Entidade quer que governo brasileiro crie câmara temporária para analisar casos ocorridos durante o Mundial de 2014. Mas Dilma Rousseff também tem exigências, entre elas a manutenção da meia-entrada para idosos e do repasse das imagens para televisão.
Um tribunal exclusivo para a Fifa
A entidade máxima do futebol cobra do governo brasileiro a criação de uma câmara temporária de Justiça para analisar os casos ocorridos durante o Mundial. A ideia é não deixar nenhuma ação pendente após a realização do evento.
Josie Jeronimo e Paulo de Tarso Lyra
A Federação Internacional de Futebol (Fifa) quer repetir no Brasil a proposta de criação de tribunais de exceção, modelo temporário de apreciação judiciária que causou polêmica na Copa do Mundo da África do Sul. A Lei Geral da Copa, em tramitação no Congresso, abre brecha para a instalação de juizados especiais, varas, turmas ou câmaras especializadas para a análise de litígios relacionados aos eventos. Com os dispositivos temporários, os cidadãos seriam julgados por regras diferenciadas e não pelo sistema comum da Justiça. Além de exigir câmaras temporárias mais ágeis para julgar ocorrências do evento, a Fifa quer que a União aceite ser responsabilizada por qualquer dano provocado por omissão dos órgãos públicos à entidade, representantes e consultores. Para arcar com as possíveis indenizações, o governo brasileiro contratará um seguro, que, na África do Sul, custou aproximadamente US$ 9 bilhões ao país sede.
Entre a cruz e a espada empunhada pela Fifa, o governo brasileiro estuda uma maneira de conciliar as exigências com a segurança jurídica da nação. Uma fórmula analisada é compor equipes da Advocacia-Geral da União (AGU) responsáveis por monitorar a atuação dos tribunais para resguardar preceitos da legislação brasileira. E o trabalho da AGU não para por aí. A Lei da Geral da Copa estipula que a União será "obrigatoriamente intimada" em todas as causas em que a Fifa figurar como réu. Assim, a AGU será constantemente acionada para representar o país, mesmo quando a União não tiver "culpa" direta nas ações. Nas "instâncias" diferenciadas, constituídas para o evento, a entidade terá prioridade no julgamento em que for envolvida.
Na África do Sul, a modalidade de tribunais relâmpago produziu uma série de aberrações jurídicas, que variaram de penas exageradas para pequenos furtos a tratamento diferenciado entre estrangeiros brancos e negros enquadrados sob o mesmo delito. Alguns casos foram considerados emblemáticos: dois africanos do Zimbábue roubaram jornalistas em uma quarta-feira, foram presos na quinta-feira e condenados a 15 anos de cadeia na sexta. Já as holandesas acusadas de fazer propaganda "ilegal" para a Bavaria tiveram que se apresentar perante o juiz, gerando protestos de governantes da Holanda, que consideraram a prisão desproporcional.
O mote da Fifa para a defesa das câmaras especiais é a agilidade. A entidade quer deixar o Brasil com todos os litígios julgados e não colecionar, depois de um evento de 30 dias, uma série de processos que se arrastarão no ritmo do Judiciário local. Os tribunais temporários devem ser compostos por magistrados brasileiros, destacados de suas atividades normais para a função, por tempo integral, enquanto durar a competição. A Polícia Federal também atua nos estudos do governo para detalhar os tribunais de exceção. Há discussão para adotar mecanismos de deportação sumária de estrangeiros que causarem problemas, medida que sanearia a ampla abertura de portas pleiteada pela Fifa para a competição. A entidade internacional exige a liberação da exigência de vistos para estrangeiros. Com o passaporte e a comprovação de compra de ingressos qualquer um poderá entrar no Brasil.
Críticas
O especialista em direito desportivo e internacional Claus Aragão pondera que as diferenças entre a maturidade dos sistemas jurídicos de Brasil e da África do Sul poderão poupar o país de sofrer as invasões de soberania que a nação africana registrou. Por outro lado, de acordo com Claus, no Brasil a questão da propriedade intelectual ainda é vista com desconfiança pelos estrangeiros, o que explicaria os melindres exigidos pela Fifa na criação de uma lei temporária, específica para a Copa do Mundo. "Na Alemanha e nos Estados Unidos, essa questão é mais consolidada. Aqui, em qualquer esquina, temos uma camisa de time de futebol pirateada", disse Claus.
O vice-presidente da Comissão Especial para a Copa de 2014 no Senado, Zezé Perrella (PDT-MG), afirma que o governo precisa aprender a não cair na pressão da Fifa e não se comportar como se o país fosse "menor" do que a entidade. O parlamentar e dirigente do futebol brasileiro critica o que chama de alteração das leis para a Copa do Mundo e diz que, ao aceitar as exigências, o governo pode colocar em risco liberdades dos cidadãos. "Não podemos permitir que a Fifa venha aqui e casse nossos direitos para uma Copa que vai durar 30 dias. Se alguém pichar um muro com um escudo da Fifa, fica preso por três anos. É muito subjetivo criar uma situação jurídica diferente para uma situação datada", afirmou o parlamentar.
Procurada pelo Correio, a Fifa respondeu que não comentaria nem criaria "especulações sobre discussões em andamento" e que representantes jurídicos da entidade têm reuniões agendadas com equipes do Ministério do Esporte e da Casa Civil.
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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