A Itália é grande, deve muito, há muito tempo, e tem vencimentos pesados de curto prazo. A Itália está em crise política e já passou por uma ampla reforma política, mas tudo o que conseguiu foi dar o poder a uma figura grotesca como Berlusconi. A crise da dívida abate um país do G-7; não se poderá, a partir de agora, dizer que é problema na "periferia" da Zona do Euro.
Na preparação para a formação da Zona do Euro e da União Europeia estabeleceram-se parâmetros que não foram seguidos pela maioria dos países, mas alguns se esforçaram. A Irlanda é um caso triste porque sua dívida era de 130% do PIB e durante quase duas décadas o país lutou para derrubar esse percentual. Levou-a a 30% do PIB. E perdeu esse ajuste em dois anos. No ano passado, pelos dados da Eurostat, a dívida do país chegou a 95%.
Já a Itália derrubou ligeiramente esse percentual, mas ficou 20 anos com a dívida em torno de 100% do PIB e, com a crise, subiu um pouco. A Irlanda fez o ajuste e cresceu de forma sustentada de 1995 a 2007 numa média de 6% ao ano. Era considerada o caso exemplar. Até que tudo desandou no estouro da bolha imobiliária, numa gigantesca crise bancária que derrubou o PIB em 8% em 2008 e produziu déficits públicos enormes. No ano passado o déficit bateu na inacreditável marca de 31%. O governo irlandês gastou para resgatar os bancos e se afundou na desconfiança dos bancos que exigiram cada vez mais juros. Pediu o resgate quando os juros bateram em 7%.
Ontem os juros exigidos da Itália bateram em 7,4%. A travessia do 7% sempre foi o ponto de não retorno: Grécia, Irlanda e Portugal pediram resgate quando se chegou nesse nível. Mas há um tempo entre a travessia desse número, considerado a marca no chão para o início da zona de resgate, até o momento em que o socorro chega. A Grécia chegou em 7% de juros em abril de 2010, mas eles subiram até 12%, quando então iniciou-se o programa de ajuda. A Irlanda atingiu o 7% em novembro de 2010 e os juros continuaram subindo até 9%. Portugal atravessou a linha em novembro de 2010 e foi socorrida em maio de 2011. Mas a grande dúvida em relação à Itália é se ela pode ser resgatada.
A dívida de 1,9 trilhão é o dobro do que seria o Fundo de Estabilização Europeu ampliado. O Banco Central Europeu pode ser engolfado por essa dívida. O BCE não pode emprestar diretamente aos países, mas tem ajudado através de compra de bônus, mas se o banco central da região for comprar bônus na quantia necessária ele arruína o próprio balanço.
O cálculo da consultoria inglesa Capital Economics é que seriam necessários gigantescos 650 bilhões para tirar a Itália do mercado pelos próximos três anos para um ajuste nas contas do país. Poderia chegar a
700 bilhões se for feita alguma capitalização nos bancos. De onde pode sair tanto dinheiro? Nem o BCE nem o Fundo de Estabilização têm esse dinheiro. E esse é o ponto da consultoria: a Itália não apenas é grande demais para quebrar, mas pode ser grande demais para ser resgatada.
Tudo é diferente entre a Irlanda e a Itália. Um país é pequeno, dependente de exportação, tinha fama de ter feito o dever de casa e parecia ser um exemplo. O outro é grande, tem uma economia sofisticada e diversificada, não tinha feito o dever de casa na dívida, mas o mercado achava que não havia problema porque, afinal, é a oitava economia do mundo. A Irlanda foi resgatada pelo Fundo de Estabilização Europeu, BCE e FMI, e hoje está vivendo um período de maior tranquilidade comparativamente ao período do olho do furacão. A Itália é grande demais para receber o mesmo tratamento de um programa desenhado para evitar que ela tenha que ir ao mercado.
A Grécia ontem anunciou ter chegado a um acordo para formar um novo governo, mas depois se viu que o primeiro-ministro, George Papandreau, havia se precipitado: o país continua sem governo à vista. Os gregos têm uma história diferente dos italianos, acharam que ao entrar na Zona do Euro, e por terem tido queda no custo de financiamento da dívida, haviam ficado ricos. Isso se somou à manipulação de indicadores fiscais e de dívida. Papandreau errou na condução da crise, mas, quando assumiu, a fraude contábil tinha sido cometida pelo governo conservador que o antecedeu.
Meses atrás, as autoridades europeias achavam que havia uma crise de liquidez em alguns países e uma crise de solvência na Grécia. Imaginaram a solução de isolar a Grécia, negociar um calote com os bancos, emprestar o suficiente para rolar a dívida de curto prazo para que o país fizesse um ajuste e conseguisse reconquistar a confiança do mercado.
Hoje já se sabe que: o calote de 20% na dívida foi para 50%, a ajuda não deu certo, a crise política se agravou, o governo caiu, e o mercado continua olhando a Grécia como pária e a população vai enfurecida às ruas a cada vez que uma parte do programa de ajuste é votada.
Para os gregos a única vantagem é que agora já não é mais uma crise deles. Hoje é a gigante Itália que vive a mesma tragédia: crise política, desconfiança, aumento dos juros para rolar a dívida. E a Europa está emparedada. A pedra do dominó que está em queda agora é grande demais e não há solução à vista.
FONTE: O GLOBO
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