sexta-feira, 24 de outubro de 2025

O fascismo e suas características, por Ivan Alves Filho*

“A liberdade é um dos dons mais preciosos que o céu deu aos homens. Nada a iguala, nem os tesouros que a terra encerra no seu seio, nem os que o mar guarda nos seus abismos. Pela liberdade, tanto quanto pela honra, pode e deve aventurar-se a nossa vida”.

(Miguel de Cervantes) 

Quais as características fundamentais do fascismo? Eis uma pergunta que não pode nem deve calar no momento em que o autoritarismo levanta a cabeça em várias partes do mundo.

Vamos ver isso de perto.

Primeiramente, se todo fascismo resulta em um autoritarismo, nem todo autoritarismo é fascista. Tivemos experiências deste tipo ao longo da República no Brasil, período marcado por ditaduras as mais diversas, mas não necessariamente fascistas. E tivemos, também, partidos políticos que, uma vez no poder, até por via eleitoral, não conseguiram impor uma ditadura ao país, apesar de seus traços nitidamente autoritários. De alguma forma, foram barrados em seus intentos. Inversamente, ditadores que prenderam opositores se viram obrigados a promulgar leis de anistia. No fundo, tudo depende das circunstâncias. Mas, evidentemente, o autoritarismo é uma característica intrínseca ao fascismo.

De qualquer maneira, a desordem social é caldo de cultura para o fascismo: diante do caos, as massas preferem uma ordem, ainda que esta ordem seja injusta, conforme alguns já observaram. A ordem democrática, sob essa ótica, tem que ter respostas claras de combate às dificuldades vividas pelas pessoas no seu dia a dia, a começar pelo desemprego e a segurança pública, pontos extremamente sensíveis. Ninguém vive no caos: e esta lição os democratas não podem esquecer em hipótese alguma.

Outra característica do fascismo reside no seu nacionalismo extremado. Geralmente, esse nacionalismo procura apagar as diferenças que existem no seio das sociedades modernas, enaltecendo o papel do Estado. Vale dizer, o Estado como guardião do interesse público, noção que surge historicamente com o Absolutismo, quando a sociedade civil era extremamente fraca, sendo praticamente engolida pelo próprio Estado. Fascista que se preza tem pavor da sociedade civil organizada. Ou, então, se apressa em se apoderar dela, ou capturá-la. A manipulação do nacionalismo tem que ver também com o domínio político: quando um determinado governo se vê em apuros, geralmente apela para o sentimento nacional. Naturalmente, trata-se de um  nacionalismo de fachada, simplesmente, e não da defesa dos interesses da nação. A História brasileira é pródiga em exemplos desse tipo. O nacionalismo, nesse caso, é o “último refúgio dos calhordas”, como alertou o escritor britânico Samuel Johnson e isso já no século XVIII.   

Além do autoritarismo e do nacionalismo, o fascismo apresenta raízes corporativas e sindicais bem sólidas. A experiência clássica italiana, com o bufão Benito Mussolini à frente, demonstra isso quase à exaustão.

Outra característica ainda do fascismo é a existência da figura do líder messiânico, que busca se colocar acima das instituições, dirigindo-se diretamente às massas populares. Este tipo de demagogo não tem nenhum escrúpulo em explorar a miséria. Aliás, ele se vale dela com o objetivo mal dissimulado de se perpetuar no poder. Se a miséria porventura acabar, seu próprio poder acaba.

Mais uma característica do fascismo – e o próprio Adolfo Hitler explorou isso – é que este regime implica a disputa dos organismos de massas com os setores democráticos. Essa a sua inovação em relação aos movimentos conservadores que o antecederam na política. Hitler chegava a recomendar o uso (ou a apropriação, melhor dizendo até) de bandeiras vermelhas nos comícios nazistas, bandeiras essas tradicionalmente desfraldadas pelo campo progressista. Assim, o agrupamento fascista não pode prescindir de um partido de massas em hipótese alguma (e nisso difere do caudilhismo, por exemplo). E Adolfo Hitler obteve até algum sucesso, por um tempo. E outros depois dele também. Sempre por algum tempo, já que é próprio do fascismo vender ilusões.

O conluio com o grande capital e a corrupção e desvios dos recursos públicos são características igualmente do fascismo. Diríamos até que são características fundamentais, expressas pela dominação do capital sobre o trabalho pelo recurso tanto ao terror quanto à mentira política.

De outra parte, também a irracionalidade é parte integrante do fascismo, materializando-se muitas vezes na idolatria ao líder. Quanto mais uma sociedade se revela portadora de traços irracionais, mais o fascismo pode prosperar. 

Todo cuidado é pouco. No mais, é se aventurar pela vida, como ensinou Cervantes – com a liberdade no fundo do peito.

*Ivan Alves Filho, historiador.

 

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