sábado, 7 de fevereiro de 2009

Cabe ao Judiciário resolver o conflito

Wálter Fanganiello Maierovitch
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


DEPOIS DE 20 anos de fascismo, os italianos, em 1948, elegeram o modelo republicano. A partir daí, a Itália passou a viver democraticamente, com uma magistratura independente e a observar as normas constitucionais. Veio o boom econômico e deitou raízes o eurocomunismo, fundado no pluralismo político e nos valores da democracia ocidental, em oposição à matriz soviética. A ascensão do Partido Comunista Italiano (PCI) nunca foi suportada pelos terroristas adeptos do modelo soviético e pelos direitistas fascistas.

Por obra de Aldo Moro, assassinado pelas Brigadas Vermelhas, criou-se uma vertente de centro-esquerda na Democracia Cristã, que era o maior partido, e os sindicalistas se dividiram em três organizações diversas. Em 12/12/1969, verificou-se o primeiro ato terrorista. Uma bomba deflagrada em Milão, na praça Fontana, provocou a morte de 17 pessoas. Foi o início da luta armada por organizações terroristas formadas por radicais de esquerda e de direita. A meta era aniquilar o Estado democrático de Direito pelas armas, e não pelo voto.

Parênteses: algo incomparável com o sucedido no Brasil, após 1964. Aqui havia ditadura a promover o terrorismo de Estado, com assassinatos, tortura e desaparecimento de cadáveres. Uma das primeiras vozes a se levantar contra o terrorismo foi a do pensador Norberto Bobbio, que falou em forças terroristas que agiam na clandestinidade e afrontavam o sistema democrático. Como fundamento jurídico único da sua decisão concessiva do refúgio político, o ministro Tarso Genro (Justiça) presumiu não poder a Itália garantir a vida de Battisti, como se fosse uma Darfur (Sudão). Assustou até o Parlamento Europeu, que, na quinta, avisou que todos os Estados-membros respeitam os direitos dos presos. Um dos grupos terroristas direitistas estava instalado no serviço de inteligência da Itália, no Ministério do Interior, cujo titular da pasta era Francesco Cossiga. O direitista Cossiga é o mesmo citado pelo ministro Genro para concluir que os quatro assassinatos perpetrados por Battisti foram crimes políticos.

Nas democracias, delitos de sangue são tipificados como crimes comuns. No Brasil, ninguém pode matar Lula por discordância ideológica e, sendo preso em outro país, alegar crime político para evitar a extradição. Ao tempo de Battisti, a Itália era governada por uma coalizão de centro-esquerda e, nos anos 70, celebrou-se o "compromisso histórico" pela democracia. Essa é a história ignorada por Genro, que classificou aquele governo como ultradireitista. É uma história em aberto e que só terá a página virada quando findar a impunidade dos que tentaram derrubar o Estado democrático. Battisti é um símbolo do terror, como Brilhante Ustra, na ditadura brasileira. Na prisão, Battisti conheceu extremistas da organização denominada Proletariados Armados para o Comunismo (PAC). Suas teses de defesa para anular as condenações foram derrubadas até pela rígida Corte Europeia de Direitos Humanos: como Cacciola, foi julgado à revelia por ter fugido depois de citado para o processo.

Teve a extradição concedida pela Justiça francesa e fugiu. Nos próximos dias, o nosso Supremo Tribunal Federal decidirá a controvérsia estabelecida entre o Estado italiano e o Executivo brasileiro. A lei que disciplina a outorga de status de refugiado estabelece que a concessão do refúgio impede o exame do mérito do pedido de extradição. No entanto, a nossa Constituição está alicerçada no princípio de que todo conflito de interesses é resolvido pelo Judiciário. Isso no seu constitucional papel de substituto da vontade das partes em conflito. Portanto, a alegada competência exclusiva do Executivo quanto à conveniência da concessão do refúgio não impedirá o Judiciário, à luz da Lei Maior e diante do conflito, de entender pelo prevalecimento do pedido de extradição.

Um alerta: concedida a extradição, a palavra final caberá ao presidente Lula, que, pelo jornal britânico "The Economist", foi chamado de anacrônico ao dizer que é da tradição brasileira conceder asilo. Algo de fancaria, a beneficiar ditadores e assassinos em tempos de Tribunal Penal Internacional.

Wálter Fanganiello Maierovitch , 61, desembargador aposentado, é presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais Giovanni Falcone. Foi secretário nacional Antidrogas da Presidência da República (1999-2000).

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