Correio Braziliense
Para os caciques do MDB, a
presença de Boulos no Planalto representa a priorização de uma agenda
identitária e de confrontos sociais do tipo “pobres contra ricos”
A nomeação de Guilherme Boulos para a
Secretaria-Geral da Presidência da República alterou a correlação de forças
entre o governo e o centro político no Congresso. O presidente Luiz Inácio Lula
da Silva sinaliza o reforço do campo progressista no núcleo do poder, mas, ao
mesmo tempo, empurra para longe do governo aliados de centro, em especial o
MDB, partido que vinha desempenhando papel de pivô na governabilidade.
O desconforto foi imediato. Nos bastidores da legenda, a indicação de Boulos foi considerada um gesto de radicalização ideológica que isola figuras próximas ao Planalto, como o governador do Pará, Helder Barbalho, o senador Renan Calheiros (AL) e o ex-presidente José Sarney, e fortalece os setores do partido que defendem um realinhamento programático independente.
Ontem, o MDB lançou um novo documento de
atualização doutrinária elaborado pela Fundação Ulysses Guimarães, sob a
condução do deputado Alceu Moreira (RS). Intitulado “Caminhos para o Brasil”, o
texto propõe uma refundação centrista, critica os “extremos” e a “política de
likes” e reivindica para o partido o papel de “leito do rio” da política
brasileira, metáfora usada por Moreira para descrever o centro como o caminho
natural do país entre as margens agitadas da polarização.
O documento envolveu mais de 8,5 mil filiados
em 46 reuniões, defende eficiência na gestão pública, criação de uma central de
governança das estatais e uma política fiscal responsável. Mais do que um
manifesto, é um marco da preparação eleitoral da legenda para 2026. Em 2015,
sob coordenação do ex-governador Moreira Franco, o MDB lançou um documento que
serviu de contraponto à “nova matriz econômica” da então presidente Dilma
Rousseff.
O texto embalou a campanha do impeachment e
serviu de programa de governo para Michel Temer, que assumiu o poder com o
afastamento da petista pela maioria do Congresso. Agora, mais uma vez, o MDB se
reposiciona como alternativa de centro reformista, busca se diferenciar tanto
do bolsonarismo quanto da esquerda. O presidente do MDB, deputado Baleia Rossi
(SP), aproveitou o lançamento para atacar a “política radicalizada e caçadora
de likes” e reforçar que o MDB quer “discutir projetos e não pessoas”. Ou seja,
o partido pretende recuperar protagonismo programático e ser referência de
equilíbrio e moderação.
Não seria nada de novo, não fosse a nomeação
de Boulos, que reavivou feridas políticas. O novo secretário-geral da
Presidência, agora responsável pela articulação da agenda do governo com os
movimentos sociais, foi adversário direto de Ricardo Nunes, prefeito de São
Paulo e aliado de Baleia, e é visto com desconfiança por prefeitos e
governadores emedebistas.
Para os caciques do MDB, a presença de Boulos
no Planalto representa a priorização de uma agenda identitária e de confrontos
sociais do tipo “pobres contra ricos”, em detrimento de uma política de
coalizão mais ampla. Caso o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas
(Republicanos), seja candidato à Presidência, Nunes encabeçaria uma ampla
coalizão de centro-direita para sua sucessão.
Governabilidade
Entretanto, o governo avalia que fez o
movimento necessário para reconectar Lula à base social que o elegeu, reforçar
sua legitimidade popular e abrir um canal direto com movimentos urbanos e
populares, que estava bloqueado. Reconfigura-se a disputa no Congresso. O
governo operava com uma base condicional, sustentada por negociações pontuais
com o Centrão e pelo apoio instável do MDB. Agora, a desconfiança cresce.
Baleia Rossi mede o custo de cada voto governista, Helder Barbalho tenta
preservar espaço institucional no Norte e Renan Calheiros procura manter o
diálogo com o Planalto sem romper com a bancada.
Ao mesmo tempo, o Centrão, liderado por Hugo
Motta (Republicanos-PB) na Câmara e Davi Alcolumbre (União-AP) no Senado, eleva
o preço do seu apoio ao governo: relatorias, emendas, cargos e controle da
pauta. A governabilidade será uma engenharia legislativa muito mais complexa.
Como sempre, o MDB busca ser o centro de gravidade. Sua nova plataforma — que
evoca Ulysses Guimarães e Tancredo Neves — busca ser um contraponto tanto à
esquerda quanto à extrema-direita.
Baleia Rossi tenta dar ao MDB o lugar de
“porto seguro” do eleitorado moderado e dos setores empresariais cansados da
guerra cultural e da polarização do nós contra eles. O partido aposta em temas
como eficiência estatal, reforma administrativa e política de investimentos
federativos, ao mesmo tempo em que reivindica transparência e estabilidade
fiscal. Em essência, oferece uma narrativa de racionalidade contra o
voluntarismo.
As tendências para 2026 já contaminam a pauta
de 2025. O MDB trabalha para se apresentar como alternativa de equilíbrio
nacional, mirando uma candidatura competitiva à Presidência ou a composição com
um projeto de centro ampliado. Baleia Rossi e Michel Temer articulam
aproximações com Tarcísio de Freitas, em São Paulo, enquanto mantêm diálogo com
segmentos empresariais e conservadores moderados.
O Planalto, por sua vez, aposta na
fragmentação do centro para recompor maiorias variáveis e avançar nas pautas
econômicas — como a reforma tributária e o novo programa de investimentos. O
desafio é duplo. De um lado, precisa mostrar que a presença de Boulos não representa
um desvio à esquerda, mas uma ampliação de representatividade. De outro, deve
conter o descolamento do centro, sob pena de transformar cada votação em um
leilão político.
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