O Estado de S. Paulo
A incerteza em relação à política comercial continua elevada na ausência de acordos claros entre os parceiros comerciais
O ano de 2025 marca um ponto de inflexão para
a economia global: acirramento do protecionismo, inovações tecnológicas
disruptivas e realinhamentos geopolíticos. Um dos principais catalisadores
dessa inflexão é a postura dos Estados Unidos, sob a égide do lema America
First, caracterizado por uma visão protecionista que privilegia os interesses
domésticos em detrimento da cooperação multilateral. Essa abordagem tem gerado
atritos com diversos parceiros comerciais, incluindo o Brasil, abalando o
sistema multilateral de comércio e ameaçando o crescimento global.
De acordo com o recém lançado Panorama da Economia Global do Fundo Monetário Internacional (FMI) de outubro, o ano de 2025 tem sido instável e volátil, com grande parte da dinâmica impulsionada por uma reordenação das prioridades políticas nos Estados Unidos e pela adaptação das políticas nas outras economias às novas realidades. Contudo, os temores iniciais de uma forte desaceleração do crescimento não se concretizaram.
No relatório de abril, o FMI havia reduzido a
projeção de crescimento global para 2,8%, refletindo a percepção de que as
tarifas agiriam como choques de oferta para os países que as impõem e como
choques de demanda para os países-alvo, com a incerteza geral atuando como um
choque de demanda negativo. Agora, projeta-se que o crescimento global
desacelere de 3,3% em 2024 para 3,2% em 2025 e 3,1% em 2026. Contudo, vale
ressaltar que esse patamar continua bem abaixo da média de 3,7% do período
pré-pandemia.
A questão que emerge do relatório do fundo é:
por que a economia global tem se mostrado relativamente resiliente mesmo
assolada por líderes mundiais nitidamente fora do prumo? O FMI tenta enfrentar
a questão por algumas vias. Vale a pena discuti-las.
As tarifas não mantiveram o nível indicado no “Dia da Libertação” de Donald Trump. Após terem atingido 23% em abril, patamar inédito no século, a tarifa média ponderada pelo comércio estadunidense caiu para 17,5% em outubro, ainda superior à de 2024. Além disso, houve pouca retaliação por parte dos parceiros comerciais dos Estados Unidos.
É verdade que o setor privado respondeu de
forma favorável no curto prazo. Consumo e investimento foram antecipados frente
à elevação esperada das tarifas. Adicionalmente, os exportadores e importadores
absorveram as tarifas em suas margens. Só que isso é a forma de gestão de quem
tem estoques e contratos de fornecimento. Só agora, os efeitos mais duradouros
serão conhecidos.
O boom de investimentos em inteligência
artificial (IA) tem impulsionado os mercados acionários e contribuído para
manter as condições financeiras globais favoráveis. No entanto, essa exuberância
levanta dúvidas sobre a sustentabilidade desse crescimento, com alguns
analistas alertando para o risco de uma bolha especulativa que pode estourar a
qualquer momento.
O mais interessante do documento do fundo é
uma crítica velada às políticas macroeconômicas dos países desenvolvidos. O
elogio aos melhores fundamentos das economias de mercado emergentes, que
aprenderam com experiências passadas e seguiram políticas fiscais e monetárias
mais disciplinadas, mais parece uma forma de dizer que os pequenos são mais
responsáveis do que os grandes.
Assim, a revisão positiva do cenário,
ancorada no desempenho econômico observado no primeiro semestre de 2025,
decorreu de fatores temporários, como a antecipação de compras e as estratégias
de gestão de estoque. A resiliência diminuirá à medida que esses fatores se
dissiparem. Na realidade, dados mais fracos já começaram a surgir, com o
mercado de trabalho nos Estados Unidos mostrando sinais de desaquecimento. A
incerteza em relação à política comercial continua elevada na ausência de
acordos claros entre os parceiros comerciais e com a atenção começando a mudar
do nível final das tarifas para o seu impacto sobre os preços, os investimentos
e o consumo. O recente arroubo de 100% sobre a China só realça essa percepção.
E o Brasil?
No atual cenário do FMI, a economia
brasileira desacelerará de 3,4% em 2024 para 2,4% em 2025 (0,1 ponto porcentual
acima da projeção de julho) e 1,9% em 2026. A desaceleração será muito mais
intensa do que na média das economias de mercado emergentes e em
desenvolvimento (de 4,3% em 2024 para 4,2% em 2025 e 4% em 2026) e na América
Latina e no Caribe (2,4% em 2024 e 2025 e 2,3% em 2026).
Uma das principais razões desse maior impacto
adverso é externa: a dimensão do choque tarifário. Em outubro, a tarifa média
sobre o Brasil atingiu o patamar de 35%, inferior somente aos porcentuais da
Índia e da China, se considerarmos as principais economias avançadas e de
mercado emergentes e em desenvolvimento. Resta saber se a “química” entre os
presidentes Trump e Lula se traduzirá em menores tarifas, atenuando a perda de
ritmo da economia brasileira.
A outra é culpa nossa: com uma persistente taxa de juro real de mais de 9% ao ano, fica difícil falar em algo diferente de estagnação.
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