Correio Braziliense
Os Estados Unidos não têm condições de
competir com a China em termos comerciais e de investimento, mas detêm o
domínio do continente por meios financeiros, tecnológicos e militares
Há mais coisas entre o céu e a terra do que os aviões da Embraer e o Pix, diria Aparício Torelli, o Barão de Itararé, sobre a crise comercial e diplomática do Brasil com os Estados Unidos, que pode se tornar uma das maiores de nossa história. Teve como gatilho o julgamento do Jair Bolsonaro, mas é multifacetada e, por isso mesmo, pode escalar ainda mais, em razão das medidas cautelares impostas pelo ministro Alexandre de Moraes ao ex-presidente e referendadas pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Em resposta, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, revogou os vistos americanos de Alexandre de Moraes, "seus aliados e familiares imediatos".
"O presidente Trump deixou claro que seu
governo responsabilizará estrangeiros responsáveis pela censura de expressão
protegida nos Estados Unidos. A caça às bruxas política do ministro Alexandre
de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, contra Jair Bolsonaro criou um complexo
de perseguição e censura tão abrangente que não apenas viola direitos básicos
dos brasileiros, mas também se estende além das fronteiras do Brasil, atingindo
os americanos", diz a postagem de Rubio na rede social X.
O envio de R$ 2 milhões por Jair Bolsonaro
(PL) a Eduardo Bolsonaro é considerado um indício concreto da articulação entre
pai e filho com o objetivo de interferir na atuação do Judiciário brasileiro, o
que levou Moraes a adotar as medidas cautelares. Além do uso de tornozeleira
eletrônica, Bolsonaro foi proibido de usar redes sociais e manter contatos com
aliados políticos, diplomatas estrangeiros e o filho Eduardo Bolsonaro, que
está nos Estados Unidos para articular ações em defesa do pai, contra o Supremo
e o governo Lula, como o tarifaço de 50% nas exportações.
A crise comercial e diplomática é uma das
mais graves de nossa história. Ainda não se compara à Questão Christie
(1863-1865), provocada pelo naufrágio do Prince of Wales no litoral do Rio
Grande do Sul e pela prisão de oficiais britânicos no Rio de Janeiro, o que
resultou na apreensão de cinco navios brasileiros pela Grã-Bretanha. D. Pedro
II rompeu relações com Londres por dois anos, gesto que fortaleceu o sentimento
nacional, mas expôs a dependência econômica do Brasil ao comércio britânico. A
Guerra do Paraguai (1864-1870), com o apoio ao golpe no Uruguai e a formação da
Tríplice Aliança com a Argentina, reaproximou os dois países, porém o Brasil
saiu da guerra endividado com bancos britânicos.
Efeito dominó
Todos os demais conflitos foram resolvidos
pela diplomacia, sem guerras nem rompimento de relações. Desde as crises
fronteiriças com a França (Guiana Francesa) e a Grã-Bretanha (Guiana
Britânica), no começo da República, graças à habilidade do Barão do Rio Branco,
o Brasil ocupa a posição de potência regional moderada na América do Sul.
Entretanto, isso não impediu a ingerência britânica e norte-americana Revolta
da Armada (1893-1894), com seus navios bloqueando a Baía de Guanabara. Na
Segunda Guerra Mundial, o presidente Getúlio Vargas, cujo Estado Novo fora
inspirado no fascismo, usou da diplomacia para se equilibrar entre as partes e,
depois, tirar vantagens dos Estados Unidos ao Brasil entrar na guerra contra o
Eixo (Alemanha, Itália e Japão).
Houve interferência dos EUA (Operação Brother
Sam) no golpe militar que destituiu o presidente João Goulart em 1964; 11 anos
depois, o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha (1975) provocou forte oposição dos
EUA, que temiam a proliferação nuclear e suspenderam créditos e tecnologia
sensível. Na crise atual, todos os países que exportam para os Estados Unidos
estão sendo atingidos pelo tarifaço de Trump, mas o caso do Brasil se
diferencia pela natureza ideológica: o alinhamento político com Bolsonaro. O
contexto geopolítico favorece a ofensiva da Casa Branca na América do Sul. O
Brics somente é uma ameaça à hegemonia econômica dos Estados Unidos por causa
da China. Brasil, Índia e África do Sul mantêm posição de equilíbrio.
O Porto de Chancay, construído na costa do
Peru pela China, é um empreendimento estratégico que se integra à iniciativa
"Cinturão e Rota" (Nova Rota da Seda). A assinatura do acordo de
construção de uma ferrovia bioceânica ligando aos portos do litoral brasileiro
pode consolidar de vez a hegemonia comercial chinesa na América do Sul. Os
Estados Unidos não têm condições de competir com os chineses em termos
comerciais e de investimento, mas detêm o domínio geopolítico do continente por
meios financeiros, tecnológicos e militares. É aí que entra em cena o
secretário de Estado, Marco Rubio, senador pela Flórida e filho de imigrantes
cubanos.
Para ele, o presidente da Argentina, Javier
Milei, e o ex-presidente Bolsonaro são peças-chave para mudar o jogo na América
do Sul. Seu objetivo é impedir a reeleição do presidente Lula e redefinir a
posição do Brasil como satélite dos EUA, com valores conservadores e
alinhamento automático nas grandes disputas globais. Para provocar um
"efeito dominó", Rubio mira também a Colômbia, cujo presidente,
Gustavo Petro, ex-guerrilheiro, classifica como figura "perigosa",
especialmente sobre temas, como drogas e relações regionais, e o Chile, onde o
presidente Gabriel Boric apoia Jeannette Jara, ex-ministra do Trabalho e
dirigente do PC chileno, candidata à Presidência escolhida nas prévias da
coalizão governista.
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