Fernando Lyra, primeiro ministro da Justiça após o fim da ditadura militar
Egresso do MDB "autêntico", costurou apoio da esquerda a Tancredo; com Sarney, extinguiu Conselho Nacional de Censura, mas proibiu filme de Godard
Um dos mais destacados integrantes do chamado grupo dos "autênticos" do MDB, que combatia a ditadura militar, o ex-ministro da Justiça Fernando Lyra exerceu sete mandatos de deputado federal (1970-1998) e um de deputado estadual (1966-1970). Exímio orador e grande articulador político, o pernambucano teve como ponto alto da carreira a articulação para construção da candidatura de Tancredo Neves à Presidência da República.
Após a derrota da emenda Dante de Oliveira em 1984, Lyra mergulhou na campanha para eleger Tancredo no Colégio Eleitoral. Foi escolhido para ocupar o Ministério da Justiça e mantido no cargo por José Sarney. Extinguiu o Conselho Nacional de Censura. Ao mesmo tempo, em sua gestão no ministério, foi responsável pela censura do filme "Je vous salue, Marie". Há dois anos, disse que considerava esse um episódio lamentável e afirmou ter sido pressionado por Sarney a censurar a obra do cineasta francês Jean-Luc Godard.
Deixou o cargo em 1986 e, no ano seguinte, foi derrotado na disputa pela presidência da Câmara por Ulysses Guimarães. Uma sucessão de desilusões (como a derrota eleitoral em 1990, quando só voltou à Câmara como suplente) o levou a abandonar a política eleitoral em 1998. Mas nunca largou a política. Tornou-se entusiasmado conselheiro do governador de Pernambuco e presidente do PSB, Eduardo Campos, que tem como vice o irmão do ex-ministro, João Lyra Neto.
Em novembro, deu uma de suas últimas entrevistas, em tom desiludido, à revista "Carta Capital":
- O Parlamento viveu no período (da ditadura) momentos deploráveis e momentos gloriosos. Hoje, com a democracia instalada, os momentos gloriosos tornam-se raros.
O senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), que conviveu com Lyra por 40 anos, lembra-se da capacidade de diálogo do ex-ministro. Mesmo em lados distintos da política pernambucana desde a década de 1990 (Lyra apoiou Miguel Arraes e Eduardo Campos em eleições contra Jarbas), os dois sempre conversavam:
- Estávamos separados, mas nunca deixamos de falar. Enquanto estive no governo, ele foi várias vezes almoçar comigo no palácio. Era um observador atento das coisas do estado e do país - conta Jarbas.
Nos últimos anos, Lyra foi internado várias vezes devido a problemas cardíacos, que começaram em 1978. A última internação começou em 29 de dezembro do ano passado, em Recife, com um quadro de infecção e problemas cardíacos. Em 5 de janeiro, foi transferido para o Instituto do Coração de São Paulo (Incor), do Hospital das Clínicas de São Paulo, onde apresentou melhora e passou para a unidade semi-intensiva. Mas foi levado novamente para a UTI.
Fernando Lyra morreu ontem às 16h50m, aos 74 anos, por falência múltipla dos órgãos, segundo boletim do Incor. Ele fazia "tratamento de descompensação de insuficiência cardíaca congestiva grave (que o acometia há aproximadamente 20 anos), associada a quadro de infecção sistêmica e à insuficiência renal aguda", segundo o hospital.
O corpo de Lyra chega hoje de manhã em Recife e será velado até as 16h na Assembleia Legislativa. O enterro está marcado para as 17h no Cemitério Morada da Paz, em Paulista, na Grande Recife. O governador Eduardo Campos decretou luto oficial de três dias em Pernambuco. Em nota, a presidente Dilma afirmou que "a democracia brasileira perdeu um de seus mais expressivos defensores", que "teve atuação relevante na Assembleia Nacional Constituinte (...) Em nome de todas as brasileiras e de todos os brasileiros, apresento meus votos de pesar a sua mulher, Márcia, suas três filhas, familiares e amigos".
Fonte: O Globo
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