Agente vem de um Brasil que dá alegria por dar certo para cair em outro, mais real, que nos enche de vergonha. O primeiro é o da Flip, que há dez anos reúne anualmente em Paraty escritores do Brasil e do exterior para falarem de cultura numa festa literária única, cheia de charme, inteligência e carisma, e sem se apoderar do dinheiro público. O segundo é o descrito esta semana pelos repórteres Dorio Ewbank Victor e Luiz Gustavo Schmitt, do GLOBO. É o da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que parece estar querendo reconquistar o velho título de Gaiola de Ouro, assim chamada por causa do exagerado custo de sua construção, entre outros desatinos posteriores. Agora, a casa de triste reputação conseguiu se destacar no ranking nacional como a segunda mais cara do país. Seus 51 vereadores consomem nada menos que R$ 398 milhões por ano, ou seja, R$ 63 do meu, do seu, do nosso dinheiro. Esse desperdício seria menos escandaloso se os representantes do povo fizessem jus ao que recebem. Mas não. Segundo levantamento dos repórteres, das 244 propostas apresentadas no primeiro semestre, só 20 foram aprovadas, sem falar nas sessões canceladas por falta de quorum. Eles não compareceram a quase 20% das sessões corridas. Há evidentemente os que, como Andrea Gouvêa Vieira e Teresa Bergher, do PSDB, Eliomar Coelho e Paulo Pinheiro, do PSOL, e Sonia Rabello, do PV, honram o mandato. Mas são exceções.
Aliás, quem melhor diagnosticou o fenômeno foi Andrea: "O mandato de vereador vem sendo confundido com um emprego e com a busca de ascensão social e econômica. Está errado." Segundo ela, quem depende desse "emprego" para pagar as contas de casa "fará qualquer negócio para mantê-lo". Coerente, a vereadora decidiu não concorrer a um terceiro mandato, um compromisso que assumiu ao obter o primeiro, em 2004. Ela argumenta que a limitação de dois mandatos deveria valer também para o Legislativo, e não apenas para o Executivo.
O perigo dessa atitude é vir a ser seguida por todos os melhores, permanecendo na Câmara apenas os piores. O trabalho de profilaxia deveria ser feito pelos eleitores conscientes. Mas onde é que eles estão?
Na véspera de morrer, Ivone Kassu me convidou por e-mail para assistir à estreia no Teatro Fashion Mall da peça "Em nome do jogo". Como não estaria aqui, respondi que na volta iria sem falta. Convite "da Kassu" era convocação, não dava para não atender. Ela foi uma das mais dedicadas e eficientes divulgadoras da nossa cultura. Por isso é que na sua missa de sétimo dia estavam lá, entre muitos outros artistas, Erasmo e Roberto Carlos, duas presenças raras nessas cerimônias de adeus.
FONTE: O GLOBO
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