Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
NOVA YORK. O que seria um "dia histórico", com a reunião dos candidatos à Presidência e a cúpula do Congresso dos dois maiores partidos para chancelar, na presença do presidente George W. Bush, um acordo também histórico para aprovar um pacote de medidas econômicas destinadas a estancar a crise financeira nos Estados Unidos, acabou sendo tachado de "um teatro político". Tanto o democrata Barack Obama, que havia se comprometido a falar depois da reunião na Casa Branca, quanto o republicano John McCain, saíram por portas laterais para não encontrar os jornalistas. Relatos de participantes da reunião davam conta de um clima "de disputa", uma tensão que não estava prevista pela manhã.
A mudança repentina de humor coincidiu com a chegada do senador John McCain a Washington. Três horas antes do encontro "histórico", que colocou na mesma sala da Casa Branca, pela primeira vez, o presidente em exercício e os dois candidatos a sucedê-lo, líderes dos democratas e republicanos deram uma declaração conjunta comemorando a chegada a um acordo sobre o pacote econômico.
Antes mesmo de a reunião na Casa Branca terminar, porém, o senador Richard Selby, republicano do Alabama, dirigiu-se aos jornalistas nos jardins da Casa Branca para anunciar que não havia nenhum acordo assegurado.
Lá dentro, soube-se depois, a reunião se desenrolava em um ambiente inesperadamente disputado, em que os líderes republicanos colocavam-se contra a posição do presidente Bush, que presidia a reunião com uma aparência abatida.
A alegação dos democratas é que o eleitorado estava se manifestando muito fortemente, através de mensagens telefônicas e pela internet, contra o plano apresentado pelo secretário de Tesouro Henry Paulson.
O deputado Barney Frank, democrata de Massachusetts, presidente do Comitê de Finanças, que pela manhã anunciara o acordo, saiu da reunião na Casa Branca claramente irritado com a posição de McCain que, segundo ele, falou pouco e de maneira nada clara: "Não entendi qual é a sua posição", disse o deputado, insinuando que McCain não se posicionara justamente para não ter que assumir compromissos.
Os republicanos alegam que estão tentando fazer um pacote econômico que proteja "os interesses das famílias, dos idosos, do pequeno comerciante e de todos os contribuintes". Os democratas, que têm a maioria no Congresso, não querem aprovar o pacote sem a participação dos republicanos, mesmo que tenham votos para tal.
Mas, estão muito mais dispostos a ajudar a Casa Branca a encontrar uma saída para a crise do que os republicanos, especialmente mais empenhados na viabilização da candidatura de McCain. Com a crise econômica explodindo, a candidatura republicana ficou mais vulnerável, e voltou a cair nas pesquisas de opinião.
Ao mesmo tempo, os democratas no Congresso foram muito mais agressivos que os republicanos no início da discussão do pacote econômico apresentado pelo secretário do Tesouro e pelo presidente do Banco Central, Ben Bernanke.
Deve-se a eles a inclusão no pacote da proteção aos devedores de hipotecas e a redução de salário dos executivos das empresas que forem ajudadas.
Somente quando se convenceram de que o acordo que estava sendo encaminhado favoreceria aos democratas é que os republicanos passaram a boicotá-lo, mesmo com a pressão pessoal a favor do presidente Bush. A expressão abatida com que Bush apareceu na televisão, na abertura da reunião, é a melhor definição de sua fraqueza atual.
Um presidente impopular em final de mandato não recebe o apoio nem mesmo de seu próprio partido. Seu abraço é o de um afogado que pode levar ao afogamento o seu salvador. Seu beijo é o beijo da morte, nem os antigos aliados o querem.
Por isso, a reunião em plena Casa Branca foi tão tensa, e a tentativa de se chegar a um consenso antes da reunião, para que nela houvesse apenas a formalização dos acordos, foi atropelada, ao que tudo indica, por orientação do próprio John McCain, que resolveu tentar tirar partido da situação econômica que, até o momento, só o tem atrapalhado.
E a maneira como os republicanos, que se preparam para disputar também eleições na Câmara e no Senado, com previsão de serem atropelados pelos democratas, estão tratando a atual administração em fim de mandato mostra bem quem eles consideram culpado pela quase inevitável derrota de McCain.
Mas nem todo movimento que parece inteligente surte esse efeito junto ao eleitorado. A decisão de suspender a campanha presidencial e adiar o primeiro debate foi muito mal recebida, inclusive entre parte de seus próprios eleitores.
As televisões passaram o dia de ontem mostrando a reação de eleitores de diversos estados, a grande maioria acusando McCain de fugir da discussão e de estar menosprezando a opinião pública.
McCain também cancelou uma aparição no programa de David Letterman na CBS e foi duramente criticado pelo apresentador: "O que ele pretende fazer se houver uma crise quando for presidente? Adiar a Presidência?".
A ofensiva dos republicanos para retomar a dianteira nos debates sobre o pacote econômico tem a ver com essa tentativa de reverter a situação, levando à opinião pública a idéia de que a candidatura McCain não tem a ver com a administração Bush. Uma ginástica política com poucas probabilidades de dar certo.
DEU EM O GLOBO
NOVA YORK. O que seria um "dia histórico", com a reunião dos candidatos à Presidência e a cúpula do Congresso dos dois maiores partidos para chancelar, na presença do presidente George W. Bush, um acordo também histórico para aprovar um pacote de medidas econômicas destinadas a estancar a crise financeira nos Estados Unidos, acabou sendo tachado de "um teatro político". Tanto o democrata Barack Obama, que havia se comprometido a falar depois da reunião na Casa Branca, quanto o republicano John McCain, saíram por portas laterais para não encontrar os jornalistas. Relatos de participantes da reunião davam conta de um clima "de disputa", uma tensão que não estava prevista pela manhã.
A mudança repentina de humor coincidiu com a chegada do senador John McCain a Washington. Três horas antes do encontro "histórico", que colocou na mesma sala da Casa Branca, pela primeira vez, o presidente em exercício e os dois candidatos a sucedê-lo, líderes dos democratas e republicanos deram uma declaração conjunta comemorando a chegada a um acordo sobre o pacote econômico.
Antes mesmo de a reunião na Casa Branca terminar, porém, o senador Richard Selby, republicano do Alabama, dirigiu-se aos jornalistas nos jardins da Casa Branca para anunciar que não havia nenhum acordo assegurado.
Lá dentro, soube-se depois, a reunião se desenrolava em um ambiente inesperadamente disputado, em que os líderes republicanos colocavam-se contra a posição do presidente Bush, que presidia a reunião com uma aparência abatida.
A alegação dos democratas é que o eleitorado estava se manifestando muito fortemente, através de mensagens telefônicas e pela internet, contra o plano apresentado pelo secretário de Tesouro Henry Paulson.
O deputado Barney Frank, democrata de Massachusetts, presidente do Comitê de Finanças, que pela manhã anunciara o acordo, saiu da reunião na Casa Branca claramente irritado com a posição de McCain que, segundo ele, falou pouco e de maneira nada clara: "Não entendi qual é a sua posição", disse o deputado, insinuando que McCain não se posicionara justamente para não ter que assumir compromissos.
Os republicanos alegam que estão tentando fazer um pacote econômico que proteja "os interesses das famílias, dos idosos, do pequeno comerciante e de todos os contribuintes". Os democratas, que têm a maioria no Congresso, não querem aprovar o pacote sem a participação dos republicanos, mesmo que tenham votos para tal.
Mas, estão muito mais dispostos a ajudar a Casa Branca a encontrar uma saída para a crise do que os republicanos, especialmente mais empenhados na viabilização da candidatura de McCain. Com a crise econômica explodindo, a candidatura republicana ficou mais vulnerável, e voltou a cair nas pesquisas de opinião.
Ao mesmo tempo, os democratas no Congresso foram muito mais agressivos que os republicanos no início da discussão do pacote econômico apresentado pelo secretário do Tesouro e pelo presidente do Banco Central, Ben Bernanke.
Deve-se a eles a inclusão no pacote da proteção aos devedores de hipotecas e a redução de salário dos executivos das empresas que forem ajudadas.
Somente quando se convenceram de que o acordo que estava sendo encaminhado favoreceria aos democratas é que os republicanos passaram a boicotá-lo, mesmo com a pressão pessoal a favor do presidente Bush. A expressão abatida com que Bush apareceu na televisão, na abertura da reunião, é a melhor definição de sua fraqueza atual.
Um presidente impopular em final de mandato não recebe o apoio nem mesmo de seu próprio partido. Seu abraço é o de um afogado que pode levar ao afogamento o seu salvador. Seu beijo é o beijo da morte, nem os antigos aliados o querem.
Por isso, a reunião em plena Casa Branca foi tão tensa, e a tentativa de se chegar a um consenso antes da reunião, para que nela houvesse apenas a formalização dos acordos, foi atropelada, ao que tudo indica, por orientação do próprio John McCain, que resolveu tentar tirar partido da situação econômica que, até o momento, só o tem atrapalhado.
E a maneira como os republicanos, que se preparam para disputar também eleições na Câmara e no Senado, com previsão de serem atropelados pelos democratas, estão tratando a atual administração em fim de mandato mostra bem quem eles consideram culpado pela quase inevitável derrota de McCain.
Mas nem todo movimento que parece inteligente surte esse efeito junto ao eleitorado. A decisão de suspender a campanha presidencial e adiar o primeiro debate foi muito mal recebida, inclusive entre parte de seus próprios eleitores.
As televisões passaram o dia de ontem mostrando a reação de eleitores de diversos estados, a grande maioria acusando McCain de fugir da discussão e de estar menosprezando a opinião pública.
McCain também cancelou uma aparição no programa de David Letterman na CBS e foi duramente criticado pelo apresentador: "O que ele pretende fazer se houver uma crise quando for presidente? Adiar a Presidência?".
A ofensiva dos republicanos para retomar a dianteira nos debates sobre o pacote econômico tem a ver com essa tentativa de reverter a situação, levando à opinião pública a idéia de que a candidatura McCain não tem a ver com a administração Bush. Uma ginástica política com poucas probabilidades de dar certo.
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