O Estado de S. Paulo
Ministro não decidiu se vai se manifestar, mas já tem colega disposto a suspender de novo a votação
A nata do Judiciário se parece cada vez mais
com um clube onde menina não entra. Cármen Lúcia deve continuar ocupando a
única cadeira de ministra, mesmo com a saída de Luís Roberto Barroso. O
alijamento da participação feminina no Supremo Tribunal Federal (STF) não tem
impacto apenas visual, mas se reflete nas prioridades da pauta.
O processo sobre a descriminalização do aborto até a 12.ª semana de gestação, causa cara aos movimentos de defesa dos direitos das mulheres, aguarda julgamento desde 2017. Defensores da bandeira se animaram com a notícia de que Barroso cogita votar no processo antes de sábado, quando deixa a toga.
Em setembro de 2023, dias antes de se
aposentar, Rosa Weber votou pela descriminalização do aborto. A pauta se tornou
ato de despedida de ministros progressistas – mas, internamente, não é
considerada adequada para debate em plenário.
Há dois anos, o julgamento foi adiado pelo
pedido de vista de Barroso. Se votar agora, deve se alinhar à posição de Weber.
O ministro não decidiu se vai se manifestar, mas já tem colega disposto a
interromper de novo a votação.
Hoje, a perspectiva é de um placar apertado, com chance de maioria de votos contra o aborto. Essa conta de bastidores incentivou Barroso a deixar o processo adormecido nos dois anos que presidiu o Supremo.
Se sair do tribunal sem votar, entregará a
vitória de bandeja à ala conservadora. A provável escolha de Jorge Messias, da
Advocacia-Geral da União (AGU), para substituir Barroso promete somar ao placar
um voto terrivelmente evangélico contra o aborto. Se Barroso votar, o sucessor
dele fica impedido de participar do julgamento.
A falta de disposição para encarar esse
debate é uma das consequências da formação de um Supremo essencialmente
masculino. A baixa representatividade de mulheres, aliás, se estende a outros
tribunais em Brasília. Das 92 cadeiras preenchidas hoje em Cortes superiores e
no STF, as ministras detêm apenas 19, ou 20,6% do total.
Quanto mais alto o degrau do Judiciário,
menos as magistradas são bem-vindas. Na primeira instância, as juízas ocupam
40,7% das vagas de titulares. Nos tribunais de segunda instância, 27% das
cadeiras são de desembargadoras. Os dados são do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ).
Verdade seja dita: tirando o STF, Lula
ampliou as nomeações de mulheres para outros tribunais, como se fosse um prêmio
de consolação para as excluídas do topo. Também para compensar a provável
substituição de Barroso por Messias, Lula avalia dar o comando da AGU a uma
mulher. Mas ainda não bateu o martelo. O lobby dos candidatos masculinos está maior.
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