segunda-feira, 27 de outubro de 2025

O IPCA mais comportado e a chance de corte da Selic em janeiro, por Sergio Lamucci

Valor Econômico

Ter juros reais um pouco menos elevados daria um refresco para empresários e pessoas físicas com dívidas pesadas, tornaria o investimento produtivo mais atraente e reduziria as despesas financeiras do governo

A inflação dá sinais mais claros de arrefecimento, como mostrou o resultado de outubro do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo -15 (IPCA-15), prévia do indicador que serve como baliza para o regime de metas. O índice teve alta de 0,18%, abaixo do consenso de mercado de 0,24%, com o acumulado em 12 meses desacelerando de 5,32% até setembro para 4,94% até outubro. Nesse cenário, aumentaram as chances de o IPCA fechar 2025 em 4,5%, o teto da banda de tolerância da meta, ou até um pouco abaixo disso. A possibilidade de um corte da Selic em janeiro entrou no radar com mais força, ainda que esteja longe de ser uma aposta consensual entre os economistas.

A atividade econômica perde fôlego, num quadro de juros nas alturas, e o câmbio mais valorizado ajuda a controlar a inflação. Os preços de alimentos têm recuado desde junho, com o efeito da safra recorde e do próprio real mais forte. A Selic está elevadíssima, em 15% ao ano, ou na casa de 10% em termos reais, quando se desconta o IPCA estimado para os próximos 12 meses. Um IPCA de 4,5% em 2025 é um número ainda distante do centro do alvo perseguido pelo Banco Central (BC), de 3%, mas é uma boa notícia, especialmente levando em conta que, em maio, havia projeções de que o indicador encerraria o ano em 5,5%. Um IPCA menor em 2025 contribui para que o indicador de 2026 seja mais baixo, pelo efeito favorável sobre a inércia, o fenômeno pelo qual a inflação passada alimenta a inflação futura.

No IPCA-15, os preços de alimentação no domicílio recuaram pelo quinto mês seguido, caindo 0,1%. No acumulado em 12 meses, a variação do grupo passou de 6,58% em setembro para 5,48% em outubro. Em 2024, os preços da comida em casa subiram 8,2%, pelos números do IPCA. Para este ano, a alta deve ser bem mais modesta. O economista Fábio Romão, da 4intelligence, estima aumento de 3,92% para esse grupo. Em maio, ele previa um avanço de 7,5%.

Segundo Romão, as cotações da alimentação no domicílio vão subir menos do que se esperava por causa da queda de preços das commodities, decorrentes de boas safras, da valorização do câmbio e do “comportamento mais benigno de carnes, em vista dos impactos do tarifaço do governo Donald Trump na oferta doméstica”. Como as carnes brasileiras não escaparam das alíquotas de importação mais altas impostas pelos EUA, a perspectiva passou a ser de que uma parcela maior desses produtos seja direcionada para o mercado interno.

O real mais forte ajuda a aliviar os preços de alimentos, tendo efeito importante também sobre as cotações de bens industriais. O dólar encerrou 2024 cotado a R$ 6,18, e tem sido negociado na casa de R$ 5,40. No IPCA-15 de outubro, os produtos industriais recuaram 0,02%, depois de terem subido 0,2% em setembro. Em 12 meses, a alta passou de 3,45% para 3,16%. Nas projeções de Romão, a inflação de bens industriais vai terminar 2025 em 2,64%, abaixo dos 2,9% registrados em 2024; em maio, ele esperava um avanço de 4,1% das cotações desses produtos neste ano.

Entre os preços livres, os serviços ainda inspiram cuidados, devido à força do mercado de trabalho. No entanto, o IPCA-15 também trouxe boas notícias nesse front. Os serviços mais sensíveis à demanda subiram 0,24% em outubro, alta superior ao 0,04% de setembro, mas abaixo da estimativa dos analistas - Romão, por exemplo, esperava variação de 0,45%. Em 12 meses, o acumulado passou de 6,67% para 6,29%. Para 2025, o economista da 4intelligence projeta que esses serviços subirão 6%; em maio, a previsão era de aumento de 6,8%. Esses preços ainda avançam a um ritmo forte, num ambiente de desemprego baixo e renda em alta, mas dão indicações de desaceleração.

Nesse cenário, Romão reduziu a estimativa para o IPCA neste ano de 4,7% para 4,5%, o teto da banda de tolerância. A projeção para o ano considera a premissa de bandeira amarela em dezembro para a conta de luz, diz ele. “Caso as condições hídricas ao final do ano sejam mais benignas e possibilitem o acionamento da bandeira verde em dezembro (com impacto de queda de 0,10 ponto percentual), o IPCA poderá encerrar o ano abaixo do teto da meta”, escreve Romão.

O quadro para a inflação, como se vê, é mais benigno do que se imaginava no primeiro semestre. O BC tem sido cauteloso, indicando a preferência por manter a Selic inalterada por mais tempo, para trazer as expectativas de inflação para a meta de 3%. As estimativas para o IPCA têm recuado, mas lentamente, e continuam acima do alvo perseguido pelo BC. Para 2026, o consenso de mercado é de um IPCA de 4,27%; para 2027 e 2028, as previsões são mais baixas - de 3,83% e 3,6%, pela ordem -, mas ainda superiores à meta de 3%.

Evitar cortes precipitados da Selic é uma preocupação do BC, e uma preocupação que faz sentido. Mas os juros no Brasil estão elevadíssimos, e também é importante não mantê-los nas alturas por mais tempo do que o necessário. Taxas de 10%, descontada a inflação, são muito altas. Elas castigam empresas e consumidores endividados, afetam planos de investimento do setor privado e têm um pesado custo fiscal. Uma alta de 1 ponto percentual da Selic, mantida por um ano, custa o equivalente a R$ 54,4 bilhões no caso da dívida pública bruta, segundo o BC.

Reduções mais fortes e sustentadas dos juros só ocorrerão quando o governo enfrentar o problema do crescimento dos gastos públicos obrigatórios, o que deverá ficar apenas para 2027. No entanto, se as expectativas para o IPCA melhorarem, a inflação corrente seguir comportada, o câmbio não se desvalorizar muito, a atividade se mantiver mais fraca e o governo não aumentar as incertezas sobre as contas públicas, a conjuntura será favorável para o BC começar um ciclo de queda da Selic, talvez já em janeiro. Ter juros reais um pouco menos elevados daria um refresco para empresários e pessoas físicas com dívidas pesadas, tornaria o investimento produtivo mais atraente e reduziria as despesas financeiras do governo. Não seria uma diminuição estrutural dos juros, mas baixar um pouco taxas tão elevadas teria alguns benefícios não desprezíveis.

 

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