“O marxismo também seria uma "flor exótica" nos trópicos, alheio à índole pacífica do povo, sempre disseram os conservadores ou, para ser preciso, os mais reacionários. E, no entanto, desde pelo menos o Caio Prado Jr. de Evolução Política do Brasil, de 1933, tal suposto exotismo teórico enraizou-se na nossa cultura e contribuiu, inegavelmente, para a decifração (sempre inacabada) do grande enigma que chamamos de Brasil.
Neste contexto de situações nem sempre fáceis de explicar, insere-se a penetração e difusão de um marxista italiano - a bem dizer, sardo - morto em 1937, há mais de 70 anos. Contemporâneo de Mussolini, Gramsci foi o mais ilustre prisioneiro do fascismo, e dele se salvaram, milagrosamente, os "cadernos" escritos no cárcere, por obra, especialmente, de Tatiana, a cunhada russa que o assistiu de perto nas prisões do regime; do economista Piero Sraffa, que podia entrar e sair da Itália a partir do seu posto de atuação profissional, em Cambridge; e de Palmiro Togliatti, dirigente comunista então exilado, que imprimiria marca considerável à Itália do pós-guerra à frente do PCI, um dos grandes partidos da esquerda ocidental durante décadas.
Poder-se-ia explicar a difusão brasileira de Gramsci como um mero capítulo da enorme difusão dos seus trabalhos em todo o mundo, o que não estaria longe da verdade, embora não esgote a questão. De todo modo, seria uma explicação mais plausível do que a fornecida por uma extrema-direita ideológica que ainda luta a guerra fria e vê em Gramsci a fonte de uma estratégia insidiosa e solerte, a solapar os valores tradicionais, mudando-os sem que ninguém perceba. Nada a fazer, a democracia admite opiniões de todo tipo, mesmo as que parecem desajuizadas (à direita e à esquerda, diga-se passagem).”
Luiz Sérgio Henriques, Vice-presidente da Fundação Astrojildo Pereira, é um dos organizadores das Obras de Gramsci no Brasil. In. Gramsci, aqui e agora. Monitor Mercantil, 23/1/2013
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