Na abertura dos Jogos Olímpicos de Londres médicos e enfermeiras ocuparam o estádio dançando ao redor de crianças que davam cambalhotas em camas de hospital. A sigla NHS (National Health System) se espalhava pelo alto para não deixar dúvidas de que se tratava de um tributo ao sistema público de saúde que os ingleses implantaram no pós-guerra.
O tributo causou polêmica tanto entre políticos do partido conservador, que consideraram o espetáculo mais esquerdista que o das Olimpíadas da China, quanto os do partido trabalhista que acusam a era iniciada por Margareth Thatcher de precarizar o NHS.
A inclusão da cena, a despeito das brigas políticas, demonstra que a sociedade britânica orgulha-se do sistema de saúde que inspirou dezenas de outros países, como o Brasil do Sistema Único de Saúde.
Países importam lixo e vendem armas, Cuba exporta médicos
O Reino Unido não exporta médicos mas, assim como Cuba, vale-se do seu sistema de saúde para construir a imagem com que se vende ao mundo.
Além de propaganda, Cuba exporta médicos para fazer receita. Cada jaleco cubano na Venezuela rende quatro barris de petróleo por dia.
Há países que exportam lixo hospitalar e outros que vendem armas. Além de comprar lixo hospitalar para fazer jeans e ser um dos principais exportadores de armas do mundo, o Brasil também faz receita com seu atendimento médico privado. O setor que lidera a atração de pacientes-turistas do país que um dia quis se inspirar no NHS é o de cirurgia plástica.
Ao contrário da maioria dos países que firma contratos com Cuba, o Brasil tem mais médicos por habitante do que recomendado pela Organização Mundial de Saúde. O problema é que são mal distribuídos. O Estado do Rio tem seis vezes mais médicos que o Maranhão.
O dirigismo voluntarista que quis levar médicos da orla carioca para Balsas foi, em grande parte, podado na tramitação da medida provisória do Mais Médicos. Os dois anos de trabalho dos médicos em serviço público, por exemplo, foram incorporados na residência. Mas as mudanças não foram suficientes para preencher todas as vagas. Abriram-nas aos estrangeiros, que chegaram mas não em número suficiente
Ao contrário dos brasileiros e estrangeiros da primeira leva, os cubanos vêm por contrato entre governos. E como são produtos de exportação, vão deixar metade do salário em Cuba. Foram xingados de escravos ao chegarem ao Brasil, mas vão ganhar mais do que pagam muitos dos Estados aos seus médicos.
A Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais gere a contratação de médicos pelo Estado. Seu plano de cargos e salários tem 120 categorias. Em 57 delas o salário é inferior ao que sobrará para os cubanos.
Seria melhor que o país resolvesse suas carências na saúde com profissionais que falassem a língua da população assistida e trabalhassem em hospitais com macas e raio x, mas soluções duradouras poderiam levar mais tempo e dinheiro do que este governo e seus contribuintes estão dispostos a gastar. É mais fácil acomodar a bolsa-bndes ou a bolsa-copom do que fazer caber uma carreira de Estado para médicos na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Sob quaisquer critérios, o Brasil gasta pouco com saúde, mas de nada vai adiantar dispender mais se o modelo continuar privilegiando o atendimento privado.
Dois terços dos brasileiros dependem do SUS, mas nele é gasto menos da metade do total de recursos públicos do setor. Qualquer tentativa de aumentar essa fatia mexe em, pelo menos, três vespeiros.
O primeiro é a dedução dos gastos da classe média com médicos e hospitais no imposto de renda. O debate da rejeição da CPMF foi tão despolitizado no embate PT x PSDB que ninguém se lembrou de perguntar ao eleitor o que aconteceria se, para cobrir o rombo que se abriu no setor, a dedução de seus gastos com saúde fosse reduzida.
O segundo vespeiro é o dos sindicatos de funcionários públicos. Se o Estado optou por fornecer um sistema público e universal, por que paga planos de saúde para os funcionários de suas estatais e da administração direta?
Para o bem da causa, se o mais emérito líder do Partido dos Trabalhadores tem o direito de tratar seu câncer no Sírio Libanês, também tem o dever de evitar férias de fim de ano na casa de praia do dono do maior plano de saúde do país.
É neles que está o terceiro vespeiro. As empresas restituem ao SUS uma parte muito pequena dos atendimentos feitos em hospitais públicos aos seus conveniados. A mesma justiça que dá, sucessivamente, ganhos de causa às seguradoras na queda de braço com o SUS, também mandou suspender as multas que a Agência Nacional de Saúde (ANS) aplicar nas seguradoras que haviam recusado atendimento a seus conveniados.
Muitos desses planos pagam um vale-coxinha por consulta. Se as entidades médicas se aliassem ao SUS para enfrentar os planos talvez nem tivesse sido necessário fazer os médicos cubanos passar pela vexatória recepção dos colegas brasileiros.
O Brasil planejava abrir a Copa do Mundo com uma criança paraplégica que viesse a recuperar sua capacidade de andar graças às pesquisas de neurociência, talvez o setor em que a tecnologia de ponta aplicada à medicina mais tenha avançado no país.
É um feito para o Brasil se o Instituto de Neurociências de Natal conseguir colocar a criança em pé. Bem melhor do que perfilar siliconadas para desfilar a cirurgia plástica de exportação.
Mas bom mesmo seria o Brasil poder se orgulhar dos esforços de gerações de médicos que batalharam para colocar em pé o SUS. Foi graças à saúde pública que o Brasil hoje ombreia a expectativa de vida dos países desenvolvidos - 71/78 anos (homem/mulher).
A melhoria de vida das décadas recentes levou as pessoas a buscar tratamento médico. Na pobreza extrema, não há recurso nem para se chegar a um hospital. Despertada pelo "padrão fifa para o SUS", Dilma quer fazer da guerra na saúde seu cavalo de batalha na reeleição. O atendimento deve melhorar mas ainda não vai ser a vez das três letrinhas, que um dia resumiram o sonho de uma saúde pública e universal, virarem orgulho nacional.
Fonte: Valor Econômico
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