Folha de S. Paulo
Ideia é que reorganização de cargos seja
usada para atender quem votar a favor de matérias prioritárias
Presidente da Câmara será ouvido no processo, mas Planalto quer ter palavra final nas indicações
O governo Lula (PT) começou a procurar
parlamentares para recompor sua base no Congresso
Nacional, após a demissão de aliados políticos de deputados que
votaram contra a MP (medida
provisória) do aumento de impostos.
A estratégia é que isso seja usado para
atender aos aliados que apoiarem o Executivo em votações prioritárias até o fim
do ano.
O rearranjo também busca privilegiar
políticos que sinalizarem que deverão caminhar com Lula em 2026. O presidente
afirmou de forma categórica nesta quarta-feira (22) que disputará a
reeleição, para buscar um quarto mandato.
Desde o último dia 10, o governo passou a demitir indicados políticos de deputados que votaram contra a MP, numa resposta aos integrantes da base governista que não têm seguido as orientações do Palácio do Planalto.
A equipe da ministra Gleisi
Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais) está mapeando os
cargos vagos e procurando lideranças da Câmara dos Deputados para
indicar os substitutos. Dois aliados da ministra dizem que integrantes do Planalto
também foram procurados por parlamentares, numa tentativa de reaproximação com
o Executivo após a demissão de seus apadrinhados.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB),
vem sendo escutado nesse processo e participará dessa recomposição, assim como
líderes de partidos da Câmara. Uma reunião entre Motta e Gleisi ocorreu nesta
quarta-feira (22) para tratar do assunto. Também estiveram presentes o líder do
PP na Câmara, Doutor Luizinho (RJ), e o ministro André Fufuca (Esporte).
Um encontro da ministra com Motta e o líder
do União Brasil, Pedro Lucas (MA), está previsto para ocorrer nesta quinta (23)
para discutir o mesmo tema. Segundo interlocutores de Motta, o presidente da
Câmara tem atuado como articulador junto às bancadas do PP e do União Brasil
desde que os presidentes das duas siglas romperam com o governo federal.
Aliados de Lula dizem que Motta será figura
importante nesse processo de recomposição dos cargos, mas negam que haverá uma
terceirização da construção dessa base aliada, indicando que o núcleo da
articulação política dará a palavra final para quem será contemplado com esses
postos.
O objetivo é evitar o que ocorreu com o
ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), que distribuiu
cargos até para o PL do
ex-presidente Jair Bolsonaro para manter uma rede própria de apoiadores —não
necessariamente fiéis a Lula.
Além disso, a ideia é que o governo tenha
mapeado cada uma das indicações para cobrar fidelidade dos aliados nas
principais votações até o final deste ano. Esse movimento é considerado como
uma nova oportunidade para o Executivo atrair deputados que até então não
estavam contemplados com indicações, de acordo com aliados do petista.
Mais cedo, nesta quinta, o líder do governo
na Câmara, José Guimarães (PT-CE), disse que essa reaproximação com os partidos
é uma diretriz que foi dada pelo próprio presidente da República.
"Repactuar a construção dos partidos que estão dispostos a caminhar com o
governo para aprovação daquelas matérias que são estratégicas para o país e
para o governo."
Governistas também dizem que essa
reacomodação dos cargos poderá ajudar a distensionar o clima de insatisfação
dos deputados com o governo, sobretudo pelo que classificam como uma baixa
execução orçamentária das verbas com apadrinhamento político. Parlamentares se
queixam do ritmo de pagamento das emendas parlamentares ao Orçamento,
principalmente às vésperas do ano eleitoral.
Guimarães afirmou à Folha que a
gestão petista demorou para retaliar os deputados infiéis e que as exonerações
de cargos ligados a deputados que votaram contra a MP são uma "assepsia"
que veio tarde.
Um integrante da cúpula da Casa diz que essa
reacomodação de cargos não será fácil. Ele afirma que o Planalto precisa dos
votos do centrão para aprovar matérias de interesse e cobra que o Executivo dê
sinalizações de mudança de postura nesse novo momento para atrair os deputados.
Por outro lado, esse congressista reconhece
que há uma disposição ao diálogo, até mesmo dos deputados que perderam suas
indicações políticas ou que vinham se afastando do Executivo. Isso porque a
melhoria na avaliação da gestão petista fez com que políticos do
centrão admitissem desacelerar o movimento de desembarque do
governo, para aguardar um período mais próximo da eleição.
Um cardeal do centrão avalia que o governo
terá mais facilidade de recompor sua base hoje por meio do pagamento das
emendas parlamentares do que com cargos estaduais.
Um aliado de Lula no Congresso afirma que o
governo deverá fazer uma força-tarefa para agilizar a liberação das emendas até
o final desta semana, tendo em vista a necessidade do Executivo aprovar as
propostas alternativas à MP do aumento de impostos ainda em outubro.
Deputados que estão a par das conversas dizem
que essa recomposição da base ocorrerá a conta-gotas até o final do ano,
concomitantemente às votações de interesse do Executivo, especialmente pautas
do chamado pacote eleitoral, como a que cria o Gás do Povo.
Um líder do centrão diz que há uma
desconfiança do grupo com os interesses do governo com esse movimento. Ele
afirma que não há clareza se de fato o Executivo quer recompor sua base ou se
está usando esse momento para aumentar o tensionamento com o centrão, mirando
já o processo eleitoral —e cita como exemplo o discurso "nós contra
eles", que gerou
desgastes aos parlamentares junto à opinião pública.
Ele diz que é preciso separar a busca pela
governabilidade no Congresso e as eleições de
2026, e que o governo errará se tratar tudo num mesmo pacote. Isso porque
partidos do centrão que estão formalmente na Esplanada petista já sinalizaram
que devem ter candidaturas próprias no próximo ano.

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