domingo, 20 de julho de 2025

Bolsonaro e o fim da empatia - Mariliz Pereira Jorge

Folha de S. Paulo

Rolou um déjà-vu desgraçado de quando a gente acordava pensando em qual seria o pesadelo do dia

Era para ser uma crônica sobre como homens e mulheres ainda consideram amizade entre gênero ficção cientifica, afinal, macho que é macho não consegue controlar o bilau dentro das calças. Mas o Brasil acordou com a Polícia Federal na porta de Jair Bolsonaro na sexta-feira (18). Toc toc toc. Como ignorar as notícias e, principalmente, os memes? Pensei, que a justiça seja feita –e fui tocar a vida.

Em frente à minha casa tem uma estação de bicicletas. Todos os dias, renovo minha fé em não ter mais carro e ainda contar com uma opção ecologicamente correta, saudável e charmosa. Acho sexy adultos que circulam de bike e não de SUVs. Obrigada, Itaú, pela graça alcançada. Mas quando eu pegava a magrela, a TV do bar mostrava, de novo, aquela cara sebosa falando que nunca viu um pendrive. Meti um Oasis no fone de ouvidos para lembrar como a década de 1990 foi boa e a gente sabia.

O mar de Copacabana parecia a lagoa azul, aquela do filme, e o instrutor de natação decidiu nos guiar entre o Posto 6 e a praia do Diabo, o que dá 1,5 km de distância. Passamos pelo forte, pelos canhões que hoje só servem para turista ver. Já na metade do caminho, paro para ajeitar os óculos e recuperar o fôlego, e vejo a enorme bandeira do país que sinaliza aquela instalação militar. Ela tremula com o Corcovado ao fundo. É isso. Brasil acima de tudo e o Cristo com os braços abertos sobre a Guanabara. Viva, Tom Jobim. Chupa, Trump.

Na minha cozinha, a panela apita, metáfora perfeita para o país que não aguenta mais tanta pressão política. Enquanto refogo cebola e alho para o arroz de cada dia, penso que democracia demais, às vezes, atrapalha. Não fosse esse mimimi de direitos, garantias, prazos, aquela tornozeleira já tinha sido entregue há tempos. Faço um parêntese (é ironia, tá? Sempre bom avisar). Não é por nada, não, mas o cheiro do meu feijão tá estupendo. Numa coisa, Jair Bolsonaro está certo, a batata já assou.

Mas vamos ao que interessa. Sextou? Partiu chopinho? Quem sabe teatro e jantar. Ou pizza e Netflix para curtir esse frio inacreditável de 18ºC no Rio de Janeiro. Mas sábado rola uma praia. Nada. Meus grupos de WhatsApp estavam lamentavelmente monotemáticos. E o Bolsonaro? E o Bolsonaro? Um déjà-vu desgraçado de quando a gente acordava pensando em qual seria o pesadelo do dia. Não vai escrever sobre o indiciado? Não.

Juro que tentei me refugiar em assuntos mais interessantes e me inspirar para esta coluna. Uma reportagem fala sobre os benefícios da creatina, o suplemente queridinho do momento. Outra trata da impressionante queda na preferência por ter filhos homens. Um artigo do The New York Times diz que vivemos uma crise de empatia. A filósofa Hannah Arendt já dizia, "a morte da empatia humana é um dos primeiros e mais reveladores sinais de que uma cultura está prestes a cair na barbárie". Preocupante mesmo.

Bolsonaro, que o diabo te carregue. Pensando bem, a PF também serve.

 

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