segunda-feira, 27 de outubro de 2025

O ‘first date’ entre Trump e Lula, por Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

Após o tarifaço e Lei Magnitsky, Trump e Lula buscam relação pragmática – com menos ideologia e mais comércio

“First date” é o primeiro encontro entre duas pessoas que buscam entender se há afinidade e disposição para algo mais duradouro. No caso dos presidentes Trump e Lula, o flerte começou discretamente – um aceno na ONU, em 23/09, seguido de uma conversa telefônica em 11/10 – e culminou no primeiro encontro presencial ontem em Kuala Lumpur. Em pouco mais de um mês, os dois mandatários construíram uma aproximação tão veloz quanto calculada.

O pano de fundo não poderia ser mais tenso. O tarifaço de 50% imposto pelos Estados Unidos a produtos brasileiros e a decisão de aplicar a Lei Magnitsky a ministro do STF criaram o pior cenário diplomático entre os dois países desde a Guerra Fria. Paradoxalmente, essa crise parece ter acelerado a reaproximação. Lula entendeu que confrontar Washington seria suicídio econômico. Trump, por sua vez, percebeu que isolar o Brasil abriria espaço para a China consolidar sua influência na América do Sul.

A conversa na Malásia teve caráter estratégico: mais do que resolver pendências, serviu para medir intenções. Trump queria testar se Lula adotaria uma postura mais previsível em relação ao comércio e ao investimento americano. Lula buscava entender se poderia confiar num interlocutor que já em seu primeiro mandato chegou a impor sanções unilaterais ao Brasil e desafiou abertamente o multilateralismo.

O encontro revelou uma ironia: os dois líderes que representam polos opostos falam a mesma língua quando o assunto é pragmatismo econômico. Ambos enxergam na diplomacia comercial um instrumento de poder doméstico – capaz de gerar empregos, atrair capital e fortalecer suas bases políticas nas eleições que se aproximam.

Essa aproximação não significa afinidade pessoal ou ideológica, mas cálculo. Ao contrário do bolsonarismo, que tentou usar a relação com os Estados Unidos como instrumento de chantagem política, Lula parece disposto a reconstruí-la como uma parceria estratégica. Trump, por sua vez, percebeu que manter o Brasil como aliado comercial é mais rentável do que transformá-lo em inimigo ideológico.

Se, por um lado, um eventual acordo tende a arrefecer o discurso de defesa da soberania que impulsiona Lula, por outro pode render dividendos econômicos e políticos. No fim das contas, o “first date” entre Trump e Lula não é um romance, mas um pacto de conveniência. O sucesso desse relacionamento dependerá menos da química e mais da capacidade de ambos de manter a racionalidade num mundo em que paixão ideológica costuma custar caro. •

 

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