, infelizmente, que este tipo de
episódio seja terreno fértil para o mais rasteiro oportunismo político e para o
nascedouro de ideias ruins, rapidamente abandonadas quando uma nova tragédia
passa a dominar o noticiário. Para evitar perda de tempo, é preciso lembrar que
a Constituição atribuiu à União a competência privativa para legislar sobre
energia elétrica.
Assim, qualquer lei ou iniciativa estadual ou
municipal que invada essa competência e imponha novas obrigações às empresas,
como o enterramento obrigatório dos cabos, não terá qualquer validade e será
facilmente derrubada na Justiça – como já foi no passado recente.
A antipática sugestão do prefeito de São
Paulo, Ricardo Nunes, de criar uma contribuição voluntária para custear a
medida, não tem chance de prosperar, tanto que ele mesmo voltou atrás. Mesmo
que proposto pelas vias adequadas, enterrar toda a fiação é economicamente
inviável. Pode ser um recurso a ser adotado em regiões mais críticas, mas não é
infalível nem imune a blecautes. Requer um investimento vultoso, até nove vezes
maior que o cabeamento aéreo, e resultará em contas de luz muito mais elevadas.
Se o prefeito Ricardo Nunes quer ser
realmente útil e até revolucionário, poderia muito bem cumprir sua função de
cuidar adequadamente da zeladoria da cidade. Mais de mil árvores caíram na rede
elétrica. Poda e manejo são tarefas exclusivas do município, não da
concessionária de energia, que pode, inclusive, ser responsabilizada
judicialmente caso o faça sem autorização.
Por óbvio, o serviço de distribuidoras de
energia como a Enel SP está sujeito a intempéries fora de seu controle.
Entretanto, uma vez que eventos como este se materializam, as empresas têm a
obrigação de recompor a eletricidade o mais rapidamente possível, com total
prioridade ao transporte público e às regiões onde há maior concentração de
hospitais.
Há que reconhecer que a empresa conseguiu
restabelecer a energia nas escolas em que foi aplicado o Exame Nacional do
Ensino Médio (Enem). Dito isso, não é razoável que parte considerável da
população atendida pela distribuidora fique cinco dias inteiros sem luz.
O transtorno foi público e notório, mas cabe
unicamente à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) apurar se a Enel SP
foi negligente no restabelecimento do serviço. O caso deve ser alvo de processo
público de fiscalização, assegurando à empresa o amplo direito de defesa. A
aplicação de sanções e multas só pode ocorrer ao final da tramitação desse
processo.
Como sugeriu a Aneel, a criação de um plano
de contingência para garantir o pronto restabelecimento de energia em momentos
de crise, com cooperação de distribuidoras de grupos diferentes e
compartilhamento de equipes técnicas que atuam em campo, pode ser uma boa
solução. Investimentos em tecnologias que modernizem as redes e sua forma de
operação podem ampliar a resiliência do sistema de forma mais ampla, eficaz e
barata.
Eventos climáticos extremos têm sido
frequentes e não são exclusividade de São Paulo. É preciso se antecipar a eles
e unir esforços para enfrentá-los de forma mais efetiva e menos midiática.
Um fôlego para a Amazônia
O Estado de S. Paulo
Redução no desmatamento melhora a imagem do Brasil; sustentar o ritmo ainda é desafio
Aqueda do desmatamento na Amazônia a níveis
pré-Bolsonaro, anunciada a poucos dias da Conferência do Clima (COP28) de
Dubai, tem o dom de lapidar a imagem do Brasil no encontro internacional, a
despeito dos estragos expostos pela estiagem e incêndios na região,
potencializados pelo El Niño mais rigoroso dos últimos anos. Pela primeira vez,
desde 2019, o patamar de desmate reportado ao mundo equivale a uma área abaixo
dos 10 mil km². Um troféu ainda modesto, é verdade, mas que, ao menos, comprova
o freio ao desmoronamento ambiental promovido pela gestão anterior.
A redução de 22% do desmatamento em 12 meses,
constatada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é o resultado
de uma equação que combina o avanço de 54% entre agosto e dezembro de 2022 com
a queda de 42% de janeiro a julho de 2023. Um saldo que dá à ministra do Meio
Ambiente, Marina Silva, cacife extra no governo Lula e fôlego maior nas
discussões internacionais. Ciente disso, a ministra fez questão de atribuir o
resultado positivo às ações de fiscalização e combate a ações irregulares na floresta
e, claro, dividir os louros com Lula da Silva.
É inegável que a imagem do Brasil em relação
ao monitoramento da Amazônia Legal mudou para melhor. Mas não a ponto de
diminuir o impacto das imagens recentes de devastação das áreas atingidas pelos
mais de 80 mil focos de incêndio que correm o mundo. Para angariar confiança
internacional, o governo brasileiro terá de comprovar meticulosamente que a
meta de desmatamento zero até 2030 é factível. Afinal, embora tenha diminuído,
9 mil km² de área desmatada ainda é muita coisa.
Para zerar – apenas na Amazônia, sem contar
outros biomas importantes, como o Cerrado – seria necessário, no mínimo, manter
a mesma intensidade de redução ano a ano pelos próximos sete anos, um trabalho
que inclui não apenas combate, mas prevenção. É esse caráter sustentável que
vai definir o peso no País na comunidade internacional, não apenas no aspecto
ambiental, mas especialmente nas iniciativas econômicas que dependem de uma
posição mais firme do Brasil na questão da sustentabilidade, que tem sido uma exigência
– ou uma desculpa – usada de forma corrente para atrasar acordos comerciais,
como o da União Europeia com o Mercosul.
A contenção da degradação florestal é, decerto, um dos pontos positivos a serem celebrados. É de extrema importância a mostra que o governo está dando de que ficou para trás a época de assistir passivamente à destruição da Amazônia. A própria sobrevivência do Inpe esteve sob ameaça durante o governo bolsonarista. Mas, como disse ao Estadão a ex-presidente do Ibama Suely Araújo, os esforços para elevar o ritmo de contenção dos desmates dependem de novas medidas e colaboração parlamentar. É muito difícil fechar essa conta com a fragilidade política do Executivo no Congresso. E, como é inviável impor soluções, o caminho é buscar a elaboração conjunta de propostas, trazendo ao debate Estados, municípios, Câmara e Senado.
Hipótese de terrorismo deve ser investigada
com cautela
Correio Braziliense
Segundo o ministro da Justiça, Flávio Dino, a Polícia Federal realiza "uma investigação em torno da hipótese de uma rede terrorista buscar se instalar no Brasil"
Desde o veto dos Estados Unidos ao projeto de
resolução do Brasil aprovado pelo Conselho de Segurança da Organização das
Nações Unidas (ONU), que propunha um imediato cessar-fogo na Faixa de Gaza,
aprovado por 12 votos a favor, um contra e duas abstenções (Rússia e
Inglaterra), existe um mal-estar entre o primeiro-ministro de Israel, Benjamin
Netanyahu, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O comportamento do governo
de Israel em relação aos brasileiros que aguardam repatriamento na fronteira
com o Egito e a atuação do embaixador israelense no Brasil, Daniel Zohar
Zonshine, refletem essa tensão.
Na quarta-feira, o ex-presidente Jair
Bolsonaro compareceu a uma recepção oferecida pela Embaixada de Israel a cerca
de 300 parlamentares e posou para fotografias com Zonshine. Imediatamente, nas
redes sociais circularam fake news que atribuíam ao ex-presidente a entrada dos
brasileiros na lista de refugiados que deveriam ter saído de Gaza ontem, o que
não aconteceu. Na verdade, o resgate dos brasileiros é objeto de longas
negociações com as autoridades de Israel e Egito conduzidas pelo ministro das
Relações Exteriores, Mauro Vieira, e os embaixadores brasileiros nos dois
países e na Cisjordânia.
A posição do Itamaraty diante da questão é
não perder o foco nas negociações para resgatar os brasileiros que ainda correm
risco de vida na Faixa de Gaza. Ou seja, não aceitar provocação. Na diplomacia,
sabe-se que nenhum embaixador se comporta como Zonshine sem orientação de sua
chancelaria — no caso, o governo de Israel. É nesse contexto que devemos
examinar a suposta interferência do Mossad, o serviço secreto de Israel, nas
investigações que estão sendo realizadas pela Polícia Federal sobre a suspeita
de preparação de um atentado terrorista contra sinagogas e outras instituições
judaicas no Brasil.
Em 10 de setembro, ou seja, antes do atentado
terrorista do Hamas de 7 de outubro, o Federal Bureau of Investigation (FBI)
alertou as autoridades brasileiras que pessoas suspeitas de ligação com o grupo
islâmico Hezbollah planejavam cometer atos terroristas no Brasil. Na
quarta-feira, a Justiça Federal foi acionada e autorizou a prisão de dois
suspeitos e o comprimento de 11 mandados de busca e apreensão. Tanto a PF
quanto o Ministério da Justiça e Segurança Pública tem evitado associar os
alvos da operação policial à milícia xiita do Líbano.
A Operação Trapiche é resultado de
investigações que a Divisão de Enfrentamento ao Terrorismo da PF instaurou após
o FBI encaminhar às autoridades brasileiras uma lista de brasileiros natos ou
naturalizados cujas identidades não foram reveladas até o momento e que estão
sendo investigados, supostamente ligados a organizações terroristas. A Polícia
Federal atua em cooperação com a Interpol e outros órgãos policiais, como o
FBI.
Entretanto, as investigações são realizadas
de acordo com a legislação e a orientação da Justiça brasileira. Por isso
mesmo, a nota divulgada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu na qual
afirma que a operação foi realizada com a cooperação do Mossad e frustrou
"um ataque no Brasil promovido pela organização terrorista Hamas" se
inscreve na tentativa de Israel de pressionar o Brasil a apoiá-lo na guerra com
o Hamas. A posição do governo brasileiro é a favor da paz e da ajuda
humanitária aos civis palestinos.
Fez bem o ministro da Justiça, Flávio Dino, ao reagir de forma cautelosa e esclarecer que a PF realiza "uma investigação em torno da hipótese de uma rede terrorista buscar se instalar no Brasil". Com razão, afirmou que "nenhum representante de governo estrangeiro pode pretender antecipar resultado de investigação conduzida pela Polícia Federal, ainda em andamento".
O ódio está entre nós
Revista Veja
É preciso grandeza, tolerância e ponderação
para que conflitos como o que incendeia o Oriente Médio sejam resolvidos
“Nada une tão fortemente como o ódio — nem o
amor, nem a amizade, nem a admiração.” A frase, dita pelo escritor russo Anton
Tchekhov (1860-1904), tem marcado a política mundial nos últimos anos.
Impulsionadas pelas redes sociais e pelo imediatismo do universo digital,
qualidades como o diálogo, a reflexão, o respeito ao diferente têm sido
trocadas por reações como raiva, impulsividade e impropérios destinados aos
seus inimigos. Não raro, esse comportamento belicoso busca o aplauso rápido de
uma claque — mas traz, claro, a consequente resposta adversa da turma do outro
lado. O sucesso efêmero, o fato de chamar atenção com curtidas e joinhas, faz
com que mais e mais pessoas se juntem a essa horrenda dinâmica. Indivíduos que
eram razoáveis no trato pessoal, doces muitas vezes, se transformam em
selvagens digitais protegidos pelo distanciamento do seu celular.
Infelizmente, esse desvario não fica restrito
à realidade virtual. Ele transborda para o mundo de verdade e traz consigo
consequências nefastas. A força do ódio tem sido utilizada por líderes
políticos em todo o planeta, gerando atos execráveis como o 6 de Janeiro nos
Estados Unidos, obra da pregação de Donald Trump, e o 8 de Janeiro no Brasil,
fruto da verborragia incontrolável do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Resultado dos ataques à democracia travestidos de mobilização popular: mortes,
prédios públicos destruídos e pessoas presas. Quando os líderes, aqueles que
deveriam organizar e comandar esse processo, preferem o caminho da discórdia, a
situação sai de controle e as massas enfurecidas entram em ação. Afinal de
contas, existe uma revolta, uma decepção da população com a própria
incompetência e contra tudo-isso-que-está-aí, o que acaba atirando ainda mais
gasolina nesse paiol, restringindo o espaço do entendimento e da harmonia.
Levado ao paroxismo, esse ódio resulta
naquilo que vemos hoje no conflito entre o grupo terrorista Hamas e o governo
de Israel pela Faixa de Gaza. A repulsa entre os dois povos, palestinos e
judeus, é histórica. No princípio, era a religião. Há muitos séculos, trata-se
apenas da vaidade de poderosos, da expansão territorial e da manipulação
orquestrada por líderes sanguinários. A falta de humanidade por parte de quem
deveria buscar uma convergência mínima vem multiplicando o número de mortes,
exacerbando a dor de todos que perdem um ente querido, e garantindo ainda mais
munição e “combatentes” para essa eterna jihad (guerra santa). O
cenário fica ainda mais abominável ao se perceber que políticos do mundo
inteiro (assim como influencers ou apenas os imbecis, como tão bem
classificou o escritor Umberto Eco) se alinham aqui e ali, alimentando um novo
antissemitismo ou reforçando a islamofobia para se “posicionar” frente ao seu
público. Lamentável. Triste. Ignóbil. Não é com fanatismos ou condutas que
lembram selvagerias futebolísticas que conflitos dessa natureza podem ser
resolvidos. É preciso grandeza, tolerância e ponderação. Tudo o que os grandes
líderes mundiais não têm demonstrado nos últimos tempos.
Publicado em VEJA de 10 de novembro de
2023, edição nº
2867
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