O Globo
O que os parlamentares querem agora é uma
blindagem mais completa. Montaram uma legislação que dará condições a que
nenhum deles seja sequer processado, quanto mais condenado.
Em meio a uma das maiores crises políticas
que o país já viveu, um grupo majoritário de parlamentares, sem que se possa
dizer ser formado apenas por representantes da direita e do Centrão — a votação
mostrará a cara da esquerda —, está empenhado em salvar a própria pele.
Desmoralizando o presidente da Câmara, deputado Hugo Motta, que desmentiu o
fato por três semanas, conseguiram programar para votação a mudança do foro
privilegiado e os critérios para que sejam processados criminalmente.
Combinados, os dois projetos blindam os parlamentares, que dificilmente serão processados, pois a decisão final dependerá de autorização de seus pares. Se forem, terão foro privilegiado desde a primeira instância, podendo chegar ao Supremo depois de uma série de recursos, restando ainda um último apelo, ao plenário do STF, se condenados nas Turmas. A negociação do texto final entrou noite adentro, sem que a opinião pública soubesse os detalhes negociados.
O foro dos parlamentares muda de acordo com a
conveniência. Passou a ser no Supremo porque alegava-se que aquela Corte seria
infensa a decisões políticas, ao contrário de instâncias inferiores, sujeitas a
injunções políticas regionais. Durante anos o Supremo condenou apenas um
deputado, até que veio o mensalão, e a coisa começou a mudar. O então ministro
da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, tentou de todas as maneiras mandar à primeira
instância o processo do mensalão. Foi barrado pelo então ministro Joaquim
Barbosa, relator da causa. Ele alegou que todos os crimes eram conexos entre si
e, se desmembrados, os ministros do Supremo e os juízes de instâncias
inferiores não teriam clareza sobre o conjunto da obra.
Já naquela altura havia a compreensão dos
políticos de que haviam se encerrado os tempos de bonança, em que o Supremo não
punia políticos. Não foi possível colocar o então presidente Lula na cadeia de
comando do mensalão, porque ele se anunciou como traído por seus colegas
petistas, pediu desculpas ao povo brasileiro e ainda tinha bastante prestígio
popular, tanto que foi reeleito. O então todo-poderoso José Dirceu, chefe da
Casa Civil, foi o escolhido para bode expiatório e assumiu todas as culpas pela
organização do esquema. Não que fosse inocente, mas não era o principal
orquestrador do esquema.
Lula só seria responsabilizado no caso do
petrolão, quando a Operação Lava-Jato desvelou o maior escândalo de corrupção
já acontecido no país. Ficou preso 580 dias, até que o Supremo, depois de
muitas idas e vindas de ministros, que votaram e mudaram de voto diversas vezes
durante sete anos, considerou inconstitucional a prisão em segunda instância e,
depois, classificou o então juiz Sergio Moro como parcial, anulando todos os
processos contra Lula. A Lava-Jato foi desmantelada a canetadas pelo Supremo.
Recentemente todos os condenados que restavam foram soltos, e as penas
comutadas por diversas tecnicalidades, sem que ninguém fosse absolvido de seus
crimes.
O que os parlamentares querem agora é uma
blindagem mais completa. Montaram uma legislação que dará condições a que
nenhum deles seja sequer processado, quanto mais condenado. Na época do
mensalão, havia a sensação de que havíamos avançado no combate à corrupção. Mas
quem conhece bem os meandros da política brasileira é o ex-senador e atual
lobista Romero Jucá, que armou a solução do imbróglio político com um acordo
para “estancar a sangria”, que incluía até o STF. Tudo aconteceu como ele
previa, e estamos agora na fase dois, em que não haverá nem mesmo processo.
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