Qual é a escolaridade média dos eleitores brasileiros? Quantos são analfabetos? Quantos terminaram o curso superior? Existem diferenças significativa da escolaridade de homens e mulheres? Estas são perguntas fundamentais para quem trabalha com opinião pública e comportamento político, mas infelizmente, quase impossíveis de serem respondidas com precisão.
A verdade é que não existem estatísticas seguras sobre a escolaridade do eleitorado brasileiro. Os dados publicados pelo TSE, por exemplo, subestimam a escolaridade da população. A razão é simples. Quando tira o título de eleitor pela primeira vez, o jovem com 16, 17 ou 18 anos está, no máximo, cursando os primeiros anos do ensino superior. Esta é a informação que aparece nos dados do TSE. Embora este eleitor possa continuar estudando, ele aparecerá nas estatísticas oficiais como pertencendo a faixa dos eleitores com ensino médio completo ou ensino superior incompleto.
A solução mais óbvia é assumir que a distribuição escolar da população adulta seja a mesma da do eleitorado. Portanto, basta observar como se distribuiu a escolaridade das pessoas com mais de 18 anos na última Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD), do IBGE, e reproduzir para o eleitorado. Por exemplo, se encontramos 12% de adultos com curso superior, podemos supor que 12% dos eleitores também tenham escolaridade superior.
Mas este procedimento não está correto, por conta de uma especificidade da legislação eleitoral brasileira: o alistamento (e voto) para os analfabetos não é obrigatório. Quantos analfabetos têm o título eleitoral? Não temos como estimar. Se o contingente de analfabetos adultos fosse reduzido, este seria um detalhe. Mas não é. Segundo o Censo de 2010, existem 14,6 milhões (9% dos adultos) de analfabetos no país. Em três Estados, a taxa ainda supera os 20%: Paraíba (20%); Piauí (21%) e Alagoas (23%).
Esta incapacidade de dimensionar a escolaridade do eleitorado gera um desafio para os institutos de pesquisa de opinião (que baseiam suas amostras em "quotas" da escolaridade do eleitorado) e para os estrategistas das campanhas. E ficará como uma incógnita até que, em uma PNAD, seja perguntado aos cidadãos se eles têm o título de eleitor. A PNAD de 1988 foi a última que fez esta pergunta. Os resultados surpreenderam os analistas ao mostrar que o titulo eleitoral era o documento que os brasileiros mais portavam.
Mas o impacto do analfabetismo sobre a estatística eleitoral está longe de ser a questão fundamental, quando observamos como a República brasileira lidou com o relação entre os analfabetos e o voto. É interessante lembrar que os analfabetos não podem se candidatar. Em 2010, esta cláusula foi lembrada quando o deputado Tiririca (hoje um dos mais assíduos nos trabalhos da Câmara dos Deputados) teve que demonstrar que sabia ler e escrever para ser empossado.
Os analfabetos foram formalmente proibidos de votar, a partir de 1889, com a proclamação da República. No fim do Império (1881) uma lei exigia que novos eleitores soubessem ler e escrever, mas não proibiu que os analfabetos já alistados continuassem votando. Eles só conquistaram o direito de votar, um século depois, em 1985. O Brasil foi um dos últimos países a conceder o direito de voto aos analfabetos.
Em um país com a alta taxa de analfabetismo que sempre teve o Brasil, a proibição de 1889 (confirmada nas Constituições de 1891, 1934 e 1946) serviu como uma barreira para a expansão do eleitorado. Por exemplo, em 1950 apenas 52% da população adulta estava alfabetizada; o que significa dizer que metade dos adultos estavam formalmente afastados do processo político.
Alguns estudiosos, particularmente historiadores econômicos têm se dedicado a tentar entender as razões do atraso educacional brasileiro. Por que ao contrário de ex-colônias da América do Norte (Canadá e Estados Unidos) e da América do Sul (particularmente, Argentina, Chile e Uruguai) a política educacional demorou tanto a universalizar o ensino primário? Por que ainda temos um das maiores taxas de analfabetismo adulto do mundo?
Para se ter uma ideia, em 1880, 70 em cada mil crianças em idade escolar (7 a 14 anos), estavam matriculadas em uma escola no Brasil. Em contraste, 900 em cada mil estavam matriculadas nos Estados Unidos. Sessenta anos depois, em 1940, apenas 232 em cada mil crianças estavam na escola no Brasil. Número bem inferior ao de outros países latino-americanos no mesmo ano: Argentina (612), Cuba (516), México (374) e Chile (556).
O economista americano Peter Lindert, da Universidade da Califórnia, estudou o processo de expansão da escola primária nas ex-colônias americanas e na Europa ao longo do século XIX e no começo do século XX. Sua sugestão é que o processo de democratização, particularmente a expansão do sufrágio masculino, antecedeu, em muitos países, a expansão da escola primária. Quando a população mais pobre entra no processo político ela passa a ter canal de comunicação com o governo. Assim, é possível lutar para transferir recursos governamentais para escola pública. Afinal, os filhos da elite já estudavam em escolas particulares.
Até ter lido o trabalho de Lindert, sempre havia pensado o analfabetismo apenas como um dos fatores que impediram a expansão do eleitorado brasileiro. A sugestão do autor é inverter a ordem de causalidade: é a presença de segmentos de menor renda no sistema político que explicaria a expansão educacional. Este é um excelente caminho para pensar o caso brasileiro; uma variável para ser levada em conta se quisermos entender o desastroso desenvolvimento educacional do país.
Jairo Nicolau é professor do departamento de ciência política da UFRJ
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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