Metrópoles
A democracia é uma forma de sociedade cuja coesão depende da coesão de laços de confiança pessoal e institucional.
Nas duas últimas décadas, a radicalização
política, as ameaças à democracia e a emergência das múltiplas face do
populismo têm sido objeto de pesquisa, estudo e obras sobre um ciclo de
expansão do autoritarismo o que alguns autores denominam de “recessão
democrática”, termo criado por Larry Diamond (1951).
O título do artigo toma emprestada a
definição da obra magistral do cientista social, Doutor em ciência política
pela USP, pós-Doutor pela Universidade de Roma e Professor Titular de Teoria
Política da UNESP, Marco Aurélio Nogueira, articulista do jornal Estado de São
Paulo.
“Este não é um livro acadêmico […] Trata-se de um ensaio”. Com todo respeito, permito-me discordar. O autor deu leveza à profundidade acadêmica. Na dosagem exata. Estão presentes atualíssimos autores ao lado de dois clássicos de mentes brilhantes: Antonio Gramsci e Noberto Bobbio, dos quais é o fiel tradutor de Cadernos do Cárcere e de quase uma dezena das obras de Bobbio.
O que primeiro me chamou a atenção foi o
adjetivo “desafiada” , adicionado ao subtítulo: recompor a política para um
futuro incerto. Ai estão as revelações da essência da obra: Democracia,
Política e Futuro.
Ao agregar “desafiada” o autor qualifica as
entranhas da democracia que estão impregnadas de contradições. Para cada valor
que lhe dá sustentação há o correspondente risco da negação: a liberdade
individual tem como inimiga gêmea a opressão; a diversidade tem como inimiga
íntima a homogeneidade estéril e assim por diante.
Outra valiosa distinção: a metáfora da
“erupção vulcânica”, uma larva abundante que contamina o ambiente globalizado.
Ainda que contida, deixa pílulas tóxicas por onde passa.
Marco Aurélio não somente conceituou com
precisão a “hipermodernidade” no capítulo sobre “sustentabilidade” como buscou
na sabedoria de Edgar Morin a ideia de “decrescer”, prosperar sem crescimento,
um aparente oxímoro “decrescer crescendo”, ou seja, provocar a reflexão da
“arte de bem viver”, um diálogo com o mundo e a natureza.
Na linha das provocações, o autor cita a
concepção do filósofo francês Serge Audier (1971), o “Eco-republicanismo”, na
defesa de “ecologizar a politico ou politizar a ecologia”. Acrescenta ao debate
o premiado ensaio A Sexta Extinção (2015) no qual a autora, Elisabeth Colbert
(1961), registra que o tamanho do impacto humano (era do Antropoceno) resultou
na potencial destruição do planeta.
A rigor, nada parece escapar ao olhar do
Autor. Apresenta várias definições, formas (e deformidades) da democracia.
Desde o conceito procedimental e minimalista de Bobbio à “poliarquia” de Robert
Dahl (1915-2014) e à síntese de Adam Prezworski (1940): “É um sistema no qual
ocupantes do governo perdem a eleição e vão embora”.
Ao analisar a democracia desfigurada, a
democracia polarizada (entre antagonismo e agonismo), o autor descreve
paralelamente a crise de representação partidária, a antipolítica, os efeitos
da revolução tecnológica, o quadro real da apropriação do poder pela investida
salvacionista dos populismos e dos movimentos a partir da revolução digital e
da questão identitária.
Na verdade, a democracia não se limita a um
regime político: é uma forma de sociedade cuja coesão depende de laços de
confiança pessoal e institucional. Estão fragilizados por conta da
antipolítica. Nesta sentido, o autor recorre à proposição de Pierre Rosavallon
(1948) no livro A Contrademocracia – a política na era da desconfiança: “Daí,
compensar a erosão da confiança através da organização da desconfiança”.
Sobre a desigualdade, o autor fulmina: “é o
veneno contra a boa sociedade”. No sentido inverso, situa a educação cívica e o
aprendizado nas escolas, espaços abertos para uma formação socioafetiva, como
pressupostos para aquisição de saberes e a incorporação de virtudes capazes de
unir solidariamente as pessoas.
Ao concluir, o livro propõe uma “democracia
aberta para o futuro”. Não se trata de simples texto: é um manifesto político
em favor do bem inalienável que é a democracia.
Algumas passagens merecem transcrição:
“quando se está em transição sistêmica, na qual não é clara a transição que
tomaremos nem os rumos que os processos seguirão – quando ‘o velho morre e o
novo não pode nascer’ (Gramsci) – verificam-se ‘fenômenos patológicos’ em todas
as instâncias da vida […] Um campo democrático generoso e renovador é uma
construção complexa […] A seu favor, possui um bom elenco de valores grandiosos
que podem se universalizar: justiça social, liberdade, tolerância, igualdade,
direitos, regulação da economia. Esses valores continuam ativos e operantes […]
Os desafios estão dados. O futuro já começou, e vem vindo em alta velocidade.
*Gustavo Krause foi ministro da Fazenda
Um comentário:
Muito bom!
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