Os movimentos de rua e a queda da popularidade da presidente mudaram o jogo político, porque mudaram o Congresso e a presidente da República. O Congresso aproveitou a oportunidade para alcançar mais protagonismo; Dilma Rousseff, fragilizada, trocou o figurino de durona inacessível pelo de uma chefe de governo aberta ao diálogo.
Pode não passar de uma mudança de oportunidade e a presidente voltar ao padrão imperial tão logo recupere alguns pontos nas pesquisas. Improvável. A conversa da presidente com o Congresso é algo normal numa democracia. Por mais quente que esteja o clima na Câmara - em maior ebulição que o Senado -, nem o país está à beira da ingovernabilidade e nem inviabilizada a reeleição da presidente.
"Não é só o Congresso que mudou, a presidente mudou", diz o senador Jader Barbalho, um dos congressistas mais experientes e um arguto leitor da cena política. "Na vida, até quando o tempo muda, ou você sai de bermuda para passear ou compra uma capa de chuva". Na política é a mesma coisa, segundo o senador paraense hoje mais atuante nos bastidores que no cenário principal, por motivos óbvios e bem conhecidos.
Relação mudou porque mudaram Dilma e Congresso
Do seu posto de observação, Jader vê uma presidente que estava com uma postura de já ganhou por antecipação um ano e meio antes da eleição. As manifestações e a queda da popularidade alteraram esse jogo. Logo é natural que Dilma passe a conversar e a negociar mais com o Congresso, especialmente com a Câmara, que vinha engolindo em seco decisões do governo.
Os mais marcante seriam os vetos a projetos negociados com os líderes da Câmara, casos, por exemplo, do projeto que estabeleceu novos critérios para a distribuição dos royalties do petróleo e da MP dos Portos. A presidente, segundo Jader, exerceu seu poder de veto a mudanças sobre as quais havia compromisso de não vetar.
A política é dinâmica, diz Jader. "Até algum tempo atrás eu ouvia falar que o Sérgio Cabral (governador do Rio de Janeiro) se movimentava para substituir o Michel (Temer, vice-presidente da República). Hoje não se sabe se ele consegue eleger o Pezão (o vice-governador Luiz Fernando de Souza). Não sei nem se ele consegue dormir em casa".
O senador paraense condiciona a recuperação de Dilma, o que dependeria de uma série de circunstâncias, fundamentalmente do gerenciamento da economia. "É a parte econômica que vai ditar, até porque não vejo nada na oposição de consistente que empolgue também a opinião pública. Porque se dissesse "não, existe uma liderança consistente com propostas consistentes e alternativas", eu não vejo. Não é que eu tenha antipatia. Não tenho antipatia por ninguém. Mas não vejo".
O próprio governador de Pernambuco e presidente do PSB, Eduardo Campos, "que é apresentado como uma coisa nova, os percentuais dele, em todas as pesquisas de opinião pública são baixos, não são significativos, apesar da imagem de modernidade, de coisa alternativa. A madre Teresa de Calcutá tem mais apelo do que ele, até hoje".
Já reeleição tem um apelo muito forte, conforme há muito detectado pela classe política e estudiosos. "O apelo da reeleição é um apelo para o eleitor conservador, não o conservador ideológico, mas conservador no sentido de "eu vou mudar e trocar pelo quê"? Eu troco por algo melhor". Para Jader, nem Marina Silva (Rede Sustentabilidade), aparentemente a maior beneficiária dos protestos de rua, é uma opção viável.
"A Marina não consegue, se ela tivesse um pouco do charme do papa, talvez tivesse sucesso. Mas não tem. Não estamos fazendo eleição para presidente da República para escolher papisas. Na hora da verdade, na solidão da cabine de votação, o eleitor quer saber das qualidades, se tem experiência, se já teve vivências, se vai ter pulso para governar o país, essa coisa toda. As relações políticas não são tão místicas assim".
Lógico, portanto, que Jader considere "fortíssima" a candidatura de Dilma Rousseff à reeleição. "Ninguém se iluda disso". Forte também, em sua opinião, continua sendo a posição do PMDB, com Michel Temer como candidato a vice na chapa da coligação. "Ela vai trocar o PMDB pelo quê?". Aliás, o vice-presidente Michel Temer, nessa nova fase do governo, passou a atuar com intensidade nos bastidores. Temer já conversou com todos os deputados do PMDB. "Eu o encontrei, há dias, numa maratona enorme, Recebendo por grupos".
O pemedebista é um dos que não vê nenhum motivo, no momento, para a mudança da candidatura Dilma pela do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o chamado "Volta, Lula" que embala os sonhos de muitos no PT e no PMDB. "Até porque acho que essa alteração seria uma coisa muito arriscada e eu considero o Lula muito sabido para correr esse nível de risco", diz Jader. Só vão tirá-la (o PT) em caso de emergência, se concluírem que vão perder a eleição com ela. Essa seria a motivação".
"Substituir pelo Lula seria arriscado porque não chegamos a esse ponto de considerá-la inviável, aí seria interpretado pela população brasileira como um ato de profunda ambição dele", argumenta o senador. "Agora, se ela ficar inviabilizada, haveria uma compreensão por parte da população brasileira: o PT foi obrigado a substituir porque ela está inviabilizada. O contrário seria considerado um ato de ambição política, de oportunismo. Precisava que a situação estivesse muito deteriorada para ser um ato de salvação do projeto".
Em resumo, a conversa de Jader mostra que a aparente perda de controle da base governista pode ser contornada. Bastaria para Dilma manter a economia nos trilhos e "ampliar o diálogo, ser mais tolerante com o diálogo político". É o que parece fazer, no momento, a presidente da República, quando cobra mais ativismo de seus ministros indicados pelos partidos ou reúne com líderes, como aconteceu ontem. Mas Jader, refletindo um sentimento hoje majoritário no Congresso, entende que Dilma dificilmente volta à posição anterior às manifestações de rua que marcaram junho.
Fonte: Valor Econômico
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