Na avaliação de do pesquisador do FGV/Ibre, o
governo brasileiro dá sinais de que não deve retaliar os Estados Unidos
Pesquisador associado do Ibre/FGV, Samuel
Pessôa avalia que as decisões econômicas adotadas pelo presidente
norte-americano Donald Trump,
com a escalada da guerra comercial, estão levando os Estados
Unidos a serem tratados “como uma economia emergente”.
“Os Estados Unidos estão com a sua reputação
muito abalada. Nesse choque, o dólar se desvalorizou e os juros de longo prazo
da economia americana aumentaram”, afirma.
Na avaliação de Pessôa, o governo brasileiro dá sinais de que não deve retaliar os Estados Unidos. Se o País responder, avalia, pode haver uma piora da inflação brasileira.
“Na análise econômica, fica claro que o interesse do Brasil é não retaliar. E eu acho que também é do interesse do próprio presidente Lula, porque tem uma eleição à frente, e a inflação é um tema delicado.”
A seguir, trechos da entrevista concedida ao Estadão.
Qual pode ser o impacto para o Brasil com as
tarifas anunciadas por Donald Trump?
Os impactos dependem dos caminhos que o
governo brasileiro adotará. Do ponto de vista econômico, se os Estados Unidos
pararem por aí, sem nenhuma outra tarifa, vai levar a uma redução de demanda
pelos nossos produtos, gera um aumento de oferta no mercado brasileiro e uma
pressão desinflacionária. Se o Brasil retaliar, se tudo o que o País compra dos
Estados Unidos vai ter uma tarifa de importação, o preço vai aumentar aqui
dentro. É inflacionário.
Na análise econômica, fica claro que o
interesse do Brasil é não retaliar. E eu acho que também é do interesse do
próprio presidente Lula (não retaliar), porque tem uma eleição à frente e a
inflação é um tema delicado, a menos que uma certa antagonização com o Trump
tenha algum ganho político para ele.
É ruim não dar algum tipo de resposta?
A China deu resposta, e o Trump foi atrás.
Mas a China é uma economia muito grande, e o Brasil é bem menor do que a China.
A gente pode machucar os Estados Unidos em um ou outro mercado, mas eles são
muito maiores do que nós. Economicamente, eles têm uma capacidade de nos
machucar muito maior do que nós temos de machucá-los.
A abertura de uma investigação contra o
Brasil por supostas práticas comerciais ilegais muda algo?
Tem de sentar e negociar com calma. Nós temos
o Itamaraty, tem uma burocracia estável que faz isso.
E há algum espaço para a negociação com os
EUA, dado que a tarifa recebida pelo Brasil teve como base num tom mais
político do que econômico?
É verdade que tem esse contexto político, mas
o que eu vi do governo brasileiro - e a impressão que eu tenho - é que a gente
não vai retaliar. Vamos negociar. O Lula já escolheu o Alckmin, que é uma
pessoa experiente. Vamos usar os meios diplomáticos do Ministério da Indústria
e do Comércio e vamos negociar. Isso não caracteriza uma retaliação.
Algum sucesso é possível?
Olhando à distância, a questão do Trump não é econômica para o Brasil. É difícil ler essa decisão do Trump. Ele cria um problema para ele, mesmo que nós sejamos um problema pequeno. Tem um custo, pelo menos, na imprensa, na opinião pública. É realmente muito difícil entender o que o Trump fez.
Qual o impacto para a economia dos EUA com
essa nova leva de tarifas que estão sendo anunciadas?
O impacto que todo mundo pensa é
inflacionário. Mas não é claro se a tarifa pode ensejar uma redução de preço do
vendedor para os Estados Unidos - quem está exportando para os EUA pode ter uma
redução da sua rentabilidade e absorver (a tarifa maior) na forma de redução de
margem. De fato, se a gente olhar os dados de inflação, tem algum sinal em
bens, mas muito pouquinho. E parece que o motivo é esse: as empresas que
exportam para os EUA internalizaram uma boa parte do impacto das tarifas que
foram colocadas pelo Trump.
São seis meses de Trump e uma confusão econômica muito grande. Como fica a confiança na economia norte-americana?
Os Estados Unidos estão com a sua reputação
muito abalada. A impressão clara disso é que, nesse choque, o dólar se
desvalorizou e os juros de longo prazo da economia americana aumentaram. E por
que isso aconteceu? Nesses seis meses, houve uma deterioração adicional
importante por causa de uma formulação da política econômica ruim, há uma
equipe econômica - por todos os sinais de que a gente tem - de baixíssimo nível
e até ataques frontais, com o Executivo não cumprindo decisões do Judiciário.
A deterioração institucional dos Estados Unidos gera desvalorização da moeda americana e gera aumentos de juros. Pega o Brasil. Quando o Brasil faz alguma coisa errada, o que acontece? O real desvaloriza e a Selic sobe. As taxas da B (NTN-B, título público que remunera o investidor com uma taxa de juros mais a variação do IPCA, o índice oficial de inflação do País) de 20 anos e 10 anos sobem. É igualzinho nos Estados Unidos, que está sendo tratado nesse episódio como uma economia emergente.
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