Valor Econômico
Visita do presidente Lula coincide com
discussão no bloco sobre seu caminho para o futuro num mundo mais fragmentado e
caótico
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva inicia
sua visita à Ásia, com a primeira escala hoje na Indonésia. Em seguida,
participa, na Malásia, da cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático
(Asean), um agrupamento com papel cada vez mais relevante no crescimento da
economia mundial.
Além do encontro Lula-Trump, essa viagem será marcada também pela contínua aproximação com a Asean. É a quinta maior economia do mundo, só atrás de Estados Unidos, China, Alemanha e Japão. Formada por dez países, com economia combinada de US$ 4,1 trilhões em 2024 e 680 milhões de habitantes, cresce há décadas como nenhuma outra região do mundo. As projeções indicam expansão de 4,2% neste ano e de 4,1% em 2026, em comparação com 2,4% e 2,3% na América Latina e 1,6% nos países desenvolvidos. O bloco tem contribuído com cerca de 10% do crescimento global - mais que o dobro de sua participação no PIB mundial (3,6%).
Em 2024, o comércio do Brasil com o bloco
alcançou US$ 26,4 bilhões (+8,1% em relação ao ano anterior), superando o
intercâmbio com o Mercosul. O lado brasileiro registrou superávit de US$ 15,5
bilhões. O potencial de ampliar rapidamente as relações políticas, comerciais e
tecnológicas é significativo.
Os países da Asean continuam sendo uma
exceção positiva na economia global, mas seus dirigentes reconhecem que o
crescimento futuro corre o risco de ser seriamente prejudicado em meio à
intensa competição entre superpotências e crises que podem se multiplicar num
mundo mais fragmentado, caótico e contraditório. O tarifaço de Donald Trump
ampliou as incertezas entre membros altamente dependentes das exportações, como
Malásia, Singapura, Indonésia, Tailândia, Vietnã e Filipinas. E com a China em
desaceleração inundando diversos mercados com suas exportações.
Na liderança do bloco neste ano, a Malásia
constata mudanças e novas realidades no mundo. Primeiro, a busca por
terceirização barata em nome da “eficiência” vem sendo substituída pela
preocupação com resiliência e diversificação de fornecedores. As cadeias de
abastecimento tendem a se dividir segundo linhas geopolíticas ou de proximidade
regional.
Segundo, a economia se entrelaçará ainda mais
com a política e a segurança daqui em diante. E cada governo precisa garantir
que a economia produza resultados sociais e econômicos decentes, a fim de
evitar revoltas populares ou avanço do populismo.
Terceiro, há um limite para o modelo de
industrialização voltado à exportação. Nos últimos 70 anos - do Japão nos anos
1950 aos quatro Tigres Asiáticos (Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e
Singapura), passando pelos “Tigres Filhotes” (Malásia, Tailândia, Indonésia,
Filipinas e Vietnã) e chegando à China após sua entrada na Organização Mundial
do Comércio em 2001 -, a Ásia enriqueceu exportando para os Estados Unidos e,
em menor escala, para a Europa.
O problema é que, por um lado, esses mercados
ricos estão vendo o encolhimento de suas classes médias e de sua população; por
outro, a industrialização asiática gerou enorme capacidade produtiva. As duas
tendências não se somam. “Algo vai quebrar em algum lugar”, alertou uma
autoridade da Malásia em um fórum recente. Portanto, continuar como sempre não
vai funcionar.
A participação de Lula na cúpula da Asean
ocorre, assim, em um momento crucial de discussões que determinarão a
prosperidade - ou um fiasco - do bloco nas próximas décadas.
Ao projetar a Asean em 2045, dirigentes da
Malásia destacam três elementos-chave.
Primeiro, a Asean como cadeia de
abastecimento regional: se deixar isso a cargo das grandes potências, essa
cadeia provavelmente se dividirá entre Estados Unidos e China. Não é do
interesse do resto do mundo ver essa bifurcação; por isso, a Asean quer atuar,
juntamente com a União Europeia, o Sul Global e outros parceiros, para garantir
um terreno comum suficientemente amplo para resistir a essa divisão.
Segundo, Asean como potência média. Quando o
bloco foi criado, em 1967, a Guerra Fria estava em seu auge, mas a organização
evitou alinhar-se a qualquer dos lados. Hoje, enfrenta pressões semelhantes.
Terceiro, a expectativa é que, nas próximas
duas décadas, o bloco emerja como uma sociedade majoritariamente de classe
média próspera e se torne um mercado consumidor expressivo - não apenas um
conjunto de plataformas de exportação. Para isso, busca evitar uma concorrência
predatória entre seus membros, uma “corrida para o fundo do poço” em termos de
salários, impostos ou incentivos fiscais.
Para superar a turbulência dos próximos anos,
o primeiro-ministro da Malásia, Anwar Ibrahim, que receberá Lula no sábado,
defende que o bloco permaneça comprometido com a abertura e reformas, mesmo
enquanto se adapta a um cenário geoeconômico mais complexo. Diz que somente por
meio da liberalização e da cooperação pode salvaguardar empregos, preservar o
crescimento e consolidar sua posição na economia global.
A economia digital é apontada como
fator-chave para a próxima fase de expansão da Asean. Em cooperação com China,
Japão e Coreia do Sul, a transformação digital poderá acrescentar até US$ 2
trilhões ao PIB regional, segundo a Malásia. A atração de investimentos
tecnológicos ocupa posição central na agenda. E, à medida que a Asean define
seu caminho para o futuro, sabe que precisa incorporar a sustentabilidade como
eixo central.
A Asean mantém um forte pragmatismo na defesa de seus interesses, com menos ênfase em alianças ou compromissos ideológicos.
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