Folha de S. Paulo
Brasil enfrenta o dilema de como lidar com a
oposição desleal representada pelo clã Bolsonaro e seguidores
Há quase 50 anos, ao tratar da derrocada dos regimes democráticos, o notável cientista político espanhol Juan Linz (1926-2013) afirmava que eles não resistiam à existência de oposições desleais. Com esse termo, designava aquelas forças políticas que, mesmo respeitando por conveniência as regras do jogo democrático, estavam dispostas a destruí-las em benefício próprio. Para o autor, não se tratava de deslealdade ao governo de turno, mas às instituições que garantem o regime de liberdades.
O dilema político que o Brasil enfrenta hoje
é como lidar com a oposição desleal representada pelo clã Bolsonaro e seus
seguidores. De sua traição à democracia as provas dão e sobram: primeiro, a
intentona golpista que culminou com a invasão da Praça dos Três Poderes por milhares de
fanáticos —a quem o presidente
nacional do PL hoje se refere
como "20 pés de chinelo quebrando as coisas"; depois, a aliança com
Donald Trump que ele não perde ocasião de brandir, ameaçando o STF pela
tortuosa via do exorbitante tarifaço sobre exportações brasileiras.
De seu lado, o Judiciário cumpre seu papel,
levando ao banco dos réus os adeptos do autoritarismo. Da mesma forma, a
centro-esquerda no governo e a sociedade civil fazem sua parte. Mas é tudo
menos claro o que as direitas farão com sua facção mais extrema.
As pesquisas divergem quanto ao tamanho do
bolsonarismo puro e duro, pois o diagnóstico varia —e muito— conforme o
critério escolhido. De toda forma, é minoria, mas longe de ser irrelevante.
Diferentes analistas têm atribuído esse fato à pajelança prestada ao
ex-presidente, agora réu em prisão domiciliar, por alguns pré-candidatos da
direita às eleições presidenciais do ano que vem. Se assim for, conviria pensar
melhor.
No livro "A Extrema
Direita Hoje", na tradução brasileira, o cientista político
holandês Cas Mudde chama a atenção para uma nova realidade: o populismo de
direita se deslocou da periferia para o centro dos sistemas políticos
democráticos do Ocidente, tornando-se um fenômeno de certa forma normal e
duradouro —pois não desaparecerá da noite para o dia. O autor distingue entre
uma direita radical, antiliberal porém integrada ao jogo eleitoral, e outra,
extremada e disposta a destruí-lo.
Tendo em comum propostas políticas
reacionárias e a mesma aversão às instituições da democracia representativa
—limite dos poderes de Estado, independência das cortes, autonomia da sociedade
civil, liberdades públicas—, se distinguiriam pela disposição de usar a
violência quando resultados eleitorais lhe são desfavoráveis.
Para Mudde, as diferenças poderiam sugerir
aos democratas estratégias diversas no lidar com as duas direitas. No primeiro
caso, caberia uma demorada disputa que passaria por fortalecer as instituições
e atacar as raízes do mal-estar social que alimenta e robustece a direita
populista. No segundo, seria preciso isolar politicamente a facção extremada
—jamais tratando-a como interlocutora ou, menos ainda, aliada legítima.
Se, por cálculo eleitoral, gratidão ou afinidade programática, as direitas lançarem uma boia a Bolsonaro, a democracia continuará amarrada à polarização entre as elites e a pagar o custo político das oposições desleais.
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