Folha de S. Paulo
Risco de reorganização mundial em blocos
inimigos aparece nas notícias cotidianas
Restrições à venda ou compra de produtos
essenciais agrava conflito econômico
Depois de Trump 1 e da epidemia, difundiu-se
a ideia de que há risco de não fabricar certos produtos em casa ou em países
próximos e amigos (ou dependentes). Seria preciso abrir mão de alguma
eficiência econômica em troca de segurança (de abastecimento, militar).
No início do pânico da Covid, em 2020, países ricos da Europa e EUA disputaram no tapa produtos baratos como máscaras, luvas e seringas, desviando até aviões com mercadorias. Parecia anedótico. É sério.
O assunto ficou mais grave com a dominância
industrial da China e
com o acirramento do conflito sino-americano. Com a guerra da Rússia contra
a Ucrânia, a União
Europeia teve de repensar seu abastecimento de energia.
Sanções financeiras euroamericanas contra a
Rússia, com confisco de ativos, levaram parte do mundo a repensar a aplicação
de reservas nos EUA ou a confiança em sistemas de transações dominados pelos
americanos.
"Nearshoring" e
"reshoring" (produzir perto ou de novo dentro de casa),
desacoplamento, fragmentação comercial e financeira ou desconfiança do dólar se
tornaram assuntos comuns. Agora, estão nas notícias do dia.
Fábricas de carros de Brasil, Europa e EUA
dizem que podem ser
obrigadas a suspender a produção por falta de uns chips simples, por
causa de disputa entre Holanda e China. Esses materiais são produzidos em uma
fábrica chinesa na Holanda e finalizados na China, que determina o que é
exportado. O conflito talvez seja influenciado pelos americanos.
As exportações de ímãs de
terras raras da China para os EUA caíram 28,7% de agosto para
setembro (em volume) e 30% ante setembro de 2024. Como o conflito comercial
voltou a esquentar, os chineses limitam a venda desses insumos essenciais para
a indústria de ponta, inclusive militar.
Sanções dos EUA contra petroleiras russas por
causa da guerra de Vladimir
Putin contra a Ucrânia devem diminuir por um momento a oferta
de petróleo. O preço do
barril subiu. Os EUA assim talvez atrapalhem também as relações
entre Rússia e Índia, que insistia em comprar 40% das exportações russas de
petróleo, mesmo sujeita a tarifaço americano de 50%. Quase 30% da receita do
governo russo vem de óleo e gás.
São sintomas agudos, não eventos que vão definir
relações econômicas e políticas. São evidências de um mundo trincado, além do
mais sujeito a mais mudança política decisiva para estratégias econômicas.
Os EUA depois de Trump serão coisa ainda pior
ou melhor? A disputa pela supremacia militar entre EUA e China vai definir
inteiramente as relações, até uma guerra? E se a extrema direita passar a
governar os maiores países da União Europeia? O que será dos despotismos
asiáticos depois de Putin e Xi Jinping?
Em 2001, a China tinha 2,8% da corrente de
comércio (exportações mais importações) do Brasil. Agora, tem 27%, o que mudou
a economia,
a política e até a cultura deste país. O Brasil tem de se equilibrar entre os
possíveis novos blocos e rever relações internacionais, o que é importante, mas
não vai alterar de modo maior nossas perspectivas econômicas. Não haverá outro
efeito China.
Crescimento mais rápido e o próprio
pensamento do nosso lugar no mundo dependem de mudanças para aumentar a
produtividade (inclusive com abertura comercial bem pensada). Para começar,
precisamos de algo rudimentar como estabilidade econômica: fim dos voos de
galinha do PIB, de altas ferozes de juros etc. O mundo está trincado, mas nossa
casa é uma bagunça.
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