quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Asean, pragmática, redefine seu crescimento, por Assis Moreira

Valor Econômico

Visita do presidente Lula coincide com discussão no bloco sobre seu caminho para o futuro num mundo mais fragmentado e caótico

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva inicia sua visita à Ásia, com a primeira escala hoje na Indonésia. Em seguida, participa, na Malásia, da cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), um agrupamento com papel cada vez mais relevante no crescimento da economia mundial.

Além do encontro Lula-Trump, essa viagem será marcada também pela contínua aproximação com a Asean. É a quinta maior economia do mundo, só atrás de Estados Unidos, China, Alemanha e Japão. Formada por dez países, com economia combinada de US$ 4,1 trilhões em 2024 e 680 milhões de habitantes, cresce há décadas como nenhuma outra região do mundo. As projeções indicam expansão de 4,2% neste ano e de 4,1% em 2026, em comparação com 2,4% e 2,3% na América Latina e 1,6% nos países desenvolvidos. O bloco tem contribuído com cerca de 10% do crescimento global - mais que o dobro de sua participação no PIB mundial (3,6%).

Em 2024, o comércio do Brasil com o bloco alcançou US$ 26,4 bilhões (+8,1% em relação ao ano anterior), superando o intercâmbio com o Mercosul. O lado brasileiro registrou superávit de US$ 15,5 bilhões. O potencial de ampliar rapidamente as relações políticas, comerciais e tecnológicas é significativo.

Os países da Asean continuam sendo uma exceção positiva na economia global, mas seus dirigentes reconhecem que o crescimento futuro corre o risco de ser seriamente prejudicado em meio à intensa competição entre superpotências e crises que podem se multiplicar num mundo mais fragmentado, caótico e contraditório. O tarifaço de Donald Trump ampliou as incertezas entre membros altamente dependentes das exportações, como Malásia, Singapura, Indonésia, Tailândia, Vietnã e Filipinas. E com a China em desaceleração inundando diversos mercados com suas exportações.

Na liderança do bloco neste ano, a Malásia constata mudanças e novas realidades no mundo. Primeiro, a busca por terceirização barata em nome da “eficiência” vem sendo substituída pela preocupação com resiliência e diversificação de fornecedores. As cadeias de abastecimento tendem a se dividir segundo linhas geopolíticas ou de proximidade regional.

Segundo, a economia se entrelaçará ainda mais com a política e a segurança daqui em diante. E cada governo precisa garantir que a economia produza resultados sociais e econômicos decentes, a fim de evitar revoltas populares ou avanço do populismo.

Terceiro, há um limite para o modelo de industrialização voltado à exportação. Nos últimos 70 anos - do Japão nos anos 1950 aos quatro Tigres Asiáticos (Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Singapura), passando pelos “Tigres Filhotes” (Malásia, Tailândia, Indonésia, Filipinas e Vietnã) e chegando à China após sua entrada na Organização Mundial do Comércio em 2001 -, a Ásia enriqueceu exportando para os Estados Unidos e, em menor escala, para a Europa.

O problema é que, por um lado, esses mercados ricos estão vendo o encolhimento de suas classes médias e de sua população; por outro, a industrialização asiática gerou enorme capacidade produtiva. As duas tendências não se somam. “Algo vai quebrar em algum lugar”, alertou uma autoridade da Malásia em um fórum recente. Portanto, continuar como sempre não vai funcionar.

A participação de Lula na cúpula da Asean ocorre, assim, em um momento crucial de discussões que determinarão a prosperidade - ou um fiasco - do bloco nas próximas décadas.

Ao projetar a Asean em 2045, dirigentes da Malásia destacam três elementos-chave.

Primeiro, a Asean como cadeia de abastecimento regional: se deixar isso a cargo das grandes potências, essa cadeia provavelmente se dividirá entre Estados Unidos e China. Não é do interesse do resto do mundo ver essa bifurcação; por isso, a Asean quer atuar, juntamente com a União Europeia, o Sul Global e outros parceiros, para garantir um terreno comum suficientemente amplo para resistir a essa divisão.

Segundo, Asean como potência média. Quando o bloco foi criado, em 1967, a Guerra Fria estava em seu auge, mas a organização evitou alinhar-se a qualquer dos lados. Hoje, enfrenta pressões semelhantes.

Terceiro, a expectativa é que, nas próximas duas décadas, o bloco emerja como uma sociedade majoritariamente de classe média próspera e se torne um mercado consumidor expressivo - não apenas um conjunto de plataformas de exportação. Para isso, busca evitar uma concorrência predatória entre seus membros, uma “corrida para o fundo do poço” em termos de salários, impostos ou incentivos fiscais.

Para superar a turbulência dos próximos anos, o primeiro-ministro da Malásia, Anwar Ibrahim, que receberá Lula no sábado, defende que o bloco permaneça comprometido com a abertura e reformas, mesmo enquanto se adapta a um cenário geoeconômico mais complexo. Diz que somente por meio da liberalização e da cooperação pode salvaguardar empregos, preservar o crescimento e consolidar sua posição na economia global.

A economia digital é apontada como fator-chave para a próxima fase de expansão da Asean. Em cooperação com China, Japão e Coreia do Sul, a transformação digital poderá acrescentar até US$ 2 trilhões ao PIB regional, segundo a Malásia. A atração de investimentos tecnológicos ocupa posição central na agenda. E, à medida que a Asean define seu caminho para o futuro, sabe que precisa incorporar a sustentabilidade como eixo central.

A Asean mantém um forte pragmatismo na defesa de seus interesses, com menos ênfase em alianças ou compromissos ideológicos.

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