sábado, 7 de fevereiro de 2009

A realidade pressiona

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. A batalha congressual para aprovar o plano de recuperação econômica acabou matando o projeto político do presidente Barack Obama de governar com o apoio suprapartidário, que considerava necessário para superar a crise que se aprofunda. Os republicanos, apesar de amplamente minoritários no Congresso, não aceitaram o chamado de Obama e passaram a colocar todos os obstáculos à aprovação do plano, o que atrasou a entrada em ação de planejamento de mais longo prazo que dará, esse sim, a nova cara do governo que chegou ao poder para mudar. Desde a posse, no entanto, a nova administração viu-se às voltas de um lado com a pequena política de Washington e por outro teve que apagar pequenos incêndios que deveriam ter sido evitados com um processo de seleção mais refinado.

Ter perdido vários secretários por problemas com pagamento de impostos e questões correlatas, e ter que gastar energia e prestígio político para defender a nomeação do secretário do Tesouro, Tim Geithner, acusado das mesmas faltas com o imposto de renda, e a do novo chefe da CIA por relacionamentos com empresas, certamente não estava nos planos de Obama.

Os republicanos, aproveitando-se dessas vulnerabilidades, trataram de endurecer o jogo no Capitólio, buscando um lugar ao sol num jogo político amplamente dominado pelos democratas.

A mudança de comportamento pessoal de Obama durante as negociações do pacote no Senado, abrindo mão da tentativa de cooptar os republicanos e passando a acusá-los pelos problemas atuais na economia, marcou, antes do que a maioria imaginava, o fim da lua-de-mel com a oposição, embora nada indique que a relação com a opinião pública esteja em perigo.

O presidente Obama foi subindo de tom à medida que o tempo passava e não havia uma definição sobre o plano econômico. Utilizou todos os meios de que dispõe para se comunicar com os eleitores e, dessa maneira, pressionar os congressistas: deu entrevistas às redes de televisão, escreveu um longo e candente artigo para o jornal mais prestigiado da capital, o "Washington Post", mandou recados pelo You Tube.

É especialmente definidora desse novo momento a irritação de Obama com as críticas dos republicanos a seu projeto de trocar os carros que servem ao governo por outros, que usem energia alternativa, como se fosse uma decisão supérflua e um gasto desnecessário.

Um interessante artigo de Juan Antonio Sacaluga para o boletim eletrônico do Safe Democracy, uma ONG dedicada a fortalecer o sistema democrático no mundo, ressalta que a política econômica de Obama, mais do que no pacote de recuperação, está baseada em três pilares no longo prazo:

- A renovação da estrutura física e eletrônica da infraestrutura, que será atingida não apenas pela modernização das autoestradas e das instalações dos serviços públicos básicos, como também equipando o país com o mais avançado sistema de telecomunicação possível.

- O lançamento de uma indústria limpa e verde, construída no conceito de eficiência e baseada no desenvolvimento de energia renovável, e não no consumo excessivo de fontes convencionais de energia.

- Uma substancial melhora nos sistemas de saúde e seguridade social, especialmente necessária neste momento em que o desemprego está aumentando sem controle.

A previsão é de que a perda de empregos continue alta nos próximos meses, concretizando a previsão mais pessimista de que a taxa de desemprego pode sair de 7,5% para chegar à casa dos 10%. Embora nada parecido com a crise de 1929, que colocou 25% da força de trabalho no olho da rua, um índice de desemprego de dois dígitos é um número assustadoramente alto.

Apesar das dificuldades, inclusive políticas, com relação à mudança de paradigma na política energética, o projeto irá adiante sem grandes rejeições, mas o gasto com a ampliação do seguro saúde pode acrescentar um déficit maior ainda às contas do governo, que neste momento prepara-se para gastar perto de U$1 trilhão para tentar recolocar a economia americana nos trilhos novamente.

Nesse setor tão importante, ter perdido a colaboração do ex-senador Tom Daschle, que seria seu braço direito no programa de reformulação do sistema social de saúde, foi certamente um baque para a estratégia de Obama.

As dificuldades cada vez maiores da economia fazem com que a nova administração mova-se com redobrado cuidado, e por isso já está sendo acusada por alguns setores como conservadora em excesso.

A questão é que a energia política que está sendo gasta na negociação com o Congresso para colocar em prática o plano de recuperação econômica está impedindo que o governo mostre-se inovador em outras áreas.

O que Barack Obama tem feito para justificar o espírito renovador, lema de sua campanha vitoriosa à Presidência, é apresentar algumas medidas simbólicas, como a equalização dos salários dos homens e mulheres, ou a limitação dos salários dos executivos financeiros de instituições que recebam ajuda do governo federal.

Esses gestos servem para aplacar a sede de mudança da sociedade americana, enquanto a crise econômica mostra-se mais devastadora a cada dia. A partir da aprovação do pacote, a nova administração poderá se dedicar a mudanças de fundo, tanto nos setores estratégicos quanto na própria regulamentação do sistema financeiro, cujo esboço já está pronto para ser discutido.

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