Correio Braziliense
A história serve para
reflexão sobre Lula e a maioria conservadora do Legislativo. Uma aliança entre
o Executivo e o STF para domar o Congresso é um equívoco
“Eu sou muito contra as pessoas falarem mal
dos outros pela frente. Eu acho que é uma falta de educação muito grande. Não
é? Falar, falar mal pela frente constrange quem ouve, constrange quem fala. Não
custa nada a gente esperar um pouco as pessoas darem as costas”, dizia o
escritor, filósofo e dramaturgo paraibano Ariano Suassuna, com ironia, numa
palestra antológica, cujo vídeo viralizou nas redes sociais. O presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, no mínimo, foi muito deselegante com o presidente da
Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), ao criticar o “baixo nível” do Congresso.
Lula fez a afirmação durante cerimônia, no Rio de Janeiro, de comemoração ao Dia do Professor, celebrado nesta quarta-feira. Ao fazer o comentário sobre o Congresso, com críticas a parlamentares de direita, virou-se para o presidente da Câmara, que estava entre as autoridades presentes no evento, e disparou: “O Hugo (Motta) é presidente desse Congresso, ele sabe que esse Congresso nunca teve a qualidade de baixo nível como tem agora. Aquela extrema-direita que se elegeu na eleição passada é o que existe de pior”, disse Lula.
Antes das críticas de Lula ao Congresso, o
presidente da Câmara discursou no evento, foi vaiado pela plateia e ouviu
gritos contra a proposta de anistia a condenados pelos atos golpistas de 8 de
janeiro. Lula se posicionou ao lado do deputado paraibano, em demonstração de
apoio a Motta, mas, logo depois, ao falar, fez ataques a políticos de direita.
Um deles foi o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente Jair
Bolsonaro, que está nos Estados Unidos e, na avaliação de Lula, atua contra os
interesses do Brasil. O chefe do Executivo conclamou as pessoas que não estão
contentes com a atual classe política a ingressarem na vida pública e tentarem
mudar o futuro do país.
Ao mesmo tempo em que estressa sua relação
com o Congresso, onde o eixo da oposição se deslocou do PL para o Centrão,
sobretudo as bancadas do União Brasil e do Progressistas, Lula busca maior
aproximação com o Supremo Tribunal Federal (STF). Na véspera, no Palácio da
Alvorada, num jantar fora da agenda, que não era para ter vazado antes de
ocorrer, conversou com os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Cristiano
Zanin sobre a indicação do substituto do ministro Luís Roberto Barroso, também
presente ao encontro, que anunciou a aposentadoria.
A vaga para ministro da Corte tem dois nomes
favoritos: o advogado-geral da União, Jorge Messias, e o senador e ex-presidente
do Congresso Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Correndo por fora, estão a ministra do
Panejamento, Simone Tebet; e a presidente do Tribunal Superior Militar (STM),
ministra Elizabeth Rocha.
Há também nove juristas negras indicadas pelo
Movimento Mulheres Negras Decidem (MND) que disputam essa vaga: Adriana Cruz,
juíza titular da 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro; Edilene Lobo,
ministra do Tribunal Superior Eleitoral; Flávia Martins Carvalho, juíza
auxiliar no STF; Karen Luise, juíza do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
e integrante do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP); Lívia Casseres,
defensora pública e coordenadora-geral de Justiça Étnico-Racial da Senado;
Lívia Sant’Anna Vaz, promotora de Justiça do Ministério Público da Bahia; Sheila
de Carvalho, advogada e secretária nacional de Acesso à Justiça do Ministério
da Justiça; Soraia Mendes, jurista, advogada e professora; Vera Lúcia Santana
Araújo, ministra substituta do TSE e fundadora da Associação Brasileira de
Juristas pela Democracia (ABJD).
Estratégia perigosa
O desafio de Lula é escolher um nome por quem
sinta confiança dentro do STF — uma vez que a Corte tem sido cada vez mais
decisiva na vida nacional — e, ao mesmo tempo, não desagrade ao Congresso e ao
mundo jurídico. Avalia também que não pode queimar pontes e ver seu indicado
ser rejeitado no Senado. A Constituição só manda que o escolhido tenha “notável
saber jurídico” e reputação ilibada, além de ter mais de 35 anos e menos de 70.
Um passeio pela história serve para reflexão
sobre Lula e a maioria conservadora do Legislativo. É um equívoco imaginar uma
aliança entre o Executivo e STF para domar o Congresso. Na década de 1960, as
reformas de base eram um conjunto de mudanças de caráter liberal-social, faziam
sentido diante das necessidades de modernização do país. Consistiam nas
reformas agrária, administrativa, eleitoral, bancária, tributária e
constitucional, para viabilizar as demais. João Goulart havia assumido o poder
após a renúncia de Jânio e um acordo no qual governaria sob um regime
parlamentarista. Em 6 de janeiro de 1963, por meio de um plebiscito, o regime
presidencialista foi restabelecido.
Logo a seguir, sentindo-se fortalecido, Goulart enviou ao Congresso os projetos de reforma agrária e bancária. A reforma agrária, proposta pelo PTB, foi rejeitada pelo Legislativo, que também rechaçou a lei de remessas de lucros proposta por Jango. A maioria no Congresso não aceitava as reformas de base. Jango tentou fazê-las por decreto, Em vez de recuar em ordem, com apoio popular, apostou na radicalização. Foi deposto por um golpe militar em 31 de março de 1964.
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