quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Fernando Exman - Omissão do Congresso no controle da inteligência

Valor Econômico

Colegiado foi concebido para verificar a legalidade das ações das diversas instituições que compõem o Sistema Brasileiro de Inteligência

Finalmente, aqui e acolá, surgem sinais de que alguns congressistas querem dar nova dinâmica à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência.

Não é um colegiado qualquer. Pouquíssimo conhecido pelo público em geral, ele foi concebido para verificar a legalidade das ações das diversas instituições que compõem o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin). E aqui deve-se registrar, por justiça, a importância desses órgãos no processo decisório da Presidência da República.

Como em outros países, a comissão deveria analisar orçamentos, a eficiência e eficácia de cada uma dessas agências. Por aqui, contudo, ela tem sofrido até com uma insistente falta de quórum para conseguir cumprir minimamente sua missão: a defesa do próprio estado democrático de direito.

Não é de se espantar, portanto, que sua composição tornou-se ainda mais estratégica depois dos ataques do dia 8 de janeiro. Integrantes do núcleo bolsonarista fizeram questão de estar na seleta comissão, o que tem dificultado a aprovação de requerimentos.

Os poucos parlamentares que a frequentam contam, sob a condição de anonimato, como são os bastidores da comissão.

Para acessar documentos, até mesmo senadores e deputados precisam deixar seus telefones celulares em outra sala. O parlamentar assina um termo de confidencialidade, lê o documento de seu interesse e devolve para o secretariado. Cópias são proibidas.

Normalmente, as reuniões são secretas. Uma exceção foi a última sessão da comissão, na quarta-feira (25). Não há palavra melhor para descrevê-la do que “constrangedora”.

Sua convocação ocorreu para que o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Luiz Fernando Corrêa, prestasse esclarecimentos sobre a Operação Última Milha, da Polícia Federal.

Dias antes, a PF prendera servidores da Abin por uso irregular de um sistema de geocalização. Segundo os investigadores, a espionagem teria ocorrido durante o governo Jair Bolsonaro (PL). Entre 2019 e 2021, teriam sido rastreados supostos adversários do ex-presidente, políticos, jornalistas, advogados, servidores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

O início da sessão foi aberto. De pronto, o deputado Carlos Zarattini (PT-SP) pediu a palavra: expôs a omissão do Congresso em sua missão de fiscalizar o setor e pediu apoio na tramitação de duas proposições.

O primeiro é um projeto para alterar a lei que institui o Sistema Brasileiro de Inteligência e cria a Abin. A ideia é determinar que a agência envie relatório trimestral ao órgão de controle externo da atividade de inteligência, ou seja, a CCAI, contendo informações detalhadas, em qualquer grau de classificação de sigilo, sobre suas operações, ações, produtos de inteligência e bens e serviços utilizados.

De forma complementar, a segunda iniciativa de Zarattini é uma proposta para aprimorar a resolução que rege a própria Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência. Se ela for aprovada pelo Congresso, a CCAI teria meios para fiscalizar a execução orçamentária e financeira da Abin, inclusive quanto às suas compras, aquisições e contratações protegidas por sigilo. Isso valeria, também, para outros órgãos do sistema de inteligência.

A comissão poderia convocar ministros e outras autoridades subordinadas ao presidente da República, como o diretor-geral da Abin, para prestarem pessoalmente informações ao colegiado. Mas, mais do que isso, os órgãos componentes do Sisbin precisariam submeter à CCAI relatórios periódicos para instrução de suas atividades de fiscalização e controle.

“A CCAI está funcionando de forma reativa”, argumenta o deputado. Para ele, em vez de poder requisitar documentos, o ideal é inverter e tornar obrigatório o envio periódico de relatórios. “A comissão precisa ter perenidade. A gente vive um problema eterno no Congresso: ninguém se preocupa com a questão da segurança nacional.”

Naquela quarta-feira, enquanto a sessão ainda seguia aberta, Luiz Fernando Corrêa fez um breve pronunciamento para tentar acalmar os ânimos. Assegurou que a Abin “não tem compromisso com o erro”. Argumentou que a operação da PF se referia a questões do passado, lembrando que uma sindicância interna já havia sido instaurada. Assegurou que seu objetivo é construir novos procedimentos baseados em princípios de auditabilidade e rastreabilidade.

A portas fechadas, veio a pressão. Sem informações detalhadas sobre quem seriam os alvos do esquema desbaratado pela PF, o meio político insistiu em saber quais informações eram buscadas e como elas seriam usadas.

Lembrou-se, também, que o atual governo já havia sido alertado de que um dos servidores exonerados tinha sido auxiliar direto de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, preso após os atos do dia 8 de janeiro. Outro servidor já havia respondido a denúncias por supostas interceptações telefônicas de ministros do Supremo e, mesmo assim, preservado na atual gestão.

Esses tópicos já haviam surgido durante a sabatina de Corrêa na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado (CRE). A apreciação de seu nome, aliás, foi adiada algumas vezes devido à relutância do presidente da CRE, senador Renan Calheiros (MDB-AL), de chancelar o nome de um diretor-geral da Abin sem poder impedir que os adjuntos escolhidos por este sejam nomes considerados polêmicos. A partir do ano que vem, seguindo as regras regimentais, Renan Calheiros será o presidente da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso.

 

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