sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Impunidade não leva à pacificação, por VÁRIOS AUTORES (nomes ao final do texto)

Folha de S. Paulo

Responsabilizar os crimes do regime militar não é revanche, é condição para o fortalecimento da democracia

Não apenas serve de exemplo para evitar novas investidas como pode ser o pontapé para reformar as forças de segurança

Há 50 anos, em 25 de outubro de 1975, Vladimir Herzog foi torturado até a morte pela ditadura militar. Cinco décadas depois, os autores desses e outros crimes seguem sem ser responsabilizados.

No julgamento da trama golpista de 8 de Janeiro, o ministro Alexandre de Moraes afirmou, corretamente, que "a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação, pois o caminho aparentemente mais fácil deixa cicatrizes traumáticas na sociedade e corrói a democracia". Em meio à mobilização por anistia, Moraes asseverou que a não responsabilização significaria o "incentivo a novas tentativas de golpe".

As palavras do ministro, contudo, contrastam com a posição do STF que, em 2010, decidiu que a Lei de Anistia de 1979 poderia beneficiar agentes do Estado envolvidos em crimes cometidos durante o regime militar. Desde então, dezenas de denúncias criminais contra agentes da ditadura por tortura, estupro, sequestro, execução e desaparecimento forçado têm esbarrado no precedente do Supremo Tribunal Federal, permitindo que muitos réus, como o coronel Carlos Brilhante Ustra, alcancem o fim da vida sem ter enfrentado as consequências de seus crimes.

A leitura distorcida adotada pelo STF vai na contramão das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Brasil nos casos Gomes Lund (2010) e Vladimir Herzog (2018) e que já consolidou que anistias não podem beneficiar autores de graves violações de direitos humanos.

Apesar das pressões, essa temática pouco avançou. Há 15 anos a sociedade brasileira aguarda o julgamento da ADPF 320, que demanda ao STF a revisão da matéria, considerando os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Hoje, novos recursos, relatados pelos ministros Flávio Dino e Alexandre de Moraes, podem alterar esse quadro —antes que não haja mais possibilidade de responsabilização.

Como o próprio ministro Moraes apontou, a impunidade para os golpistas do passado serviu de incentivo para novas conspirações contra o Estado democrático de Direito. Mas, para além do 8 de Janeiro, a ausência de responsabilização de 1979 se faz sentir ainda no cotidiano de terras indígenas, favelas e periferias do país, onde agentes do Estado seguem promovendo, impunemente, violações de direitos.

Responsabilizar os crimes da ditadura não é revanche; é condição para o fortalecimento da democracia. A responsabilização dos que atentaram contra o Estado de Direito no passado e no presente não apenas serve de exemplo para evitar novas investidas autoritárias como pode ser o pontapé inicial de um processo de reformas institucionais nas nossas forças de segurança, que seguem atuando como se a democracia não tivesse chegado a determinados territórios.

Mais do que ninguém, o Supremo sabe, hoje, que a impunidade e a omissão deixam cicatrizes traumáticas. É dele a chance de reparar as incorreções interpretativas da Lei de Anistia de 1979 para responsabilizar os torturadores e assassinos da ditadura.

Aline Miklos
Coordenadora da área de advocacy do Instituto Vladimir Herzog

Belisário dos Santos Jr
Membro da Comissão Arns

Carla Osmo
Coordenadora da Clínica de Direitos Humanos da Unifesp

Gabriel Sampaio
Diretor de Litigância e Incidência da Conectas Direitos Humanos

Lucas Pedretti
Coordenador da Coalizão Brasil Memória Verdade Justiça e Reparação

 

 

 

 

 

 

 

 

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