sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Crise em negócios com carros, chips, petróleo ou terras raras mostra mundo mais rachado, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Risco de reorganização mundial em blocos inimigos aparece nas notícias cotidianas

Restrições à venda ou compra de produtos essenciais agrava conflito econômico

Depois de Trump 1 e da epidemia, difundiu-se a ideia de que há risco de não fabricar certos produtos em casa ou em países próximos e amigos (ou dependentes). Seria preciso abrir mão de alguma eficiência econômica em troca de segurança (de abastecimento, militar).

No início do pânico da Covid, em 2020, países ricos da Europa e EUA disputaram no tapa produtos baratos como máscaras, luvas e seringas, desviando até aviões com mercadorias. Parecia anedótico. É sério.

O assunto ficou mais grave com a dominância industrial da China e com o acirramento do conflito sino-americano. Com a guerra da Rússia contra a Ucrânia, a União Europeia teve de repensar seu abastecimento de energia.

Sanções financeiras euroamericanas contra a Rússia, com confisco de ativos, levaram parte do mundo a repensar a aplicação de reservas nos EUA ou a confiança em sistemas de transações dominados pelos americanos.

"Nearshoring" e "reshoring" (produzir perto ou de novo dentro de casa), desacoplamento, fragmentação comercial e financeira ou desconfiança do dólar se tornaram assuntos comuns. Agora, estão nas notícias do dia.

Fábricas de carros de Brasil, Europa e EUA dizem que podem ser obrigadas a suspender a produção por falta de uns chips simples, por causa de disputa entre Holanda e China. Esses materiais são produzidos em uma fábrica chinesa na Holanda e finalizados na China, que determina o que é exportado. O conflito talvez seja influenciado pelos americanos.

As exportações de ímãs de terras raras da China para os EUA caíram 28,7% de agosto para setembro (em volume) e 30% ante setembro de 2024. Como o conflito comercial voltou a esquentar, os chineses limitam a venda desses insumos essenciais para a indústria de ponta, inclusive militar.

Sanções dos EUA contra petroleiras russas por causa da guerra de Vladimir Putin contra a Ucrânia devem diminuir por um momento a oferta de petróleo. O preço do barril subiu. Os EUA assim talvez atrapalhem também as relações entre Rússia e Índia, que insistia em comprar 40% das exportações russas de petróleo, mesmo sujeita a tarifaço americano de 50%. Quase 30% da receita do governo russo vem de óleo e gás.

São sintomas agudos, não eventos que vão definir relações econômicas e políticas. São evidências de um mundo trincado, além do mais sujeito a mais mudança política decisiva para estratégias econômicas.

Os EUA depois de Trump serão coisa ainda pior ou melhor? A disputa pela supremacia militar entre EUA e China vai definir inteiramente as relações, até uma guerra? E se a extrema direita passar a governar os maiores países da União Europeia? O que será dos despotismos asiáticos depois de Putin e Xi Jinping?

Em 2001, a China tinha 2,8% da corrente de comércio (exportações mais importações) do Brasil. Agora, tem 27%, o que mudou a economia, a política e até a cultura deste país. O Brasil tem de se equilibrar entre os possíveis novos blocos e rever relações internacionais, o que é importante, mas não vai alterar de modo maior nossas perspectivas econômicas. Não haverá outro efeito China.

Crescimento mais rápido e o próprio pensamento do nosso lugar no mundo dependem de mudanças para aumentar a produtividade (inclusive com abertura comercial bem pensada). Para começar, precisamos de algo rudimentar como estabilidade econômica: fim dos voos de galinha do PIB, de altas ferozes de juros etc. O mundo está trincado, mas nossa casa é uma bagunça.

 

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