Valor Econômico
Colegiado foi concebido para verificar a
legalidade das ações das diversas instituições que compõem o Sistema Brasileiro
de Inteligência
Finalmente, aqui e acolá, surgem sinais de
que alguns congressistas querem dar nova dinâmica à Comissão Mista de Controle
das Atividades de Inteligência.
Não é um colegiado qualquer. Pouquíssimo
conhecido pelo público em geral, ele foi concebido para verificar a legalidade
das ações das diversas instituições que compõem o Sistema Brasileiro de
Inteligência (Sisbin). E aqui deve-se registrar, por justiça, a importância
desses órgãos no processo decisório da Presidência da República.
Como em outros países, a comissão deveria analisar orçamentos, a eficiência e eficácia de cada uma dessas agências. Por aqui, contudo, ela tem sofrido até com uma insistente falta de quórum para conseguir cumprir minimamente sua missão: a defesa do próprio estado democrático de direito.
Não é de se espantar, portanto, que sua
composição tornou-se ainda mais estratégica depois dos ataques do dia 8 de
janeiro. Integrantes do núcleo bolsonarista fizeram questão de estar na seleta
comissão, o que tem dificultado a aprovação de requerimentos.
Os poucos parlamentares que a frequentam
contam, sob a condição de anonimato, como são os bastidores da comissão.
Para acessar documentos, até mesmo senadores
e deputados precisam deixar seus telefones celulares em outra sala. O
parlamentar assina um termo de confidencialidade, lê o documento de seu
interesse e devolve para o secretariado. Cópias são proibidas.
Normalmente, as reuniões são secretas. Uma
exceção foi a última sessão da comissão, na quarta-feira (25). Não há palavra
melhor para descrevê-la do que “constrangedora”.
Sua convocação ocorreu para que o
diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Luiz Fernando
Corrêa, prestasse esclarecimentos sobre a Operação Última Milha, da Polícia
Federal.
Dias antes, a PF prendera servidores da Abin
por uso irregular de um sistema de geocalização. Segundo os investigadores, a
espionagem teria ocorrido durante o governo Jair Bolsonaro (PL). Entre 2019 e
2021, teriam sido rastreados supostos adversários do ex-presidente, políticos,
jornalistas, advogados, servidores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
O início da sessão foi aberto. De pronto, o
deputado Carlos Zarattini (PT-SP) pediu a palavra: expôs a omissão do Congresso
em sua missão de fiscalizar o setor e pediu apoio na tramitação de duas
proposições.
O primeiro é um projeto para alterar a lei
que institui o Sistema Brasileiro de Inteligência e cria a Abin. A ideia é
determinar que a agência envie relatório trimestral ao órgão de controle
externo da atividade de inteligência, ou seja, a CCAI, contendo informações
detalhadas, em qualquer grau de classificação de sigilo, sobre suas operações,
ações, produtos de inteligência e bens e serviços utilizados.
De forma complementar, a segunda iniciativa
de Zarattini é uma proposta para aprimorar a resolução que rege a própria
Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência. Se ela for aprovada
pelo Congresso, a CCAI teria meios para fiscalizar a execução orçamentária e
financeira da Abin, inclusive quanto às suas compras, aquisições e contratações
protegidas por sigilo. Isso valeria, também, para outros órgãos do sistema de
inteligência.
A comissão poderia convocar ministros e
outras autoridades subordinadas ao presidente da República, como o
diretor-geral da Abin, para prestarem pessoalmente informações ao colegiado.
Mas, mais do que isso, os órgãos componentes do Sisbin precisariam submeter à
CCAI relatórios periódicos para instrução de suas atividades de fiscalização e
controle.
“A CCAI está funcionando de forma reativa”,
argumenta o deputado. Para ele, em vez de poder requisitar documentos, o ideal
é inverter e tornar obrigatório o envio periódico de relatórios. “A comissão
precisa ter perenidade. A gente vive um problema eterno no Congresso: ninguém
se preocupa com a questão da segurança nacional.”
Naquela quarta-feira, enquanto a sessão ainda
seguia aberta, Luiz Fernando Corrêa fez um breve pronunciamento para tentar
acalmar os ânimos. Assegurou que a Abin “não tem compromisso com o erro”.
Argumentou que a operação da PF se referia a questões do passado, lembrando que
uma sindicância interna já havia sido instaurada. Assegurou que seu objetivo é
construir novos procedimentos baseados em princípios de auditabilidade e
rastreabilidade.
A portas fechadas, veio a pressão. Sem
informações detalhadas sobre quem seriam os alvos do esquema desbaratado pela
PF, o meio político insistiu em saber quais informações eram buscadas e como
elas seriam usadas.
Lembrou-se, também, que o atual governo já
havia sido alertado de que um dos servidores exonerados tinha sido auxiliar
direto de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança
Pública do Distrito Federal, preso após os atos do dia 8 de janeiro. Outro
servidor já havia respondido a denúncias por supostas interceptações
telefônicas de ministros do Supremo e, mesmo assim, preservado na atual gestão.
Esses tópicos já haviam surgido durante a
sabatina de Corrêa na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do
Senado (CRE). A apreciação de seu nome, aliás, foi adiada algumas vezes devido
à relutância do presidente da CRE, senador Renan Calheiros (MDB-AL), de
chancelar o nome de um diretor-geral da Abin sem poder impedir que os adjuntos
escolhidos por este sejam nomes considerados polêmicos. A partir do ano que
vem, seguindo as regras regimentais, Renan Calheiros será o presidente da
Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso.
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