Folha de S. Paulo
Forma como o conflito se desenrola terá
implicações para uma economia global já abalada por uma série de choques
O que o Hamas esperava
alcançar com seu ataque a Israel em 7
de outubro? A resposta certamente era incendiar a região. Mais especificamente,
era provocar a resposta que vemos agora, com consequências inevitáveis para a
reputação global de Israel e as perspectivas de paz na região.
A estratégia, em outras palavras, é fazer dos
habitantes de Gaza mártires de uma causa maior. Infelizmente, está funcionando.
A forma como isso se desenrola terá implicações para vidas humanas, equilíbrio
de poder regional e talvez até mesmo para a paz global.
Mas também tem implicações para a economia mundial,
que tem sido abalada por uma série de choques nos últimos quatro anos
—Covid-19, inflação pós-Covid,
guerra da Ucrânia e agora isso. Então, qual será o impacto desse último horror?
Isso vai além de uma questão de dólares e centavos. De acordo com o capítulo "Special Focus" do mais recente Relatório de Mercados de Commodities do Banco Mundial, sobre as "Potenciais Implicações de Curto Prazo do Conflito no Oriente Médio", o número de pessoas sofrendo de insegurança alimentar grave aumentou em mais de 200 milhões entre 2019 e 2021.
A guerra entre Rússia e Ucrânia deve ter
piorado isso consideravelmente, embora os dados ainda não estejam disponíveis.
Isso ocorre em parte devido ao seu efeito direto nos preços dos alimentos e em
parte devido aos preços mais altos da energia. Um novo aumento significativo
nos preços da energia pioraria essa situação.
Então, quais podem ser as implicações? Isso
depende das respostas a duas perguntas adicionais. Quão severamente e até onde
a guerra e suas ramificações políticas podem se espalhar? Além disso, quais
podem ser as consequências para a economia global, principalmente (mas não
exclusivamente) por meio dos mercados de energia?
Felizmente, Gideon Rachman respondeu recentemente à primeira
pergunta. Ele nos lembra que a Primeira Guerra Mundial começou como um conflito
entre Áustria e Sérvia, ambos aliados de grandes potências.
Neste caso, Israel pode ser visto como um
proxy dos EUA e o Hamas e o Hezbollah como proxies do Irã (que pode se revelar
um proxy da Rússia ou até mesmo da China).
Uma cadeia de eventos desastrosos, observa
ele, pode se espalhar até o próprio Golfo. Isso poderia até levar a um conflito
entre superpotências. Além disso, podemos acrescentar, os regimes da região
podem ser desestabilizados pela ira popular pela falta de ajuda a Gaza.
Vale lembrar que o embargo de petróleo extremamente
prejudicial de 1973 não foi um resultado direto da guerra, mas uma resposta
política dos produtores de petróleo árabes.
Se a guerra se espalhasse, isso importaria?
Sim, definitivamente. A região é, de longe, a produtora de energia mais
importante do mundo: de acordo com o 2023
Statistical Review of World Energy, contém 48% das reservas globais e
produziu 33% do petróleo mundial em 2022.
Além disso, de acordo com a agência de
energia dos EUA, 20% do fornecimento mundial de petróleo passou pelo Estreito
de Ormuz, no Golfo Pérsico, em 2018. Este é o ponto de estrangulamento do
fornecimento global de energia.
O Banco Mundial também observa que choques
energéticos passados foram significativamente custosos. A invasão do Iraque ao
Kuwait em 1990 elevou os preços médios do petróleo três meses depois em 105%, o
embargo de petróleo árabe de 1973-74 os elevou em 52% e a revolução iraniana de
1978 os elevou em 48%.
Até agora, no entanto, os efeitos dos ataques
do Hamas a Israel e da guerra em Gaza nos preços do petróleo têm sido modestos.
Em termos reais, os preços do petróleo em
setembro estavam próximos da média desde 1970. No geral, até agora não há nada
dramático a ser visto.
Além disso, acrescenta o relatório, o
petróleo se tornou menos importante e os mercados da commodity menos
vulneráveis desde a década de 1970 —a importância do petróleo no PIB global
diminuiu cerca de 60% desde então (indicador chamado de "oil intensity");
as fontes de suprimento também se diversificaram; as reservas estratégicas são
maiores; e a criação da IEA (Agência Internacional de Energia, na sigla em
inglês) melhorou a coordenação.
No entanto, o petróleo ainda é um combustível
vital para o transporte. O gás natural liquefeito do Golfo também é uma parte
importante do suprimento global do produto. Grandes interrupções nesses
suprimentos teriam um impacto poderoso nos preços de energia, na produção
global e no nível geral de preços, especialmente em alimentos.
O banco prevê cenários com pequenas, médias e
grandes interrupções nos suprimentos: a primeira, segundo ele, reduziria o
fornecimento em até 2 milhões de barris por dia (cerca de 2% do fornecimento
mundial), a segunda reduziria em 3-5 milhões de barris por dia e a última
reduziria em 6-8 milhões de barris por dia.
Os preços do petróleo correspondentes são
estimados em US$ 93-102, US$ 109-121 e US$ 141-157, respectivamente.
O último levaria os preços reais em direção
aos picos históricos. Se o Estreito fosse fechado, os resultados seriam muito
piores. Ainda estamos na era dos combustíveis fósseis. Um conflito na maior
região fornecedora de petróleo do mundo poderia ser muito prejudicial.
A melhor maneira de pensar sobre isso é
enfatizar a incerteza. A grande probabilidade é que o conflito seja contido. Se
assim for, os efeitos econômicos permanecerão insignificantes. Mas é possível
que se espalhe e se torne muito mais sério.
A instabilidade civil também pode levar os
governos da região a considerar embargos. O Hamas pode desejar que a região
esteja em chamas. Mas isso certamente não será do interesse dos bilhões de
pessoas que querem seguir em frente com suas vidas da melhor maneira possível.
Cabe aos formuladores de políticas da região e de fora evitar os tipos de erros
que se mostraram devastadores no passado.
Agora, a grande questão é o que Israel vai
fazer. Eu entendo a indignação que os israelenses sentem em relação ao brutal
ataque e sua determinação em eliminar o Hamas. Mas isso é viável por meios
militares? Qual é o objetivo político deles? Qual é a estratégia, se houver,
para chegar a um acordo com os palestinos? Acima de tudo, quão sábio será agir
exatamente como o Hamas claramente queria?
*Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.
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