quinta-feira, 17 de abril de 2025

Brasil busca a sombra do quintal alvejado por Trump - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Lula terá dois encontros com Xi Jiping nos próximos três meses em meio à ofensiva americana por aliados para a guerra comercial com a China

As exportações minerais do Brasil para a China bombaram no primeiro trimestre deste ano. As de cobre cresceram 180%, de manganês, 310%, de ferroníquel, 253%, e de compostos de metais de terras raras de ítrio e escândio registraram um volume sete vezes maior do que aquele de todo o ano de 2024.

Um dia antes deste balanço, feito pelo Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), o secretário do Tesouro dos EUA deu, em Buenos Aires, uma entrevista à Bloomberg. A pretexto de comemorar o acordo do governo Javier Milei com o FMI, do qual os americanos são o principal acionista, Scott Bessent declarou: “O que estamos tentando evitar é o que aconteceu no continente africano. A China assinou uma série desses acordos vorazes marcados como ajuda, nos quais adquiriu direitos minerais e adicionou enormes quantidades de dívidas aos balanços patrimoniais desses países”.

No mesmo dia da entrevista de Bessent, o “The New York Times” revelou a preocupação do Pentágono com a paralisação de programas militares dependentes de minerais de terras raras da China, que retaliou as tarifas americanas restringindo a exportação desses produtos para os EUA.

Dias antes, o secretário de Defesa Pete Hegseth, em entrevista à Fox News, ressuscitou a doutrina Monroe para definir as pretensões dos EUA em relação a América Latina: “O governo [Barack] Obama tirou os olhos da bola e deixou a China tomar toda América do Sul e Central, com sua influência econômica e cultural, fazendo acordos com governos locais de infraestrutura ruim, vigilância e endividamento. O Presidente Trump disse ‘não mais’, vamos recuperar o nosso quintal”.

O Brasil tem reservas suficientes para não precisar de linhas do FMI ou da China, mas a preocupação americana com o avanço chinês sobre a América Latina é patente. Daí o interesse sobre os próximos eventos da agenda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No dia 9 de maio, Lula estará com Vladimir Putin em Moscou para o 80º aniversário da derrota dos nazistas na Segunda Guerra Mundial. De lá vai para Pequim, onde, ao lado de Xi Jiping, participará do encontro da Comunidade da América Latina e Caribe (Celac) com a China. Tanto a Rússia quanto a China são parceiros do Brasil no Brics, bloco que Trump ameaçou logo depois de sua eleição por vê-lo como uma ameaça ao dólar.

Na semana passada, o chanceler russo Sergey Lavrov mencionou como sendo uma “proposta brasileira” a criação de uma plataforma de pagamentos independente do Swift à qual até mesmo países de fora do Brics teriam acesso.

A Rússia sempre foi o maior defensor desta saída visto que está excluída do Swift. Como a China tem uma grande parte de sua reserva em dólar, tem adotado uma postura mais conservadora. O governo brasileiro, que já se debruçou sobre tema da moeda comum seja no âmbito do Mercosul, seja do Brics, passou à defesa de um mecanismo que integre os sistemas de pagamento no mundo inteiro.

A ofensiva de Trump, que chegou a ameaçar o Brics com uma tarifa de 100% meses antes de o tarifaço entrar em pauta, animou as fábricas de “fake news”. No fim do ano passado, em meio à escalada do dólar ante o Real, a Advocacia-Geral da União chegou a acionar a Polícia Federal para apurar a origem de uma notícia falsa que atribuía ao presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, a defesa de uma “moeda dos Brics”.

A ordem do dia, no Itamaraty, é tirar da pauta qualquer tema que interfira nas chances de o Brasil explorar as chances de ganhar terreno em meio às brechas abertas pelas animosidades do tarifaço.

O périplo de Xi pela Ásia, porém, é um aperitivo do que pode vir a ser a reação americana à vinda do dirigente chinês à cúpula do Brics em julho. Trump resumiu a visita ao Vietnã, primeira parada, como um encontro para “ferrar” com os EUA. Na primeira versão do tarifaço, o Vietnã havia sido alvejado por Trump com uma tarifa de 46%.

Nas conversas recentes com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e com o Itamaraty, representantes americanos chegaram a insinuar que se o Brasil tivesse aderido à “Rota da Seda” por ocasião da visita de Estado de Xi Jiping, em novembro passado, o entendimento entre os dois governos não seria o mesmo. O Brasil, juntamente com toda a América Latina, está na faixa dos 10% de tarifa desde o princípio.

A determinação de que todo o discurso do Brasil seja pautado pela “cooperação”, que tem em vista o “interesse nacional” pode ser resumida numa frase: Brasil não vai cutucar a onça com a vara curta.

Tome-se, por exemplo, a determinação de se buscar uma nova taxação sobre as “big techs”. Havia até mesmo um excesso de propostas, com a Fazenda e a Justiça disputando a primazia da apresentação de um projeto de lei. Agora não há nenhum. O tema saiu de pauta.

Helene Cooper, do “The New York Times”, resgata um livro ainda no prelo, de Seth Jones (“The American Edge: The Military Tech Nexus and the Sources of Great Power Dominance), que sugere uma explicação por que parceiros comerciais dos EUA e da China buscam uma rota fora do alcance dos radares bélicos: depois que submarinos alemães afundaram navios de carga aliados que transportavam bauxita do Suriname, foram as fontes alternativas deste minério que garantiram o desfecho da Segunda Guerra Mundial.

 

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