sábado, 11 de novembro de 2023

Demétrio Magnoli - O campo da guerra

Folha de S. Paulo

Israel já indicou que não pretende administrar Gaza após conflito

Binyamin Netanyahu declarou que, depois da eventual derrota do Hamas, Israel manterá "controle integral sobre a segurança" na Faixa de Gaza "por tempo indeterminado". O primeiro-ministro quer guardar o pudim e, ao mesmo tempo, comer toda a iguaria.

O governo israelense já indicou que não pretende administrar Gaza como potência ocupante no pós-guerra, pois um retorno ao status quo vigente entre 1967 e 2005 imporia o fardo de proporcionar serviços públicos a 1,3 milhão de palestinos hostis. Nos meios diplomáticos, articula-se a ideia de substituir o Hamas por uma coalizão de países árabes, com a participação de uma reformada Autoridade Palestina. Contudo, tais atores jamais aceitariam o papel de colaboradores menores das forças armadas de Israel.

A solução só funcionaria como transição rumo à criação de um Estado palestino, algo finalmente enfatizado pela Casa Branca. Netanyahu dedicou-se, desde 2009, a sabotar as negociações de paz, estabelecendo para isso uma parceria tácita com o Hamas. Sua declaração sobre o pós-guerra representa o prosseguimento dessa política, nas novas condições geradas pela implosão do acordo implícito de convivência violenta entre Israel e Hamas.

O campo da guerra estende-se do primeiro-ministro até franjas de fanáticos que circulam no pátio ideológico do supremacismo judaico. "Agora, um objetivo: nakba!", clamou o deputado Ariel Kallner, do Likud, referindo-se à "catástrofe" palestina de 1948 para exigir uma sanguinária "limpeza étnica" nos territórios ocupados. A paz na Terra Santa depende, antes de tudo, de uma derrota política avassaladora da coalizão liderada por Netanyahu.

O campo da guerra nutre-se do mito de que Israel é a encarnação atual dos judeus sitiados pelo nazismo no Reich alemão. A bandeira da destruição do Estado judeu, erguida pelo eixo Irã/Hezbollah/Hamas e dramatizada pelo massacre terrorista do 7/10, funciona como argumento crucial dos cavaleiros do "Grande Israel". É, exclusivamente, o ruído perene do antissemitismo que confere uma falsa verossimilhança ao discurso de Netanyahu.

Mas o eixo liderado pelo Irã não está só. A palavra de ordem da supressão de Israel orienta um cortejo de correntes significativas da esquerda ocidental. A mensagem antissemita espalha-se bem além das seitas delirantes que perambulam nos túneis das redes sociais.

"Do rio até o mar, a Palestina será livre" –Rashida Tlaib, deputada do Partido Democrata dos EUA, aderiu ao canto que embala manifestações nas praças das grandes cidades do Ocidente. Cinicamente, Tlaib o interpretou como um "chamado aspiracional por liberdade e coexistência pacífica, não morte, destruição ou ódio". De fato, porém, sua específica alusão geográfica não demanda a paz em dois Estados, mas a abolição do Estado judeu.

Idiomas diferentes, conteúdo igual. Israel seria "uma vergonha para a humanidade" que "não merece ser Estado" (Gleide Andrade, tesoureira do PT e conselheira de Itaipu). A tática de manual é traçar paralelos entre Israel e a Alemanha nazista. Daí, a utilização ritual do termo "genocídio" para fazer referência a ações do Estado judeu.

Genocídio qualifica operações deliberadas de extermínio físico de um povo inteiro. Não é sinônimo de crimes de guerra. A invasão do Iraque pelos EUA e a guerra de conquista russa na Ucrânia deixaram pilhas de vítimas civis, mas não se inscrevem no conceito de genocídio. O TPI abriu investigação sobre os crimes de guerra de Israel (e do Hamas) sem desviar-se pelo caminho da inflação retórica.

Netanyahu, Kallner e seus discípulos precisam de figuras como Tlaib e Gleide Andrade. O Irã e suas milícias amestradas configuram uma paisagem insuficiente para descrever Israel como fortaleza acossada pelo antissemitismo. A coesão do campo da guerra em Israel depende da amplitude do campo da guerra anti-Israel.

 

2 comentários:

Daniel disse...

"O TPI abriu investigação sobre os crimes de guerra de Israel (e do Hamas)...". Mas as pilhas de cadáveres civis deixados pelos EUA no Iraque não são CRIMES DE GUERRA e nem foram investigados pelo TPI. Por que será?? Por que o CRIMINOSO DE GUERRA George Bush não é mostrado como tal?

ADEMAR AMANCIO disse...

Pois é.