Valor Econômico
Lula terá dois encontros com Xi Jiping nos
próximos três meses em meio à ofensiva americana por aliados para a guerra
comercial com a China
As exportações minerais do Brasil para a
China bombaram no primeiro trimestre deste ano. As de cobre cresceram 180%, de
manganês, 310%, de ferroníquel, 253%, e de compostos de metais de terras raras
de ítrio e escândio registraram um volume sete vezes maior do que aquele de
todo o ano de 2024.
Um dia antes deste balanço, feito pelo Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), o secretário do Tesouro dos EUA deu, em Buenos Aires, uma entrevista à Bloomberg. A pretexto de comemorar o acordo do governo Javier Milei com o FMI, do qual os americanos são o principal acionista, Scott Bessent declarou: “O que estamos tentando evitar é o que aconteceu no continente africano. A China assinou uma série desses acordos vorazes marcados como ajuda, nos quais adquiriu direitos minerais e adicionou enormes quantidades de dívidas aos balanços patrimoniais desses países”.
No mesmo dia da entrevista de Bessent, o “The
New York Times” revelou a preocupação do Pentágono com a paralisação de
programas militares dependentes de minerais de terras raras da China, que
retaliou as tarifas americanas restringindo a exportação desses produtos para
os EUA.
Dias antes, o secretário de Defesa Pete
Hegseth, em entrevista à Fox News, ressuscitou a doutrina Monroe para definir
as pretensões dos EUA em relação a América Latina: “O governo [Barack] Obama
tirou os olhos da bola e deixou a China tomar toda América do Sul e Central,
com sua influência econômica e cultural, fazendo acordos com governos locais de
infraestrutura ruim, vigilância e endividamento. O Presidente Trump disse ‘não
mais’, vamos recuperar o nosso quintal”.
O Brasil tem reservas suficientes para não
precisar de linhas do FMI ou da China, mas a preocupação americana com o avanço
chinês sobre a América Latina é patente. Daí o interesse sobre os próximos
eventos da agenda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
No dia 9 de maio, Lula estará com Vladimir
Putin em Moscou para o 80º aniversário da derrota dos nazistas na Segunda
Guerra Mundial. De lá vai para Pequim, onde, ao lado de Xi Jiping, participará
do encontro da Comunidade da América Latina e Caribe (Celac) com a China. Tanto
a Rússia quanto a China são parceiros do Brasil no Brics, bloco que Trump
ameaçou logo depois de sua eleição por vê-lo como uma ameaça ao dólar.
Na semana passada, o chanceler russo Sergey
Lavrov mencionou como sendo uma “proposta brasileira” a criação de uma
plataforma de pagamentos independente do Swift à qual até mesmo países de fora
do Brics teriam acesso.
A Rússia sempre foi o maior defensor desta
saída visto que está excluída do Swift. Como a China tem uma grande parte de
sua reserva em dólar, tem adotado uma postura mais conservadora. O governo
brasileiro, que já se debruçou sobre tema da moeda comum seja no âmbito do
Mercosul, seja do Brics, passou à defesa de um mecanismo que integre os
sistemas de pagamento no mundo inteiro.
A ofensiva de Trump, que chegou a ameaçar o
Brics com uma tarifa de 100% meses antes de o tarifaço entrar em pauta, animou
as fábricas de “fake news”. No fim do ano passado, em meio à escalada do dólar
ante o Real, a Advocacia-Geral da União chegou a acionar a Polícia Federal para
apurar a origem de uma notícia falsa que atribuía ao presidente do Banco
Central, Gabriel Galípolo, a defesa de uma “moeda dos Brics”.
A ordem do dia, no Itamaraty, é tirar da
pauta qualquer tema que interfira nas chances de o Brasil explorar as chances
de ganhar terreno em meio às brechas abertas pelas animosidades do tarifaço.
O périplo de Xi pela Ásia, porém, é um
aperitivo do que pode vir a ser a reação americana à vinda do dirigente chinês
à cúpula do Brics em julho. Trump resumiu a visita ao Vietnã, primeira parada,
como um encontro para “ferrar” com os EUA. Na primeira versão do tarifaço, o
Vietnã havia sido alvejado por Trump com uma tarifa de 46%.
Nas conversas recentes com o Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio e com o Itamaraty, representantes
americanos chegaram a insinuar que se o Brasil tivesse aderido à “Rota da Seda”
por ocasião da visita de Estado de Xi Jiping, em novembro passado, o
entendimento entre os dois governos não seria o mesmo. O Brasil, juntamente com
toda a América Latina, está na faixa dos 10% de tarifa desde o princípio.
A determinação de que todo o discurso do
Brasil seja pautado pela “cooperação”, que tem em vista o “interesse nacional”
pode ser resumida numa frase: Brasil não vai cutucar a onça com a vara curta.
Tome-se, por exemplo, a determinação de se
buscar uma nova taxação sobre as “big techs”. Havia até mesmo um excesso de
propostas, com a Fazenda e a Justiça disputando a primazia da apresentação de
um projeto de lei. Agora não há nenhum. O tema saiu de pauta.
Helene Cooper, do “The New York Times”,
resgata um livro ainda no prelo, de Seth Jones (“The American Edge: The
Military Tech Nexus and the Sources of Great Power Dominance), que sugere uma
explicação por que parceiros comerciais dos EUA e da China buscam uma rota fora
do alcance dos radares bélicos: depois que submarinos alemães afundaram navios
de carga aliados que transportavam bauxita do Suriname, foram as fontes
alternativas deste minério que garantiram o desfecho da Segunda Guerra Mundial.
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