O Estado de S. Paulo
Após o tarifaço e Lei Magnitsky, Trump e Lula
buscam relação pragmática – com menos ideologia e mais comércio
“First date” é o primeiro encontro entre duas
pessoas que buscam entender se há afinidade e disposição para algo mais
duradouro. No caso dos presidentes Trump e Lula, o flerte começou discretamente
– um aceno na ONU, em 23/09, seguido de uma conversa telefônica em 11/10 – e
culminou no primeiro encontro presencial ontem em Kuala Lumpur. Em pouco mais
de um mês, os dois mandatários construíram uma aproximação tão veloz quanto
calculada.
O pano de fundo não poderia ser mais tenso. O tarifaço de 50% imposto pelos Estados Unidos a produtos brasileiros e a decisão de aplicar a Lei Magnitsky a ministro do STF criaram o pior cenário diplomático entre os dois países desde a Guerra Fria. Paradoxalmente, essa crise parece ter acelerado a reaproximação. Lula entendeu que confrontar Washington seria suicídio econômico. Trump, por sua vez, percebeu que isolar o Brasil abriria espaço para a China consolidar sua influência na América do Sul.
A conversa na Malásia teve caráter estratégico: mais do que resolver pendências, serviu para medir intenções. Trump queria testar se Lula adotaria uma postura mais previsível em relação ao comércio e ao investimento americano. Lula buscava entender se poderia confiar num interlocutor que já em seu primeiro mandato chegou a impor sanções unilaterais ao Brasil e desafiou abertamente o multilateralismo.
O encontro revelou uma ironia: os dois
líderes que representam polos opostos falam a mesma língua quando o assunto é
pragmatismo econômico. Ambos enxergam na diplomacia comercial um instrumento de
poder doméstico – capaz de gerar empregos, atrair capital e fortalecer suas
bases políticas nas eleições que se aproximam.
Essa aproximação não significa afinidade
pessoal ou ideológica, mas cálculo. Ao contrário do bolsonarismo, que tentou
usar a relação com os Estados Unidos como instrumento de chantagem política,
Lula parece disposto a reconstruí-la como uma parceria estratégica. Trump, por
sua vez, percebeu que manter o Brasil como aliado comercial é mais rentável do
que transformá-lo em inimigo ideológico.
Se, por um lado, um eventual acordo tende a
arrefecer o discurso de defesa da soberania que impulsiona Lula, por outro pode
render dividendos econômicos e políticos. No fim das contas, o “first date”
entre Trump e Lula não é um romance, mas um pacto de conveniência. O sucesso
desse relacionamento dependerá menos da química e mais da capacidade de ambos
de manter a racionalidade num mundo em que paixão ideológica costuma custar
caro. •

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