Ao apoiar a proposta de se fazer um plebiscito para saber qual é a reforma política que o eleitor brasileiro deseja, se é que ele quer alguma mudança, o presidente em exercício Michel Temer justificou a medida como uma maneira de superar a incapacidade do Congresso de chegar a um consenso sobre o tema.
É uma maneira diferente de encarar a mesma proposta, que havia sido feita logo no início dos debates sobre a reforma política pelo deputado federal do Rio Miro Teixeira (PDT), mas como maneira de evidenciar que a proposta de lista fechada defendida pelo PT não teria o apoio do eleitor, que perderia o direito de escolher diretamente o seu candidato, ficando nas mãos das direções partidárias que escolheriam a ordem da tal lista fechada de candidatos.
São duas visões do mesmo problema, mas que colocam em questionamento a democracia representativa. Na tentativa de superar as deficiências do modelo de representação em vigor, a utilização de instrumentos de consultas populares, como os plebiscitos, une esquerda e direita pelo mundo, uns se inspirando na experiência de Chávez na Venezuela, outros no modelo dos Estados Unidos.
Na Suíça, desde 1849, já foram realizados centenas de referendos e plebiscitos nacionais, diversos outros nos 26 cantões e muito mais nas cerca de três mil comunas do país.
Nos Estados Unidos, os referendos e plebiscitos são apenas locais, nos estados e municípios, tratando desde despesas ou impostos até pena de morte ou casamento entre homossexuais.
Quanto maior o país, menor a possibilidade de haver plebiscitos ou referendos nacionais. Geralmente os temas são locais.
Depois de mais uma rodada de negociações que não chegaram a lugar nenhum, fica evidenciado que o Congresso brasileiro não tem unidade suficiente para aprovar uma reforma política, e o deputado Miro Teixeira duvida mesmo que ela seja necessária.
Por isso, acha que uma consulta popular poderia indicar que a maioria da população não deseja mudar o sistema eleitoral, ou pelo menos rejeita qualquer solução que retire do eleitor o direito de escolher diretamente seu representante.
Há mesmo quem considere que o ideal seria manter o mesmo sistema sem fazer grandes alterações, para que o eleitor se acostume com as regras e o mecanismo de nosso sistema eleitoral.
Pessoalmente, acho que duas medidas poderiam ser tomadas imediatamente para dar mais consistência a nosso sistema político-eleitoral: o fim das coligações proporcionais e a introdução da cláusula de desempenho para os partidos políticos.
Essas cláusulas foram aprovadas em 1995 para entrarem em vigor dez anos depois, a fim de que os partidos políticos se preparassem para suas consequências.
Pela legislação aprovada, somente os partidos que tivessem 5% dos votos nacionais, sendo que 3% em pelo menos nove estados, teriam representação no Congresso.
Os demais funcionariam normalmente, mas fora do Parlamento, sem direito a fundo partidário, horário político gratuito de rádio e televisão e outras regalias.
O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou sua inconstitucionalidade em decisão unânime, sob a alegação de que apenas uma emenda constitucional poderia impor tais regras, e não uma lei ordinária.
Hoje existem formalmente 29 partidos políticos no Brasil, com a criação recente do PSD de Gilberto Kassab - que será a terceira maior bancada na Câmara dos Deputados em Brasília, superando o PSDB - e o Partido da Pátria Livre, do antigo MR-8.
Desses, nada menos que 23 partidos têm representação no Congresso, sendo que vários com apenas um deputado federal, e essa é sem dúvida uma das razões para a falta de consenso, pois há muitos interesses diversos em jogo.
Mas, voltando ao plebiscito sobre a reforma política, sua adoção seria a aceitação de que a democracia representativa tal como conhecemos fracassou. Num primeiro momento, em comentário na CBN, vi a proposta como uma solução para a reforma política, mas ela de fato coloca em risco a representatividade do Congresso.
Não é o caso de agora, mas a tese de que a democracia representativa já não é suficiente para refletir os verdadeiros anseios populares está por trás do uso da "democracia participativa" ou "direta", que atrai muitos setores da esquerda latino-americana.
O uso da Constituinte para alterar o balanço de poderes nos governos regionais, como vem acontecendo na Venezuela, no Equador, na Bolívia, é outro empecilho para uma proposta de se realizar a reforma política com a eleição de um colegiado especial que teria a tarefa exclusiva de tratar do assunto, por tempo determinado.
Fora o fato de que a convocação de uma Constituinte só se justifica historicamente quando há uma ruptura institucional, a possibilidade de que seus poderes sejam ampliados em meio à tarefa original para aprovar medidas que possam colocar em risco a democracia é um perigo que desestimula seus eventuais defensores.
É claro que democracia não depende apenas do voto direto, também não das consultas populares, mas da criação de um ambiente onde os direitos individuais estejam protegidos e acima da vontade do poderoso da ocasião, seja o guarda da esquina ou o presidente da República.
A transformação de diversas representações da "sociedade civil" em instâncias decisórias para políticas do governo, nos "conselhos de estado" que muitos gostariam de implantar, faria com que apenas os setores mais mobilizados da sociedade surgissem como grandes protagonistas das decisões, que acabariam refletindo o pensamento da parte mais politicamente ativa da sociedade, interesses fragmentados que ganhariam uma dimensão majoritária que não têm na realidade.
Também as chamadas "consultas diretas", como referendos e plebiscitos, correm o risco de ter resultados distorcidos, refletindo mais a influência de lobbies e grupos bem financiados do que realmente a vontade majoritária da população.
FONTE: O GLOBO
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