A facilidade e a clareza com que o relator Joaquim Barbosa e o revisor Ricardo Lewandowski desmontaram as versões dos advogados de defesa sobre a acusação do desvio de dinheiro para as empresas de Marcos Valério em troca de vantagens pessoais para o então diretor de marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, dão conta da existência de uma organização criminosa sim, mas muito pouco sofisticada.
No aspecto examinado pelos dois ministros, a definição usada na denúncia da Procuradoria-Geral da República estaria mais bem traduzida se a qualificasse como tosca, face à privação de sutileza na arquitetura da obra.
Há muito a ser contado ainda, mas pelo que se sabe até agora não existiu preocupação com o requinte. Ao contrário: as ações eram feitas às escâncaras como se não houvesse amanhã, nem limites para um grupo que se sentia seguro na posse de um Estado aparelhado.
Foram usadas notas frias para justificar serviços não prestados, adulterados documentos para dar veracidade a versões falsas, autorizados repasses de dinheiro pelo telefone, no que o revisor descreveu como um ambiente de “total balbúrdia” reinante na administração do departamento de marketing do Banco do Brasil.
As desculpas esfarrapadas também dão conta da ausência de fino trato. Na defesa são citadas como evidências de boa-fé. Exemplo: por que o deputado João Paulo Cunha teria enviado a mulher à boca do caixa de uma agência de shopping center do Banco Rural em Brasília para receber um dinheiro contra assinatura de recibo se tivesse algo a esconder? Porque era a pessoa de mais confiança, um seguro de que o assunto ficaria em família. Por que o deputado mentiu inicialmente dizendo que a mulher havia ido ao banco para pagar fatura de TV a cabo se não tivesse nada a esconder? Sorte dele é que o revisor levou em conta a “verdade processual”, que não inclui a contradição anterior.
Já da grosseira explicação de Henrique Pizzolato a respeito das andanças de um envelope com R$ 326 mil, relator e revisor fizeram picadinho. Uma lorota simbólica da ausência de rigor na montagem de um esquema baseado na confiança da impunidade.
Calma no Brasil. As reiteradas tentativas de se adivinhar o comportamento do Supremo, em particular o voto dos ministros, têm levado a precipitações que ora contribuem para a desinformação ora para uma exacerbação artificial do clima de beligerância na Corte. De onde por vezes se tem a impressão de que estejam sob o crivo da suspeita os magistrados e não os réus.
Desde o início o contraditório natural, e até essencial, de um processo complexo como esse vem sendo confundido com uma guerra de egos, de posicionamentos políticos pessoais e de desacerto na condução das audiências.
A realidade, porém, contradiz essas suposições em boa medida alimentadas pelas defesas dos acusados às quais se tem dado ouvidos de maneira pouco criteriosa. Lançam-se dúvidas sobre a imparcialidade dos juízes sem levar em conta a parcialidade inerente à função dos advogados.
Nessas três semanas, não obstante previsões, algumas catastróficas, restou demonstrado que a sistemática escolhida pelo relator facilita o entendimento e que o revisor tem exata noção do conceito de submissão ao rito. O modelo inclusive o permitiu fazer uma exposição bastante clara, organizada e concatenada. Digna de registro é a opção de ambos pelo uso do português, em detrimento do habitual juridiquês, numa mostra de respeito ao sagrado direito do público de compreender.
Haverá discordâncias? Muitas, como a primeira exposta ontem. Mas o colegiado é maior de idade, resolve os conflitos desviando-se dos atropelos e conduz o julgamento sem protelação.
Observação final: voto é convicção, mas Ricardo Lewandowski não precisaria ter transformado o seu em celebração ao fazer um “desagravo” a Luiz Gushiken. Bastava absolvê-lo.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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