Valor Econômico
Estratégia do presidente é expor os flancos
do governador paulista para atrair um candidato com sobrenome Bolsonaro para a
disputa
Nem todos os ministros saíram da reunião de
terça convencidos da certeza do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em bater
chapa com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em 2026. Ainda que
reconheça o apelo de sua candidatura junto ao Centrão, o lulismo ainda mantém a
aposta - ou o desejo - numa candidatura da ex-primeira-dama, Michelle, ou do
primogênito, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Não tem dúvida de que, se um
deles se mostrar competitivo, o capital abandona Tarcísio, fecha o nariz e
aperta o sobrenome Bolsonaro na urna.
Enquanto grassa a indefinição, o presidente concentra-se em desgastar Tarcísio colocando-o na vitrine. Tem eco da direita à esquerda. De um lado, o governador tem sido bombarbeado pelos filhos do ex-presidente. Depois de o vereador Carlos Bolsonaro chamar os governadores de direita de “ratos” de um projeto “desumano, sujo, oportunista e canalha”, o deputado Eduardo (PL-SP) definiu como “chantagem” a “faca no pescoço” para que seu pai decida seu rumo em 2026 - uma “nojeira”, resumiu. O primogênito é o único, até agora, a se manter calado.
Do outro lado, até ministros que descreem da
candidatura do governador atenderam ao chamado do presidente. Mal acabou a
reunião, Renan Filho (Transportes), que ocupa a pasta ocupada por Tarcísio no
governo Bolsonaro, desovou o vídeo planejado depois do discurso “40 anos em 4”
do governador paulista. Exibiu uma gestão com o dobro do investimento anual e
quatro vezes o número de leilões.
Economista requisitado de um lado e do outro
quando o tema é infraestrutura, Claudio Frischtak referenda a numeralha do ministro
dos Transportes ressalvando a pandemia, o foco de Tarcísio na repactuação de
contratos e o equívoco de ambos na Ferrogrão, projeto que tem custo financeiro
e ambiental inviável mas é a menina dos olhos do agronegócio e, por isso, o
governo não o abandona. O presidente do PP, senador Ciro Nogueira, tampouco
negou os números, mas agarrou-se à pandemia como escudo. Governador de Alagoas
na pandemia, o ministro rebateu-o com uma lista de feitos do Estado que
desautoriza o álibi.
Este é apenas um dos embates que vai marcar a
entrada de Tarcísio no ringue. Lula quer mais ênfase nas portas de saída do
Bolsa Família para responder ao programa “Superação” do governo paulista, uma
Universidade do Esporte e tarifa zero para o transporte público. Não se
descarta ainda o fim da autoescola obrigatória.
É uma proposta talhada para o eleitor
bolsonarista, que funcionaria como um “refis” para os motociclistas. Mais da
metade dos brasileiros que têm moto não estão habilitados por conta do custo
impeditivo da CNH, que chega a R$ 5 mil em alguns Estados. Pesquisa do governo
colheu 70% de apoio à medida que só depende de uma canetada da Secretaria
Nacional do Trânsito mas enfrenta a bancada transversal da autoescola, que vai
dos deputados Zé Trovão (PL-SC) a Paulo Pimenta (PT-RS).
A estratégia lulista não se limita a comer o
tarcisismo pelas beiradas. Visa a bombardear o núcleo do apoio do governador no
Centrão e no empresariado. Vide a cobrança aos ministros do bloco. No evento
que oficializou a federação União-PP, os presidentes das duas legendas falaram
cobras e lagartos do governo ante os silentes ministros do Turismo e dos
Esportes, Celso Sabino (União) e André Fufuca (PP).
Taí uma cena que desmoraliza qualquer governo
ante os operadores da política. Por isso, Lula, na parte fechada da reunião,
disse-lhes que poderão permanecer mesmo que os presidentes de seus partidos
quiserem que eles saiam, mas cobrou que defendam o governo em eventos do
gênero.
A luz mais amarela foi a da CPMI do INSS.
Inútil esconder o erro. Bastaria ter colocado um assessor para confirmar a
presença de cada parlamentar indicado à comissão e, ante uma indefinição,
acionar o alarme. A ausência do deputado Mario Heringer (MG), líder do PDT, por
exemplo, sinalizou a falta de empenho do partido na defesa do ex-ministro
Carlos Lupi.
A articulação de Ciro Nogueira e do
presidente do União, Antonio Rueda, que viabilizou a CPMI, privou o presidente
da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-DF), da indicação de um relator. Com um
ex-assessor que dirigiu entidade investigada, foi empurrado para o mesmo barco
do governo.
Governistas enfrentarão acusações que, sem
respaldo na investigação da Polícia Federal, vão fazer a festa dos cortes para
as redes: a de que o problema começou nesta gestão, que a Contag encabeça os
desvios e que o irmão de Lula, Frei Chico, diretor de entidade investigada,
está envolvido. Restará ao governo uma contenção de danos capaz de dar, a esta
CPMI, o mesmo destino desmoralizante daquela das Bets.
As digitais da federação União-PP nos
movimentos pela CPMI, no desmantelamento da isenção do IR até R$ 5 mil e na PEC
da blindagem, não deixa ao governo alternativa senão cerrar fileira contra as
três iniciativas, por mais que esta última tenha apoio de uma base que
simpatiza com a contenção do STF.
O projeto da “adultização das crianças” foi o
último a escapar da guerrilha Nogueira-Rueda contra o governo no momento em que
a federação União-PP investe para tornar Tarcísio fato consumado. Com o vento a
favor do governo nos juros, na inflação e no boné trumpista do bolsonarismo,
restará à oposição o front parlamentar. Sem uma estratégia de enfrentamento,
virá daí o desgaste.
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