quinta-feira, 28 de agosto de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Intervenção de Trump no Fed trará retrocesso

O Globo

Ao tentar demitir diretora, ele mina confiança no dólar e nas instituições americanas

É temerária a tentativa de Donald Trump de intervir no banco central americano, o Federal Reserve (Fed). Desde que assumiu o segundo mandato, ele tem pressionado publicamente o presidente do Fed, Jerome Powell, a baixar a taxa de juros. Chegou a cogitar demiti-lo, em desafio às regras que lhe garantem estabilidade no cargo até maio de 2026. Nesta semana, Trump anunciou que, em vez disso, demitirá a diretora Lisa Cook, cujo mandato acaba oficialmente em 2038, sob a alegação de que ela cometeu irregularidades em hipotecas imobiliárias (Cook nega). A intervenção de Trump abala a confiança na autoridade monetária dos Estados Unidos, com reflexos negativos em toda a economia global.

Cook diz que recorrerá à Justiça, num processo que será decisivo para definir a extensão do poder do presidente e das salvaguardas ao Fed. Se o caso chegar à Suprema Corte, é uma incógnita como o tribunal de maioria conservadora reagirá diante do anúncio inédito da demissão de Cook, o mais grave ataque à independência do Fed de que se tem notícia. Noutra ação em que reafirmou a autonomia de Trump para demitir chefes de organismos do governo, a Corte fez questão de afirmar que o Fed tem características que o distinguem dos demais braços do Estado, por ser uma “entidade estruturada de modo singular”, de natureza “quase privada”.

Pela lei que criou o Fed em 1913, demissões de diretores antes do final do mandato de 14 anos só podem ser motivadas “por [justa] causa”. Há ainda jurisprudência antiga, criada pela Suprema Corte em 1935, quando o presidente Franklin Roosevelt tentou demitir um dirigente da Comissão Federal de Comércio e não conseguiu. Trump investe agora contra uma longa e sólida história de estabilidade institucional, base sobre a qual os Estados Unidos se tornaram a maior economia do mundo. É a confiança nas instituições que faz do país porto seguro para investimentos, atraindo o capital necessário a financiar os gastos públicos.

Em seu governo, Trump tem tentado expandir o poder da Presidência de todas as formas: declarando emergências inexistentes, enviando militares para patrulhar cidades, pressionando universidades e escritórios de advocacia, aumentando tarifas e até criando um insólito — e inconstitucional — imposto sobre exportação de chips. Agora, seu objetivo é influir nas decisões sobre juros, tomadas de modo técnico e independente pelo Comitê Federal de Mercados Abertos (Fomc), o Copom americano. Dois dos sete diretores do Fed que integram o Fomc, Christopher Waller e Michelle Bowman, foram indicados no primeiro mandato de Trump, assim como o próprio Powell. Na última reunião, ambos votaram contra Powell, defendendo redução nos juros, como quer Trump. A inesperada renúncia da diretora Adriana Kugler, indicada no governo Joe Biden, acrescentou mais um voto que Trump crê poder influenciar, tendo indicado ao posto o assessor econômico de sua campanha, Stephen Miran.

Powell até sugeriu que o juro pode cair, dependendo do impacto inflacionário das tarifas. Para Trump, é pouco. Ele quer é mandar no Fomc. Se conseguir demitir Cook, acredita que teria quatro dos sete votos, o suficiente para definir juros por critério político, não mais técnico. Se obtiver sucesso, contribuirá para minar a confiança global no dólar e nas instituições americanas. Seria um retrocesso incomensurável.

Queda nos incêndios florestais traz oportunidade para governo se preparar

O Globo

É preciso agir agora, com a situação sob controle, para evitar devastação semelhante à do ano passado

A queda nas queimadas neste ano é uma oportunidade para que governo federal, estados e municípios — especialmente no Norte, Nordeste e Centro-Oeste — se antecipem, de forma conjunta e planejada, para evitar a devastação observada no ano passado, quando as chamas se alastraram pelo país. O improviso costumeiro no combate aos incêndios florestais expõe o despreparo das autoridades para fiscalizar, prevenir e remediar situações previsíveis em tempos de extremos climáticos.

Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram uma trégua do fogo neste ano. Entre 1º de janeiro e 25 de agosto, foram identificados 42.678 focos de incêndio, 60% a menos que no mesmo período do ano passado. Na Amazônia, houve recuo de 77%. No Pantanal, de 98%, e no Cerrado, onde as queimadas costumam ser mais resistentes, de 40%. A queda é atribuída tanto a ações do poder público quanto, principalmente, ao alívio climático, que não se sabe até quando vai durar.

No ano passado, quando o Brasil ardia em chamas, e a fumaça tomava conta de cidades em diferentes regiões, a solução mais eficaz foi a volta das chuvas. Mas não se pode dizer que nada tenha sido feito. A Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, sancionada em julho do ano passado, permitiu que fossem realizadas mais ações preventivas no combate aos incêndios. A tendência é que dê bons resultados. É oportuna também a reunião convocada para hoje pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva com governadores dos estados cujos biomas são mais vulneráveis. A intenção, diz o Planalto, é alinhar ações federais, estaduais e municipais no combate ao fogo. Em 2024, o governo demorou a agir, depois teve de enfrentar desgaste político pela omissão.

A devastação florestal não está ligada somente às motosserras, mas também a incêndios que, diz o Ibama, raramente surgem de forma espontânea. Na maior parte dos casos, são provocados por ação humana. Daí a importância do rigor na fiscalização. Mas ela só será eficaz se houver integração das diferentes esferas de governo. Soluções compartimentadas tendem a produzir no máximo troca de acusações que não levam a nada.

Com o aumento dos fenômenos climáticos extremos devido ao aquecimento global, secas severas e grandes incêndios florestais são mais prováveis. Não há como evitá-los, mas pode-se reduzir seu efeito devastador. Para isso, é preciso haver coordenação e planejamento. Não adianta correr para formar brigadas de incêndio quando a floresta já está ardendo. O Brasil tem oportunidade de agir agora, quando a situação está sob controle. Precisa aproveitá-la, antes que o cenário se torne crítico novamente.

Ao assediar o Fed, Trump segue piores práticas do Brasil

Folha de S. Paulo

Com demissão controversa de diretora, republicano aumenta pressão para submeter os juros a seu arbítrio

Sujeitar a gestão monetária às conveniências do governante de turno é prática nefasta que cedo ou tarde resulta em descontrole dos preços

Em sua ofensiva diuturna contra instituições capazes de frear seu voluntarismo ideológico, Donald Trump intensificou o assédio ao Federal Reserve, o Fed, como é conhecido o banco central americano.

O republicano, na busca por autoridade ilimitada, pretende dar cabo da autonomia do Fed por meio do controle da maioria dos cargos de sua direção ou por intimidação, como o faz com o chefe do órgão, Jerome Powell, cujo mandato vai até maio do próximo ano —note-se que Powell assumiu o posto, em 2018, por indicação do próprio Trump, durante seu primeiro governo.

Desta vez, a Casa Branca demitiu uma diretora do conselho da autoridade monetária, acusada de modo informal de cometer fraude em financiamentos imobiliários —uma decisão que será contestada na Justiça.

Caso tenha sucesso, o presidente americano terá nomeado 4 dos 7 integrantes do colegiado. Assim, poderá no mínimo influenciar a escolha dos 12 dirigentes regionais do Fed. Deste grupo, 5 se juntam aos 7 do conselho para formar o comitê que toma decisões sobre a taxa de juros.

No próximo ano, portanto, Trump poderá contar com uma maioria de votantes indicados por sua ordem ou pressão. Não é certo que a nova composição vá seguir cegamente os caprichos do líder populista, mas é no mínimo ingênuo acreditar que sua autonomia ficará incólume.

De imediato, o republicano parece interessado em queda forçada da taxa básica de juros. O objetivo seria o de estimular a atividade econômica e reduzir encargos da crescente dívida pública.

O banco central americano, porém, também tem funções regulatórias e é responsável por empréstimos de última instância, que podem evitar quebras no setor financeiro e enfrentar crises econômicas profundas.

A autonomia do Fed tem história conturbada. A instituição era sujeita a pressão política direta ainda nos anos 1960 e 1970. Agora, corre risco de regressão institucional desastrosa para os Estados Unidos e o mundo.

A experiência global ensina que submeter a política de juros às conveniências do governante de turno é prática nefasta que, cedo ou tarde, resulta em descontrole da inflação. Como se vê, no entanto, até países desenvolvidos estão sujeitos a retrocessos.

No Brasil, o Banco Central ganhou certa autonomia informal após o Plano Real, de 1994, e formal apenas em 2021 —sem deixar de sofrer pressões no período, especialmente nas gestões petistas.

No primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-2015), os juros foram reduzidos à base de voluntarismo. Neste terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, a instituição, quando sob direção nomeada pelo antecessor, foi submetida a ataque público não muito diferente do promovido por Trump nos EUA.

Aqui, ao menos, o processo de troca de comando do BC não alterou a austeridade monetária antes tão criticada pelo governo.

Espiral de erros na tensão com Israel

Folha de S. Paulo

Deflagrada por fala de Lula e escalada por Tel Aviv, crise culmina na retirada de pedido para novo embaixador

Vários países, incluindo mais da metade da Europa, criticam a carnificina de Israel em Gaza sem iniciar um conflito diplomático

O governo de Israel retirou a indicação de um novo embaixador para o Brasil. O agrément (aval do Itamaraty) solicitado por Tel Aviv vinha sendo postergado há meses. Com a desistência de Israel, as relações entre os dois países chegam a seu ponto mais crítico desde a criação do Estado judeu, para a qual o Brasil teve um papel relevante.

A crise foi deflagrada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e secundada por autoridades do governo de Binyamin Netanyahu.

Em fevereiro de 2024, ignorando qualquer cautela diplomática, o brasileiro comparou ações do Exército de Israel em Gaza ao Holocausto nazista, citando nominalmente Adolf Hitler.

Não se pode, por óbvio, blindar Israel de críticas. Suas forças de segurança estão perpetrando uma carnificina na Faixa de Gaza. É preciso que isso seja dito, e vários países, incluindo mais da metade da Europa, passam essa mensagem e advogam pela criação de um Estado palestino sem iniciar uma crise diplomática.

Mas a comparação de Lula é estapafúrdia. Hitler matou judeus com base numa ideologia racista, segundo a qual alguns grupos não poderiam existir. Israel reage, ainda que de forma criminosamente desproporcional, a um monstruoso ataque terrorista.

Após a declaração do petista, Tel Aviv deu início à sua própria sequência de erros.

Em vez de protestar e esquecer o assunto, o então titular do Ministério das Relações Exteriores de Israel convocou o embaixador brasileiro a comparecer ao Museu do Holocausto. Passou-lhe uma reprimenda em hebraico e declarou que Lula seria "persona non grata" no país até pedir desculpas. Difícil imaginar algo tão fora dos costumes da diplomacia.

Em resposta, Brasília trouxe de volta seu embaixador em Israel sem substituí-lo. De lá para cá, o relacionamento só piorou.

Além de cozinhar o agrément para o novo embaixador de Israel, o governo Lula retirou o país da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto, organização internacional que combate o antissemitismo, em julho.

Tel Aviv entendeu o recado e desistiu do pedido. Um ministro de Netanyahu classificou Lula de "antissemita declarado" e publicou uma imagem do presidente brasileiro como títere do Irã.

Lula, quando fala de relações internacionais, deveria ater-se a discursos redigidos pelo Itamaraty, que consegue produzir peças coerentes e de acordo com as tradições da diplomacia. Quando sai do roteiro, só cria ruídos que não contribuem para solucionar os problemas globais e alimentam a polarização política aqui.

Congresso comete grave erro ao legislar em causa própria

Valor Econômico

PEC da Blindagem chega ao plenário da Câmara na véspera do interrogatório dos primeiros réus por desvios de emendas parlamentares no STF

A fuzarca promovida pelos grupos bolsonaristas, alojados no PL, ao paralisar o Congresso para protestar contra a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro, teve outros objetivos, corporativos e alinhados aos interesses de vários partidos. Bolsonaro serviu de pretexto para pautas corporativas que agora chegam ao plenário da Câmara dos Deputados, em especial a PEC da Blindagem. Pela PEC, os parlamentares não poderão perder seus mandatos por decisão judicial, a menos que eles próprios concordem com isso. Usando como escudo a risível “perseguição política” do Supremo Tribunal Federal ao ex-presidente, deputados e senadores contrabandeiam proteção a si próprios. Vai também à votação, possivelmente, a mudança do foro privilegiado, com a intenção de evitar que o STF julgue casos de delitos como roubo, lavagem de dinheiro e corrupção praticada por membros do Legislativo.

A imunidade parlamentar foi um dos pontos fundamentais da Constituição de 1988, instituída para impedir o assédio político dos outros poderes contra os representantes eleitos pelo povo, feita sem cerimônia e massivamente a partir de 1964 pelos ditadores que Bolsonaro venera. Após 37 anos de democracia, a legislação se aperfeiçoou para incluir também o abuso dessa imunidade contra os interesses públicos, estampada nos inúmeros casos de malversação de recursos e corrupção praticados por agentes públicos e políticos eleitos. É irônico que bolsonaristas tenham tomado a iniciativa de propor a volta a um mecanismo desrespeitado pelos militares, que não hesitaram em cassar os direitos de “paisanos” eleitos, por cometerem o pecado, provado ou não, da corrupção.

A corrida por proteção dos membros do Congresso não se deve, nem de longe, a um desmando do Judiciário. Ele busca um abrigo legal para se resguardar de irregularidades com dinheiro público cometidas no bilionário mundo das emendas parlamentares. Essa história começou com o orçamento secreto criado no governo de Bolsonaro, que terceirizou aos então líderes do Congresso, Arthur Lira (PP-AL) e Davi Alcolumbre (UB-AP), o comando do orçamento da União. Os recursos foram distribuídos sem qualquer critério técnico, por compadrios e afinidades políticas, incluindo o PT. O Portal da Transparência indica que as emendas deram um salto enorme a partir de 2020, e de lá até agora, pelo menos R$ 150 bilhões foram alocados por deputados e senadores, em um montante que cresce a cada ano. Em 2025, serão mais de R$ 50 bilhões, um fluxo atrasado pela não aprovação do orçamento no prazo certo, o fim do ano legislativo.

O STF interveio para disciplinar o repasse de recursos. As emendas do relator, na prática clandestinas, foram proibidas. Sua versão nervosa, as emendas Pix, para as quais sequer era necessário discriminar quem patrocinava os recursos e quais as finalidades de uso, ganharam parâmetros. A apropriação de recursos cada vez maiores para as emendas serviu para reforçar bases eleitorais dos parlamentares que as enviam. Um dos efeitos buscados foi o avanço dos partidos fisiológicos, que dominam o Congresso e triunfaram nas eleições municipais, feito que deve se repetir no pleito de 2026.

Nos episódios mais recentes das emendas Pix, o ministro Flavio Dino exigiu autoria clara e plano de trabalho específico para a aplicação dos recursos pelo destinatário, além de conta segregada para o dinheiro, não o bolo orçamentário indistinto das prefeituras, para facilitar o rastreio dos pagamentos. Foram feitas várias reuniões e acordos com líderes do Congresso, mas as exigências não foram cumpridas. Pelos menos R$ 700 milhões em emendas Pix, das safras orçamentárias anteriores, contêm irregularidades, que serão, por ordem de Dino, averiguadas pela Polícia Federal. Outros R$ 7 bilhões do orçamento atual não começaram a ser repassados, o que exaspera os congressistas.

Mais irritantes ainda, no entanto, foram consideradas as dezenas de inquéritos contra parlamentares suspeitos de irregularidades no manejo desse dinheiro. Hoje o STF começa a interrogar os primeiros réus da Câmara por desvios de emendas. Como corretores, deputados cobraram comissão pelo repasse de recursos à prefeitura de São José Ribamar (MA).

Como há dezenas de casos como esse, muitos deles espalhados ao redor da Codevasf, feudo do PP, surgiu a PEC da Blindagem. Presidente do Senado agora novamente, Alcolumbre disse que há “criminalização da democracia, da política e das instituições” e “agressões ao povo brasileiro”, das quais o Congresso precisa ser protegido. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), cuja autoridade foi muito arranhada pelo protesto bolsonarista e pelo acordo feito a sua revelia por Lira, encaminha ao plenário projetos desse mesmo acordo, que negou existir. Eles ofendem princípios republicanos pelos quais Motta e Alcolumbre deveriam zelar, pela posição de destaque que ocupam no Legislativo: transparência, publicidade, moralidade etc.

A popularidade do Congresso é baixa e declinante nas pesquisas. Uma boa chance de reverter essa opinião desabonadora seria a rejeição desses projetos desonrosos.

O último refúgio dos canalhas está cheio

O Estado de S. Paulo

Na guerra dos patriotas de fancaria, perdemos todos. Enquanto lulopetismo e bolsonarismo se engalfinham para definir quem é mais brasileiro, os patriotas de verdade só querem um governo decente

Se o patriotismo “é o último refúgio dos canalhas”, como diz o escritor inglês Samuel Johnson (1709-1784), então esse refúgio está lotado no Brasil. Lulopetistas e bolsonaristas andam se esmerando em transformar esse sentimento de pertencimento a uma comunidade nacional em arma política para fins eleitorais.

Em reunião anteontem, o presidente Lula da Silva e seus ministros apareceram com um boné azul em que se lia “O Brasil é dos brasileiros”, um constrangedor contraponto governista aos bonés vermelhos Make America Great Again (“Torne a América grande novamente”), o movimento político nacionalista liderado pelo presidente dos EUA, Donald Trump. Ainda estamos a mais de um ano da eleição presidencial, mas já é possível antever que essa patacoada será o grande mote do lulopetismo na campanha.

O patriotismo fajuto que Lula abraçou não tem qualquer relação com os reais interesses e necessidades da Pátria. Ao presidente e seus marqueteiros só interessa explorar eleitoralmente o elo afetivo dos brasileiros entre si e deles com o lugar em que nasceram ou escolheram viver, no momento em que o Brasil é agredido pelos EUA de Trump. No limite, Lula quer se confundir com a própria ideia de pátria, e não à toa, na reunião ministerial, a título de reafirmar sua disposição para defender o Brasil contra os EUA, leu um discurso de Getúlio Vargas, o autocrata que quis inventar uma identidade brasileira moldada conforme seus propósitos autoritários. Nesse discurso, Vargas denunciava “forças internacionais” que se uniram aos “eternos inimigos do povo humilde”, que “procurarão, atingindo minha pessoa e o meu governo, evitar a libertação nacional e prejudicar a organização do nosso povo”.

Como se percebe, Lula se vê como Vargas, isto é, como a própria personificação do Brasil e de seu povo – donde se conclui, conforme essa retórica, que qualquer ataque a Lula equivale a crime de lesa-pátria cometido por traidores do Brasil. Não é à toa que o slogan do governo, apresentado na reunião, passará a ser “Do lado do povo brasileiro”, que substituirá o “União e reconstrução”. Em vez de união, o lulopetismo agora quer que se escolha um lado – o do “povo brasileiro”, obviamente encarnado em Lula.

Enquanto isso, “patriotas” bolsonaristas, que há anos prejudicam o País, esmeram-se em criar uma crise sem precedentes no Brasil a título de livrar Jair Bolsonaro da cadeia. Nesse sentido, Bolsonaro, como Lula, também se considera a própria encarnação do Brasil, e mobilizar uma força estrangeira – o governo americano – para pressionar magistrados tidos como inimigos do ex-presidente seria, na verdade, um gesto para salvar o País e a democracia brasileira. O Leitmotiv golpista é, portanto, evidente.

Nenhuma surpresa. O brado retumbante de Jair Bolsonaro – “Brasil acima de tudo” – é tão verdadeiro quanto uma nota de três reais. Dono de um próspero empreendimento familiar, dedicado a fazer dinheiro com rachadinhas e afins sob a proteção de mandatos políticos, Bolsonaro nunca se importou com partidos, com o decoro parlamentar, com a Constituição ou com o Brasil. Seu propósito sempre foi e continua a ser a exploração do ressentimento de eleitores insatisfeitos com a política para acumular patrimônio pessoal. Bolsonaro, que jamais respeitou a farda militar que um dia vestiu e que foi capaz de conspurcar seguidamente o 7 de Setembro, invoca o patriotismo não no sentido de inspirar união e orgulho, e sim com o objetivo de semear o antagonismo, do qual extrai votos e poder.

Nessa guerra entre patriotas de fancaria, perdemos todos. De um lado, temos um entreguista que, com a expectativa de safar-se da cadeia, pôs-se a serviço de um governante estrangeiro que humilha o Brasil como quem dá um peteleco numa mosca. De outro, temos um contumaz oportunista, convencido de ter encontrado a fórmula para ganhar mais um mandato presidencial sem a necessidade de apresentar programas de governo e soluções efetivas para os reais problemas brasileiros. No meio dos dois estão os brasileiros que amam seu país e só querem um governo decente.

Oposição investe no tumulto

O Estado de S. Paulo

Em vez de melhorar o projeto do Imposto de Renda, oposição quer tirar medidas compensatórias e criar uma bomba fiscal para o governo, ignorando os custos que recairão sobre toda a sociedade

O projeto de lei sobre o Imposto de Renda, enviado pelo governo Lula da Silva ao Congresso em março, ficou muito distante daquilo que o País precisava para tornar o sistema tributário mais justo. Em vez de propor uma reforma estrutural para garantir que cada cidadão e empresa contribuam com o financiamento do Estado na proporção de seus rendimentos, o Executivo preferiu arrecadar mais no topo da pirâmide social para cumprir a promessa de campanha de isentar 10 milhões de brasileiros que ganham até R$ 5 mil mensais.

A crítica à falta de ambição da proposta não é compartilhada apenas por este jornal. O próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que assina a exposição de motivos da proposta, reconhece, no documento, que ela cumpre um “papel paliativo temporário” para compensar a falta de progressividade do sistema tributário brasileiro enquanto não houver uma reforma estrutural que ataque distorções, privilégios e brechas do regime atual.

Isso fica ainda mais claro quando se consideram os dados do relatório da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, elaborado com base na Declaração do Imposto de Renda de Pessoa Física (DIRPF) de 2022. Segundo o documento, a alíquota efetiva de impostos que incide sobre a alta renda foi de 4,2% para os cidadãos que correspondem ao 1% mais rico do País, e para o 0,01% mais rico ela foi ainda menor, de apenas 1,76%.

Como se vê, não faltam informações para subsidiar o Congresso a propor melhorias no sistema tributário por meio de uma reforma. Mesmo que o objetivo dos parlamentares fosse mais modesto, há maneiras de aprimorar o projeto enviado pelo governo, entre elas a redução da defasagem da tabela do Imposto de Renda e a criação de mais faixas de contribuição.

Mas a oposição no Congresso escolheu a pior das estratégias. Ciente dos louros eleitorais que o projeto pode render a Lula, parlamentares liderados por PL, PP e União Brasil planejam manter a benesse e retirar do texto todas as medidas que visam a compensar a perda de arrecadação, como a tributação mínima de 10% para quem tem renda anual acima de R$ 1,2 milhão, incluindo lucros e dividendos distribuídos por empresas a pessoas físicas. A ideia, supostamente, é obrigar o governo a reduzir gastos para bancar a promessa eleitoral, cuja perda de arrecadação é estimada em R$ 25,84 bilhões no ano que vem.

A questão é que essa proposta atropela a legislação. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) é clara: renúncia de receitas não pode ser compensada por corte de despesas. Deve, obrigatoriamente, estar atrelada a medidas que compensem a perda de arrecadação. Esse é o tipo de informação que parlamentares experientes – como é o caso do líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), e do líder do PP no Senado, Ciro Nogueira (PI), que teriam arquitetado esse plano – deveriam saber de cor.

Logo, se a ideia é suprimir as medidas compensatórias sem apresentar alternativas para arcar com a isenção e o desconto do Imposto de Renda, não é exagero concluir que a oposição pretende jogar uma bomba fiscal no colo do governo, ignorando que os estilhaços desse petardo atingirão em cheio a sociedade brasileira. Afinal, um déficit fiscal maior elevará o endividamento da União e levará a juros mais altos para todos.

Para piorar, a iniciativa só fortalece o discurso de Lula que opõe pobres e ricos, retomado após o imbróglio em torno do decreto presidencial que elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), derrubado pelo Congresso e restaurado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Se a proposta da oposição prosperar, o governo ainda poderá culpar a oposição pelo rombo fiscal com o qual terá de arcar.

Não há como compreender a forma autodestrutiva com que a oposição tem atuado nos últimos meses. Parece mais preocupada em organizar motins na Câmara e no Senado e em tumultuar as votações no Legislativo até o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo STF do que em trabalhar pelo reequilíbrio fiscal e pela mitigação dos impactos do tarifaço norte-americano na economia brasileira. Lula da Silva agradece.

A escalada contra o Fed

O Estado de S. Paulo

Trump tenta minar a independência do banco central por dentro para baixar juros na marra

No mais recente episódio de sua escalada contra o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), o presidente Donald Trump resolveu agora demitir, da forma arbitrária que lhe é tão característica, a diretora Lisa Cook, uma dos sete votantes no comitê de política monetária norte-americano, aquele que, tal como o Copom no Brasil, estabelece a taxa de juros nos EUA.

Trump alega que Cook, cuja indicação pelo então presidente Joe Biden foi referendada pelo Senado, teria cometido fraude hipotecária. Em uma publicação na Truth Social, rede social da qual é dono, o presidente anunciou a demissão “imediata” da diretora, por conduta que ele descreveu como “potencialmente criminosa”. Não há acusação nem condenação formal contra Cook.

Apesar de “demitida”, a diretora, primeira mulher negra a compor o colegiado do Fed, declarou que não existe motivo legal para sua dispensa e garantiu que seguirá cumprindo suas funções até o fim de seu mandato, em 2038.

Litigâncias à parte, o que realmente importa a esta altura dos acontecimentos é a nova estratégia de Trump para forçar uma queda de juros nos EUA, embora a tendência da inflação seja de alta, como resultado sobretudo da guerra comercial deflagrada pelo republicano.

Trump bem que gostaria de demitir o presidente do Fed como fazia em seu programa de TV O Aprendiz, no qual apenas bradava “você está demitido”. Mas Jerome Powell, cujo mandato vai até maio de 2026, não pode ser demitido, razão pela qual Trump resolveu redirecionar sua artilharia contra os diretores que votam nas decisões sobre juros.

Dos sete atuais membros do comitê, dois – Christopher Waller e Michelle Bowman – são aliados do presidente. Em julho, quando o Fed, com base nos dados econômicos, e não nas pressões de Trump, manteve a taxa de juros entre 4,25% e 4,5% ao ano, Waller e Bowman foram vozes dissonantes e votaram pela redução nas taxas. Foi a primeira vez, em mais de 30 anos, que dois membros do colegiado divergiram da maioria.

Além dos dois dissidentes, a quem Trump fez questão de elogiar publicamente, a Casa Branca agora corre para que o conselheiro econômico do presidente, Stephen Miran, seja confirmado na vaga temporária aberta no colegiado do Fed após a renúncia da diretora Adriana Kugler.

A ideia é que o nome de Miran seja aprovado pelo Senado antes da reunião do comitê de política monetária agendada para os dias 16 e 17 de setembro, de modo a garantir ao presidente pelo menos três dos sete votos do colegiado. O Congresso dos EUA só retorna do recesso de verão no dia 2 de setembro.

Não é exagero afirmar que, por tudo o que envolve, a reunião do Fed no próximo mês já seja a mais aguardada do ano, não só porque o cenário para a determinação da taxa de juros se tornou mais complexo – o mercado de trabalho vem piorando, enquanto a inflação sobe –, mas porque a necessária independência do banco central estará em jogo. Se conseguir “vencer” e impuser seus desígnios ao Fed, Trump estará na verdade contratando uma derrota não só para a economia norte-americana, como para a de todo o mundo.

Escola é lugar de aprendizagem e paz

Correio Braziliense

Não faltam exemplos evidenciando que práticas de violência passaram a fazer parte da rotina das escolas brasileiras. Casos de violência escolar aumentaram 667% em três anos

A combinação, pelas redes sociais, de um suposto ataque a escolas públicas do Distrito Federal veio à tona nesta segunda-feira, quando a Polícia Civil cumpriu mandados de busca na casa de dois estudantes da cidade. Os jovens, que compartilhavam vídeos, fotos e mensagens com apologia à violência, planejavam "entrar para a história" com o feito, segundo os investigadores. Mês passado, câmeras de segurança de um colégio estadual de Brumado, na Bahia, flagraram um aluno de 17 anos dando um tapa na cara de uma professora que se recusou a ligar o aparelho de ar-condicionado, respeitando a escolha da maioria da turma. Em maio, uma jovem foi encontrada desacordada no banheiro de uma escola particular de São Paulo com um saco plástico amarrado na cabeça. Ela vinha sendo alvo de ataques racistas havia um ano.

Não faltam exemplos evidenciando que práticas de violência passaram a fazer parte da rotina das escolas brasileiras. Instituições que deveriam ser um espaço exclusivo para o desenvolvimento cognitivo e psicossocial de jovens têm se tornado palco para agressões de todos os tipos. Dados do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania indicam um aumento de 667% dos casos de violência escolar em três anos: de 1.710 em 2020 para 13.117 em 2023. Os números englobam lesões autoprovocadas, agressões físicas e verbais. Como os registros referem-se a atendimentos prestados às vítimas em serviços de saúde, não é exagero afirmar que o problema tem dimensões muito maiores.

A escalada nos casos de agressão no ambiente escolar vem acompanhada de outro fenômeno que preocupa pais e professores: a imersão dos jovens nas redes sociais. Ainda que o uso de celulares tenha sido limitado nas escolas em janeiro deste ano, há muito a se avançar para que crianças e adolescentes estabeleçam interações digitais mais saudáveis e controladas. A grande repercussão em torno das práticas de adultização denunciadas pelo influenciador Felca no início deste mês é prova disso: chegaram à SaferNet Brasil 1.651 denúncias em seis dias, 114% a mais do que no mesmo período do ano anterior.

Além da exposição de crianças e adolescentes em situações constrangedoras, a internet dissemina apologias ao extremismo, à violência de gênero, ao racismo, entre outros discursos de ódio. Estudantes e professores são alvos recorrentes. Levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra crescimento de 360% no número de postagens contendo ameaças a escolas entre 2021 e 2025. E o pior: os pesquisadores também observaram uma migração desses conteúdos da chamada Deep Web para a internet comum, evidenciando, no mínimo, uma falta de constrangimento em compartilhar textos e imagens antes restritos ao submundo digital.

Ao Correio, Débora Messenberg, professora do programa de pós-graduação em Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), explicou que a frustração e a falta de perspectiva de futuro por parte dos jovens os transformam em presas fáceis para criminosos e propagadores de fake news. "É preciso construir uma metodologia de combate à desinformação e de uso da internet para um aprendizado saudável", defendeu a especialista, que acredita que a escola é espaço estratégico nesse processo de busca por propósitos. 

É também na comunidade escolar que se pode construir um ambiente de promoção da cultura de paz, reconhecidamente eficaz na redução de casos de violência, de evasão e de melhoras no desempenho em provas e demais avaliações. Não se pode perder de vista outros fenômenos que contribuem para o cenário de violência, como a desvalorização da docência e a precarização da infraestrutura escolar.

Disseminar o pacifismo em tempos de ódios alastrados é evidentemente tarefa complexa, que ultrapassa os muros das instituições de ensino, mas medida urgente. Os registros da vida real também não deixam dúvidas de que as novas gerações estão se perdendo em meio a post repletos de intolerância e desamor.

Sala no HGF atende mulheres vítimas de violência

O Povo (CE)

O hospital inaugurou a Sala Lilás Clarissa Costa Gomes, nome em homenagem à enfermeira do HGF, de 31 anos, morta a facadas pelo ex-companheiro. O objetivo é garantir o acolhimento a mulheres vítimas de agressões

Três casos recentes de agressões, de brutalidade inaudita, mostram como é difícil erradicar a violência que atinge as mulheres, com uma constância desesperadora. As atrocidades aconteceram em sequência, em um período de 30 dias, expondo a banalidade da violência de gênero.

Para cada situação que se torna pública, milhares de outros episódios de violência, incluindo feminicídios, aconteceram no mesmo espaço de tempo, sem ganhar destaque, a maioria praticada por namorados, companheiros e maridos.

Em julho deste ano, em Natal, Igor Eduardo Pereira Cabral, ex-jogador de basquete, acuou a sua então namorada dentro de um elevador, desferindo-lhe 61 socos no rosto, causando múltiplas fraturas.

Ainda em julho, também dentro de um elevador do edifício onde moravam, em Brasília, o empresário Cléber Lúcio Borges atacou a companheira, com socos, puxões de cabelo e cotoveladas.

No início deste mês, o fisiculturista e lutador de jiu-jitsu, Pedro Camilo Garcia Castro, esmurrou a namorada no apartamento que eles alugavam em São Paulo. Ele não parou nem mesmo quando ela estava desmaiada, deixando-a com o rosto desfigurado. Os murros foram tão fortes que o agressor quebrou a mão.

O mais assustador é que esses casos — mesmo se fossem isolados, já seriam inaceitáveis — são corriqueiros, conforme mostra qualquer pesquisa sobre violência de gênero.

Além da dor física, os danos psicológicos para essas mulheres, como elas mesmas contam, são imensuráveis, acompanhando-as por toda a vida. "Nunca vou esquecer" é o comum a se ouvir de mulheres que sofrem violência. Insônia, depressão, transtorno, síndrome do pânico, estresse pós-traumático, pensamentos suicidas, entre outras consequências danosas, são relatadas por mulheres agredidas.

Em vista da situação, é de se destacar as iniciativas do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), administrado pelo governo do Estado, para o acolhimento de mulheres vítimas de violência, em procedimentos que vão além dos cuidados físicos.

O hospital integra a Rede de Atenção à Saúde das Pessoas em Situação de Violência Sexual e Doméstica (Rede Pontos de Luz), com outros hospitais de referência. E, esta semana, inaugurou a Sala Lilás Clarissa Costa Gomes, nome em homenagem à enfermeira do HGF, de 31 anos, morta a facadas pelo ex-companheiro. O objetivo é garantir o atendimento humanizado, seguro e sigiloso, sendo também um espaço de escuta das mulheres que foram vítimas de violência.

Esse atendimento inicial acolhedor, a escuta sem julgamento, é fundamental para fortalecer as mulheres psicologicamente, reduzindo danos e ajudando-as a interromper o ciclo de violência.

 



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