Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
Enquanto o Senado se reunia para votar o seu plano de recuperação econômica, o presidente Barack Obama estava em Fort Myers, na Flórida, junto ao eleitorado de uma área onde o desemprego subiu a 10%, índice superior à média nacional, e onde a execução de hipotecas de moradias atinge 12%, o maior índice de todo o país. Lá, beijou uma senhora, Henrietta Hughes, cuja família encontra-se sem moradia devido à crise, e prometeu que faria tudo para ajudá-la.
Na véspera, já estivera em Eikhart, onde a taxa de desemprego é de 15%. Atitudes demagógicas, sem dúvida, mas eficazes contra a politicagem dos republicanos. O sonho de um governo bipartidário mostrou-se irrealizável, e o presidente Barack Obama teve que voltar às ruas para pressionar o Senado a apoiar o plano de recuperação econômica, o que acabou conseguindo por uma margem estreitíssima.
Para quem começou o governo sonhando em obter pelo menos 80 votos de um plenário de cem senadores, ter que se contentar com apenas um voto a mais do que o mínimo necessário é uma derrota política dentro da vitória que foi a aprovação do plano.
Os democratas enumeram os esforços feitos por Obama para atrair os republicanos: três ministérios foram dados ao partido (Robert Gates na Defesa, Ray LaHood nos Transportes e Judd Gregg no Comércio).
Além disso, ele convenceu o governador democrata de New Hampshire, John Lynch, a colocar um republicano na vaga do senador Gregg, para não causar nenhum mal-estar. O governador poderia ter indicado um representante de seu partido para a vaga.
Teve diversos encontros fechados apenas com as bancadas republicanas na Câmara e no Senado, para demonstrar a importância que dava a elas, apesar de ter uma maioria grande no Congresso, e chegou a dar uma recepção para os republicanos.
Apenas três senadores republicanos votaram com a nova administração, e, mesmo assim, porque o governo fez diversas concessões, retirando vários programas que agora os democratas tentarão recolocar no projeto.
Os três republicanos que votaram com o governo, porém, estão dispostos a preservar os cerca de U$100 bilhões que foram cortados, retirando financiamento para programas de planejamento familiar, U$16 bilhões de fundos para a construção de escolas e U$40 bilhões para financiamento direto para estados em situação difícil.
O governador da Flórida, o republicano Charlie Crist, apoia a iniciativa, assim como diversos prefeitos, que querem verbas para aplicar em obras de infraestrutura, que geram emprego e melhorias em suas cidades.
Apesar de ter conseguido aprovar o pacote, mudou significativamente a postura de Obama diante da intransigência dos republicanos. Ele voltou ao tom da campanha eleitoral, ressaltando na primeira entrevista coletiva que concedeu, na noite de segunda-feira - marcada com antecedência, enquanto ainda esperava comemorar a aprovação do pacote no fim de semana - que herdou dos republicanos a crise econômica em que o país se encontra.
E criticou a insistência dos republicanos em cortar impostos dos mais ricos, acusando tal política de ter levado o país à bancarrota.
É possível considerar que Barack Obama tenha sido um tanto ingênuo ao traçar uma estratégia que incluía a maioria dos republicanos como parte de seu governo, conseguindo assim transmitir à população, num momento de grave crise econômica, um apoio consensual da classe política.
No entanto, mesmo que tenha se revelado um sonho irrealizável, esse objetivo político de dar às decisões do Congresso uma qualidade maior do que o resultado simples de barganhas está de acordo com o sentido geral da candidatura Obama, de mudança de hábitos e comportamentos, e nada melhor do que tentar fazer essa mudança ter início no Congresso.
Passado o primeiro momento de estupefação diante da inesperada reação dos republicanos, e tendo demonstrado força suficiente para aprovar os projetos, é possível que Obama volte a tentar realizar o sonho da mudança na classe política. Mas isso dependerá fundamentalmente do êxito das medidas que estão sendo adotadas agora.
Caso falhem, o prestígio político do presidente será corroído mais rapidamente do que se imaginava, e o peso da herança maldita, que ele agora pode acusar de ser responsável pela crise econômica, pode se virar contra ele.
Nesse caso, tudo indica que Obama vai ter que se contentar com os votos dos democratas para tocar seu governo, enquanto os republicanos continuarão jogando no quanto pior, melhor, na tentativa de reconquistar o poder no Congresso nas eleições de 2010.
Mesmo sendo um defensor ativo do multilateralismo, e que defenda a necessidade de maior abertura comercial para o mundo superar a crise econômica, a cláusula "Buy American" que foi incluída no plano de recuperação econômica não é uma inovação.
Ao contrário, ela vai na direção histórica dos governos dos EUA, um país altamente protecionista, que coloca os interesses nacionais sempre em primeiro lugar.
O Buy American Act é uma lei de 1933, editada para ajudar os EUA a saírem da Grande Depressão que se seguiu ao crack de 1929, e, apesar de ser acusada de ter reforçado a recessão econômica naquela ocasião, nunca saiu de pauta.
Em 2007, o Congresso tomou medidas para reforçar o Buy American Act, criticando departamentos de governo que não estavam seguindo aquela lei.
DEU EM O GLOBO
Enquanto o Senado se reunia para votar o seu plano de recuperação econômica, o presidente Barack Obama estava em Fort Myers, na Flórida, junto ao eleitorado de uma área onde o desemprego subiu a 10%, índice superior à média nacional, e onde a execução de hipotecas de moradias atinge 12%, o maior índice de todo o país. Lá, beijou uma senhora, Henrietta Hughes, cuja família encontra-se sem moradia devido à crise, e prometeu que faria tudo para ajudá-la.
Na véspera, já estivera em Eikhart, onde a taxa de desemprego é de 15%. Atitudes demagógicas, sem dúvida, mas eficazes contra a politicagem dos republicanos. O sonho de um governo bipartidário mostrou-se irrealizável, e o presidente Barack Obama teve que voltar às ruas para pressionar o Senado a apoiar o plano de recuperação econômica, o que acabou conseguindo por uma margem estreitíssima.
Para quem começou o governo sonhando em obter pelo menos 80 votos de um plenário de cem senadores, ter que se contentar com apenas um voto a mais do que o mínimo necessário é uma derrota política dentro da vitória que foi a aprovação do plano.
Os democratas enumeram os esforços feitos por Obama para atrair os republicanos: três ministérios foram dados ao partido (Robert Gates na Defesa, Ray LaHood nos Transportes e Judd Gregg no Comércio).
Além disso, ele convenceu o governador democrata de New Hampshire, John Lynch, a colocar um republicano na vaga do senador Gregg, para não causar nenhum mal-estar. O governador poderia ter indicado um representante de seu partido para a vaga.
Teve diversos encontros fechados apenas com as bancadas republicanas na Câmara e no Senado, para demonstrar a importância que dava a elas, apesar de ter uma maioria grande no Congresso, e chegou a dar uma recepção para os republicanos.
Apenas três senadores republicanos votaram com a nova administração, e, mesmo assim, porque o governo fez diversas concessões, retirando vários programas que agora os democratas tentarão recolocar no projeto.
Os três republicanos que votaram com o governo, porém, estão dispostos a preservar os cerca de U$100 bilhões que foram cortados, retirando financiamento para programas de planejamento familiar, U$16 bilhões de fundos para a construção de escolas e U$40 bilhões para financiamento direto para estados em situação difícil.
O governador da Flórida, o republicano Charlie Crist, apoia a iniciativa, assim como diversos prefeitos, que querem verbas para aplicar em obras de infraestrutura, que geram emprego e melhorias em suas cidades.
Apesar de ter conseguido aprovar o pacote, mudou significativamente a postura de Obama diante da intransigência dos republicanos. Ele voltou ao tom da campanha eleitoral, ressaltando na primeira entrevista coletiva que concedeu, na noite de segunda-feira - marcada com antecedência, enquanto ainda esperava comemorar a aprovação do pacote no fim de semana - que herdou dos republicanos a crise econômica em que o país se encontra.
E criticou a insistência dos republicanos em cortar impostos dos mais ricos, acusando tal política de ter levado o país à bancarrota.
É possível considerar que Barack Obama tenha sido um tanto ingênuo ao traçar uma estratégia que incluía a maioria dos republicanos como parte de seu governo, conseguindo assim transmitir à população, num momento de grave crise econômica, um apoio consensual da classe política.
No entanto, mesmo que tenha se revelado um sonho irrealizável, esse objetivo político de dar às decisões do Congresso uma qualidade maior do que o resultado simples de barganhas está de acordo com o sentido geral da candidatura Obama, de mudança de hábitos e comportamentos, e nada melhor do que tentar fazer essa mudança ter início no Congresso.
Passado o primeiro momento de estupefação diante da inesperada reação dos republicanos, e tendo demonstrado força suficiente para aprovar os projetos, é possível que Obama volte a tentar realizar o sonho da mudança na classe política. Mas isso dependerá fundamentalmente do êxito das medidas que estão sendo adotadas agora.
Caso falhem, o prestígio político do presidente será corroído mais rapidamente do que se imaginava, e o peso da herança maldita, que ele agora pode acusar de ser responsável pela crise econômica, pode se virar contra ele.
Nesse caso, tudo indica que Obama vai ter que se contentar com os votos dos democratas para tocar seu governo, enquanto os republicanos continuarão jogando no quanto pior, melhor, na tentativa de reconquistar o poder no Congresso nas eleições de 2010.
Mesmo sendo um defensor ativo do multilateralismo, e que defenda a necessidade de maior abertura comercial para o mundo superar a crise econômica, a cláusula "Buy American" que foi incluída no plano de recuperação econômica não é uma inovação.
Ao contrário, ela vai na direção histórica dos governos dos EUA, um país altamente protecionista, que coloca os interesses nacionais sempre em primeiro lugar.
O Buy American Act é uma lei de 1933, editada para ajudar os EUA a saírem da Grande Depressão que se seguiu ao crack de 1929, e, apesar de ser acusada de ter reforçado a recessão econômica naquela ocasião, nunca saiu de pauta.
Em 2007, o Congresso tomou medidas para reforçar o Buy American Act, criticando departamentos de governo que não estavam seguindo aquela lei.
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