Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO
Poderia ter sido um grande dia para Barack Obama. Não foi. O projeto de estímulo foi aprovado no Senado. Ponto para ele, mas o pacote gigante de resgate dos bancos para recuperar a confiança no sistema bancário só produziu confusão. O que faltou foi exatamente aquilo que Obama tanto prometeu: transparência. O governo anunciou um pacote de US$2 trilhões e o mercado caiu.
Detalhes reveladores. O secretário do Tesouro, Timothy Geithner, leu no teleprompter o pronunciamento sobre o plano e não respondeu a perguntas. Anunciou que para entrar na nova era de "transparência" tudo poderia ser acompanhado por um site (www.financialstability.gov). Quem entrasse ontem para entender melhor ficaria sabendo que ele estava ainda em formação. No texto do seu pronunciamento estava escrito que os bancos, para participar do programa, passariam por um "compreensivo teste de estresse financeiro". Especialistas se recusavam a tentar explicar ontem o que seria esse teste de estresse.
O pacote de resgate pode ser dividido entre os mecanismos que têm chances de funcionar, os que têm menos chance e outros que estão lá para dar uma cara nova a velhas ideias. O economista internacional do Banco Itaú, John Welch, acredita que a entidade que saneará os bancos, o Financial Stability Trust, é a ferramenta mais viável se funcionar nos moldes do imaginado bad bank, ou seja, uma instituição que compraria ativos de baixa qualidade. Mas sempre haverá a dúvida: se os papéis forem avaliados por valor de mercado, os bancos teriam que pôr um enorme prejuízo em balanço.
Outro mecanismo é o fundo a ser formado por capital público e privado de US$500 bilhões - que pode chegar a US$1 trilhão - e que será também para sanear os ativos podres dos bancos.
- Desde a quebra do Lehman Brothers não há capital privado voluntário comprando ações de instituições financeiras. Portanto, é difícil saber se essa PPP vai funcionar - diz John Welch.
O financiamento de expansão de consumo e de investimento de US$1 trilhão será feito na forma do programa já existente, que compra ativos como cartão de crédito, recebíveis de educação, ativos imobiliários.
Mas, na verdade, o fato mais importante sobre o pacote de ontem foi sua total falta de transparência e clareza, que deixou confusos até economistas experientes em sofisticados mecanismos de saneamento financeiro. Nada poderia ser simples numa crise tão complexa, mas, como o Brasil sabe, de viver e sofrer, o primeiro passo para o sucesso de qualquer plano é a comunicação. E a do Tesouro americano foi uma comunicação de amador.
Já se sabe que o governo dos Estados Unidos gastará uma montanha interminável de dólares. Nem tudo é gasto, alguns são troca de ativos que podem ter uma contabilidade diferente no futuro, mas Welch calcula que é um pacote de US$2,5 trilhões que não conta o pacote de estímulo econômico de US$838 bilhões, aprovado ontem, nem os bilhões já gastos em tentativas inúteis de capitalizar os bancos americanos.
Já o plano de estímulo aprovado pelo Senado ainda terá que ser negociado com a Câmara porque tem inúmeras diferenças. Entre elas: os estados deixam de receber US$40 bilhões se a versão que prevalecer for a do Senado. Os compradores de imóveis que estão comprando pela primeira vez ganhariam US$2,6 bi de estímulo se a versão da Câmara valer, mas no Senado isso vira uma ajuda para qualquer comprador, independentemente do nível de renda, e o valor aumenta para US$18 bilhões.
O plano dá uma arma na mão de Obama que ele queria para começar a gastar, mas tem recebido várias críticas de economistas que dizem que ele faz a mais elementar das confusões entre gastos de custeio e de investimento. Ele vai gastar US$90 bilhões com o sistema de saúde, e Obama diz que é investimento. E explicou na sua primeira coletiva que se as anotações nos prontuários médicos deixarem de ser anotadas à mão, confundindo enfermeiras, para ter tudo computadorizado, isso não é gasto, é investimento. O presidente americano também deu outros exemplos na entrevista: se o governo investir no aumento da eficiência energética dos prédios públicos, vai reduzir o custeio e ainda criar emprego.
Barack Obama decidiu usar seu capital político para tentar virar o jogo paralisado dos últimos dias. E se saiu com algumas boas vitórias. Nos últimos dias, ele vestiu de novo a roupa de candidato e fez calorosos discursos em palanque no estado de Indiana e na Flórida, para pressionar o Senado. Tem 75% de aprovação, mas o plano tinha apenas 54%. Obama conseguiu a aprovação do plano. Mas, ao mesmo tempo, sua equipe fez gol contra ao anunciar de forma atabalhoada aquilo que será a pedra principal de qualquer plano econômico para resgatar a economia americana do buraco financeiro.
- Enquanto não ficar explícito que instituições têm ativos podres, o dinheiro não vai circular. É uma das leis do mercado financeiro - diz John Welch.
O anúncio feito por Timothy Geithner teve alguns pontos favoráveis. Um deles foi garantir que todas as agências do governo - Tesouro, Fed, Fundo Garantidor, SEC, Agências de controle e fiscalização bancárias, entre outras - estarão juntas. "São várias agências, mas um só governo", disse Geithner. Nos próximos dias, na divulgação dos detalhes do arsenal que pretende usar, o jovem secretário do Tesouro tem uma chance de reverter o estrago de ontem.
DEU EM O GLOBO
Poderia ter sido um grande dia para Barack Obama. Não foi. O projeto de estímulo foi aprovado no Senado. Ponto para ele, mas o pacote gigante de resgate dos bancos para recuperar a confiança no sistema bancário só produziu confusão. O que faltou foi exatamente aquilo que Obama tanto prometeu: transparência. O governo anunciou um pacote de US$2 trilhões e o mercado caiu.
Detalhes reveladores. O secretário do Tesouro, Timothy Geithner, leu no teleprompter o pronunciamento sobre o plano e não respondeu a perguntas. Anunciou que para entrar na nova era de "transparência" tudo poderia ser acompanhado por um site (www.financialstability.gov). Quem entrasse ontem para entender melhor ficaria sabendo que ele estava ainda em formação. No texto do seu pronunciamento estava escrito que os bancos, para participar do programa, passariam por um "compreensivo teste de estresse financeiro". Especialistas se recusavam a tentar explicar ontem o que seria esse teste de estresse.
O pacote de resgate pode ser dividido entre os mecanismos que têm chances de funcionar, os que têm menos chance e outros que estão lá para dar uma cara nova a velhas ideias. O economista internacional do Banco Itaú, John Welch, acredita que a entidade que saneará os bancos, o Financial Stability Trust, é a ferramenta mais viável se funcionar nos moldes do imaginado bad bank, ou seja, uma instituição que compraria ativos de baixa qualidade. Mas sempre haverá a dúvida: se os papéis forem avaliados por valor de mercado, os bancos teriam que pôr um enorme prejuízo em balanço.
Outro mecanismo é o fundo a ser formado por capital público e privado de US$500 bilhões - que pode chegar a US$1 trilhão - e que será também para sanear os ativos podres dos bancos.
- Desde a quebra do Lehman Brothers não há capital privado voluntário comprando ações de instituições financeiras. Portanto, é difícil saber se essa PPP vai funcionar - diz John Welch.
O financiamento de expansão de consumo e de investimento de US$1 trilhão será feito na forma do programa já existente, que compra ativos como cartão de crédito, recebíveis de educação, ativos imobiliários.
Mas, na verdade, o fato mais importante sobre o pacote de ontem foi sua total falta de transparência e clareza, que deixou confusos até economistas experientes em sofisticados mecanismos de saneamento financeiro. Nada poderia ser simples numa crise tão complexa, mas, como o Brasil sabe, de viver e sofrer, o primeiro passo para o sucesso de qualquer plano é a comunicação. E a do Tesouro americano foi uma comunicação de amador.
Já se sabe que o governo dos Estados Unidos gastará uma montanha interminável de dólares. Nem tudo é gasto, alguns são troca de ativos que podem ter uma contabilidade diferente no futuro, mas Welch calcula que é um pacote de US$2,5 trilhões que não conta o pacote de estímulo econômico de US$838 bilhões, aprovado ontem, nem os bilhões já gastos em tentativas inúteis de capitalizar os bancos americanos.
Já o plano de estímulo aprovado pelo Senado ainda terá que ser negociado com a Câmara porque tem inúmeras diferenças. Entre elas: os estados deixam de receber US$40 bilhões se a versão que prevalecer for a do Senado. Os compradores de imóveis que estão comprando pela primeira vez ganhariam US$2,6 bi de estímulo se a versão da Câmara valer, mas no Senado isso vira uma ajuda para qualquer comprador, independentemente do nível de renda, e o valor aumenta para US$18 bilhões.
O plano dá uma arma na mão de Obama que ele queria para começar a gastar, mas tem recebido várias críticas de economistas que dizem que ele faz a mais elementar das confusões entre gastos de custeio e de investimento. Ele vai gastar US$90 bilhões com o sistema de saúde, e Obama diz que é investimento. E explicou na sua primeira coletiva que se as anotações nos prontuários médicos deixarem de ser anotadas à mão, confundindo enfermeiras, para ter tudo computadorizado, isso não é gasto, é investimento. O presidente americano também deu outros exemplos na entrevista: se o governo investir no aumento da eficiência energética dos prédios públicos, vai reduzir o custeio e ainda criar emprego.
Barack Obama decidiu usar seu capital político para tentar virar o jogo paralisado dos últimos dias. E se saiu com algumas boas vitórias. Nos últimos dias, ele vestiu de novo a roupa de candidato e fez calorosos discursos em palanque no estado de Indiana e na Flórida, para pressionar o Senado. Tem 75% de aprovação, mas o plano tinha apenas 54%. Obama conseguiu a aprovação do plano. Mas, ao mesmo tempo, sua equipe fez gol contra ao anunciar de forma atabalhoada aquilo que será a pedra principal de qualquer plano econômico para resgatar a economia americana do buraco financeiro.
- Enquanto não ficar explícito que instituições têm ativos podres, o dinheiro não vai circular. É uma das leis do mercado financeiro - diz John Welch.
O anúncio feito por Timothy Geithner teve alguns pontos favoráveis. Um deles foi garantir que todas as agências do governo - Tesouro, Fed, Fundo Garantidor, SEC, Agências de controle e fiscalização bancárias, entre outras - estarão juntas. "São várias agências, mas um só governo", disse Geithner. Nos próximos dias, na divulgação dos detalhes do arsenal que pretende usar, o jovem secretário do Tesouro tem uma chance de reverter o estrago de ontem.
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