The New York Times / Folha de S. Paulo
Para plano de paz, líder americano tem de
mudar cenário em que premiê israelense e grupo terroristas se mantiveram
viáveis por mais de duas décadas
Neste momento, não se podem ver nem mesmo os primeiros
passos para a próxima fase
"Você cria sua própria realidade. A
verdade é algo maleável." — Roy Cohn para Donald Trump no
filme "O Aprendiz"
Ouvir o presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump, dizendo a israelenses e árabes na segunda-feira (12)
que eles estavam "no alvorecer histórico de um novo Oriente Médio"
foi como assistir a Trump vendendo a seus banqueiros um plano para construir o maior,
mais bonito e mais incrível hotel do mundo em um depósito de lixo tóxico.
Por um lado, você pensa: Esse homem deve
estar louco. Ele não conhece a história desse lugar? Não dá para construir um
hotel ali! E, por outro, uma voz no fundo da sua cabeça sussurra: E se ele
conseguir?
A capacidade de Trump de combinar
intimidação, bajulação e exagero é algo digno de se ver e estava evidente na
segunda-feira em seus
discursos ao Parlamento de Israel e, depois, a
mais de 20 líderes mundiais em uma cúpula em Sharm el-Sheikh, no Egito.
Nenhum diplomata tradicional ou professor de
política externa teria aconselhado o presidente a correr tais riscos —a
declarar que estamos no
caminho para a paz no Oriente Médio e que ele, Donald Trump, presidirá
o "Conselho da Paz" que a concretizará. Mas Trump frequentou a escola
de negócios, não de relações exteriores, e acredita que pode persuadir,
pressionar e intimidar esse conflito até um final feliz.
Uma vez que essa estratégia trouxe a Trump tanto múltiplas falências no setor imobiliário quanto dois mandatos na política, não vou apostar contra nem a favor dele. Vou apenas lhe dar este conselho: Presidente, para concretizar esse acordo, o senhor precisa se mover rápido e quebrar coisas.
Até agora, não vejo isso. Eu entendo que é
cedo, mas neste momento não vejo nem mesmo os primeiros passos para a próxima
fase. Não vejo nenhuma resolução da ONU na mesa criando a força de paz
árabe/internacional para supervisionar o desarmamento do Hamas e a
segurança na Faixa de Gaza até
que uma força de segurança palestina adequada
possa ser criada. Não vejo dinheiro na mesa para os bilhões que serão necessários
para a reconstrução, e não tenho ideia de quem deve nomear e administrar o
gabinete de tecnocratas palestinos que devem governar Gaza em vez do Hamas,
que já
está usando seu Ministério do Interior e forças policiais para reafirmar o
controle sobre Gaza.
Como jornalista, se eu quisesse saber o que
vai acontecer a seguir e como, não tenho a menor ideia para quem telefonar.
Porque, presidente, o que o levou até essa
grande libertação de reféns, troca de prisioneiros e cessar-fogo não o levará a
uma paz mais ampla no Oriente Médio —a menos que imponha regras tanto ao
primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, de Israel, quanto
aos supervisores do Hamas: Turquia, Egito
e Qatar.
Você não tem um segundo para descansar. Como alguém que quer que tenha sucesso,
devo lembrá-lo: por mais difícil que tenha sido a primeira etapa, você ainda
não viu o que é difícil de verdade.
Você precisa dizer a Netanyahu: "Tive
que torcer seu braço para trazê-lo até aqui. Obrigado por vir. Eu até tentei
conseguir um perdão para você em seus casos de corrupção. Mas preciso saber
agora —você está comigo ou contra mim na próxima fase? Vai se mover para o
centro da política israelense e criar uma coalizão que possa trabalhar com uma
ANP (Autoridade Nacional Palestina) reformada para substituir o Hamas e
governar tanto em Gaza quanto na Cisjordânia? Ou vai continuar jogando o jogo
que joga com os presidentes americanos desde 1996 —tentando tacitamente manter
o Hamas vivo em Gaza e enfraquecer a ANP na Cisjordânia, para me dizer que
Israel não tem parceiro para a paz?"
E ao Qatar, Turquia e Egito, e a quaisquer
países árabes prontos para enviar tropas a Gaza, Trump precisa dizer algo
semelhante: "Vocês vão forçar o Hamas a se desarmar e abrir caminho para o
retorno da liderança da ANP a Gaza ou vão brincar com o Hamas enquanto ele
tenta reafirmar o controle ali?"
Embora o Hamas tenha sinalizado que está
disposto a entregar o governo civil de Gaza a outra entidade palestina, o grupo
nunca confirmou que se desarmaria, embora aparentemente tenha dito isso em
privado. "Eles
disseram que vão se desarmar e, se não o fizerem, nós os desarmaremos",
disse Trump na segunda-feira, acrescentando que acreditava que isso aconteceria
em um "tempo razoável". Se o Hamas não se desarmar, isso dará a
Netanyahu uma desculpa para reiniciar a guerra e evitar todas as armadilhas
políticas que as próximas fases apresentam a ele.
Colocando de outra forma: se Trump quiser
traduzir seu
plano de 20 pontos em paz regional, ele precisa começar rompendo, de uma
vez por todas, a relação distorcida e codependente entre Netanyahu e o Hamas
—que ajudaram a manter um ao outro politicamente viáveis por mais de duas
décadas.
Essa história remonta à eleição israelense de
1996, que ocorreu após o assassinato do primeiro-ministro Yitzhak
Rabin por um extremista israelense contrário
aos Acordos de Oslo.
Os Acordos de Paz de Oslo
Definição
Acordos negociados entre Israel e a
Organização para a Liberação da Palestina (OLP) em 1993 e em 1995, sob mediação
dos EUA
Objetivo
Paz por meio do estabelecimento gradual de um
Estado palestino em territórios na Cisjordânia e na Faixa de Gaza ocupados por
Israel desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967
Data-limite para fim da ocupação
1999
Determinações
Criação da Autoridade Palestina, espécie de
órgão de transição antes de fundação do Estado da Palestina que assumiu
administração de serviços públicos como educação, saúde e segurança, mas sem
soberania sobre território; Israel manteve controle sobre fronteiras, espaço
aéreo e água
Desdobramentos
Determinações não foram cumpridas até o prazo
final, e os acordos caíram; alguns de seus mecanismos, como a Autoridade
Palestina, sobreviveram
As pesquisas iniciais davam ampla vantagem ao
sucessor de Rabin, Shimon Peres. O Hamas, porém, estava determinado a impedir
que Oslo, do qual Peres foi um dos arquitetos, avançasse. Netanyahu também se
opôs vigorosamente a Oslo, então o Hamas queria que ele vencesse. Para
desacreditar tacitamente Peres e ajudar nas chances de Netanyahu, o Hamas
iniciou uma campanha assassina de atentados suicidas.
Funcionou. O assassinato de mais de 60
israelenses em nove dias impulsionou Netanyahu, o linha-dura, a derrotar Peres,
o pacifista, e vencer a eleição.
Essa codependência também explica por que
Netanyahu foi responsável por facilitar a assistência do Qatar de centenas de
milhões de dólares ao Hamas —em sacolas de dinheiro— para mantê-lo viável em
Gaza todos esses anos. Ao mesmo tempo, Netanyahu fez —e ainda faz— tudo o que
pode para enfraquecer a ANP, que coopera todos os dias com os serviços de
segurança israelenses para impedir que a Cisjordânia exploda.
A codependência Bibi-Hamas precisa acabar
para que haja qualquer paz.
Não há possibilidade —nenhuma— de Trump
avançar desse cessar-fogo para uma paz mais ampla sem que o Hamas seja
substituído, assim que possível, por uma ANP reformada e sem que Netanyahu
estabeleça uma coalizão governante mais centrista, ou que os eleitores
israelenses o substituam.
Trump não se ajudou quando apresentou sua
ideia maluca, em fevereiro, de
esvaziar Gaza de seus residentes palestinos e construir uma Riviera ao estilo
francês ali.
"Trump não entendeu que uma das
fantasias mais profundas de israelenses e palestinos é que o
outro, um dia, desaparecerá", disse o escritor israelense Ari Shavit.
"Quando Trump sugeriu em fevereiro esvaziar Gaza de sua população, fez
a direita israelense pensar que seus sonhos se tornariam realidade —que
Gaza seria anexada, e a Cisjordânia viria em seguida."
Agora, oito meses depois, Trump
foi a Jerusalém e disse aos mesmos israelenses que não haverá anexação de Gaza
nem da Cisjordânia. "É uma transformação incrível", disse Shavit.
"E está encurralando os aliados messiânicos de Bibi. O mesmo Trump que
liberou a insanidade em fevereiro agora está forçando
Israel a encarar a realidade: os palestinos vieram para ficar e precisamos
encontrar uma maneira de viver com eles."
Mais cedo ou mais tarde —e acredito que será
mais cedo— Trump perceberá que, se quiser que a paz em Gaza tenha sucesso e se
expanda, precisa colocar uma ANP reformada em Gaza o quanto antes.
A ANP administrava Gaza antes de ser expulsa pelo
Hamas em junho de 2007, e o fazia sob um quadro legal, econômico e
comercial meticulosamente negociado ao longo de dois anos por israelenses e
palestinos nos Acordos de Oslo. Esse quadro só precisa ser retirado da prateleira.
Tentar reinventar agora a governança em Gaza do zero é um erro; levará meses,
pelo menos, para ser organizado, e o Hamas aproveitará o vácuo.
A única razão pela qual a ANP vinha sendo
mantida fora do cenário era para satisfazer o desejo político de Netanyahu de
nunca ter uma liderança palestina unificada na Cisjordânia e em Gaza.
Mas as necessidades políticas de Netanyahu
não estão alinhadas com os interesses dos EUA em alcançar uma paz permanente —e
nunca estiveram. Trump precisou satisfazer as necessidades políticas de
Netanyahu para chegar até aqui, mas agora precisa atropelá-las para implementar
a próxima etapa.
Ele o fará? Fiquei intrigado com o fato de
que, na cúpula de Sharm el-Sheikh, Trump
se reuniu com o presidente da ANP, Mahmoud Abbas. O New York Times
relatou: "Enquanto os dois homens posavam para a câmera ao final de sua
conversa reservada, Trump segurou a mão de Abbas, dando-lhe dois tapinhas
enquanto o líder palestino sorria. Trump fez um sinal de positivo e exibiu seu
grande sorriso." Bom para o presidente.
A única solução de longo prazo —em minha
visão— é um Estado palestino em Gaza e na Cisjordânia, cujas fronteiras sejam
negociadas com Israel. Esse Estado, porém, deve ser administrado por uma ANP
reformada— com o apoio contínuo de uma força árabe/internacional de manutenção
da paz que garanta que esse Estado palestino nunca ameace Israel, e o apoio de
um "Conselho da Paz" internacional que garanta seu sucesso econômico.
A única forma de chegar lá é se o Hamas for
rapidamente desarmado, se a ANP for rapidamente reformada e integrada a Gaza e
se Netanyahu encontrar novos parceiros de governo no centro ou for para o
exílio político.
Nenhum deles, em suas formas atuais, é parceiro para uma paz duradoura. Que suas transformações —ou desaparecimentos— aconteçam rapidamente.
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