Campanhas são caras porque o processo eleitoral é importante
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o financiamento de partidos e campanhas, iniciada em dezembro 2013, continua suspensa, em função do pedido de vistas do ministro Teori Zavascki. O processo tem origem na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) apresentada em setembro 2011 pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O ministro relator Fux acolheu a ação da OAB em todos os pontos, declarando inconstitucional tanto as doações por pessoas jurídicas em geral como também a falta de tetos únicos para as doações dos cidadãos e dos próprios candidatos. Três ministros o acompanharam, criando um clima de que uma decisão da corte acompanhando o voto do relator seria iminente. Os argumentos em torno da ação se aglutinam em torno da questão da oportunidade, do conteúdo e das consequências de uma possível decisão acompanhando voto do relator, como parece provável.
Em relação à oportunidade do posicionamento do STF sobre um tema que seria da competência do Congresso Nacional, os argumentos políticos tendem a favorecer o Congresso que deveria ser o centro do processo legislativo. No campo da opinião pública pesa contra os legisladores que, apesar de vários avanços tópicos, uma reforma profunda do financiamento não foi aprovada. O STF pelo contrário está de vento em popa com a decisão do mensalão. Mas no campo dogmático o STF criará um fato consumado, uma vez que ele é a última instância para julgar não somente a constitucionalidade das leis, mas também a sua própria competência para fazê-lo.
Em relação ao conteúdo da ação, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, foi o único a defender o sistema atual de financiamento, invocando o artigo 17 da Constituição que implicitamente permite o financiamento privado. No entanto a decisão do STF seguiu os argumentos da OAB. Empresas não devem financiar campanhas, porque podem corromper os representantes eleitos. Doações de cidadãos devem obedecer a tetos iguais, para seguir o princípio da igualdade. Se confirmada a decisão, o legislador terá que elaborar nova legislação a partir destes dois marcos.
Aqui começa a terceira parte do raciocínio. Quais as consequências de uma possível decisão do STF? Uma das indagações diz respeito à validade de uma eventual decisão para as eleições de 2014. Vários comentaristas lembraram a insegurança jurídica criada com a aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2012, posteriormente revogada pelo STF. Seria desejável que o STF esclarecesse desde já de que forma o artigo 16 da Constituição (estabelecendo que eleições são regidas por legislação aprovada há mais de um ano) se aplica às suas próprias decisões. A mesma indagação vale para novas regras estabelecidas pelo Congresso. Estas terão validade imediata, em função da correção da inconstitucionalidade da regra anterior, ou obedecerão ao critério do artigo acima citado da Constituição? Deixar esta Espada de Dâmocles sobre as eleições deste ano pode causar dano maior do que o próprio financiamento privado.
A outra questão se refere ao sistema que virá a substituir o financiamento atual. Com as novas regras 90% do financiamento atual (grandes doações e recursos de empresas) será banido. Há duas possibilidades para cobrir este buraco: diminuir os custos das campanhas ou abrir outras fontes de financiamento. A medida mais fácil seria estabelecer tetos para os gastos dos partidos nas campanhas eleitorais. Mas a verdade é que campanhas são caras porque o processo eleitoral é importante. Mais recursos significam mais competitividade nas eleições.
Tudo indica que a solução será ampliar o financiamento público para partidos e candidatos. Como costuma acontecer na política, a solução de um lado leva a dor de cabeça em outro lugar. A medida é impopular e certamente não ajudará a melhorar a imagem do Congresso. Mas a questão de fundo é como distribuir os recursos entre diferentes partidos. Olhando para as democracias contemporâneas observamos que a alocação dos recursos públicos tende a seguir um de três modelos distributivos: o primeiro consiste na divisão equitativa de recursos entre todos os competidores. É o modelo adotado quando poucos candidatos estão em jogo, como nas eleições presidenciais nos Estados Unidos onde o modelo é optativo. A última vez que ambos os candidatos optaram pelo financiamento público exclusivo, recebendo valores iguais, foi em 1996 (Clinton x Dole). A alocação de recursos iguais é pouco viável em eleições proporcionais com grande número de partidos. Afinal, segundo esta regra os partidos nanicos receberiam recursos iguais aos grandes, criando incentivos para abrir mais siglas em busca de uma fatia dos recursos.
A segunda opção é a distribuição dos recursos proporcional ao sucesso eleitoral no passado. É o sistema para dividir os recursos do Fundo Partidário em vigor Brasil. Neste modelo o financiamento político tende a reproduzir a proporção de força dos partidos. Dependendo da posição política, isto é interpretado como um desequilíbrio na competição que pode se agravar ou como salutar contribuição à consolidação do sistema partidário.
A terceira opção consiste na alocação dos recursos públicos incorporando elementos de participação cidadã. A implementação abarca vários modelos, como sistemas de matching funds, vouchers para cidadãos ou benefícios tributários. Sem entrar nestas questões técnicas, todas elas têm uma preocupação em comum: os cidadãos deveriam ter voz na questão da alocação dos recursos públicos para partidos políticos. Esta opção pretende superar uma das lacunas do modelo atual: a distribuição burocrática segundo um modelo fixo de proporcionalidade tende a tornar os partidos pouco responsivos aos cidadãos. Se o acesso aos recursos públicos for intermediado pelos cidadãos, estes se tornarão novamente os principais na representação política, controlando os seus agentes, os representantes políticos. Tomara que o Congresso tenha a calma e sabedoria suficiente para sair da defensiva e adotar um sistema de financiamento que não somente responda ao imperativo que o STF está prestes a lançar, mas que fortaleça os vínculos entre cidadãos, partidos e os representantes políticos.
Bruno Wilhelm Speck é professor de ciência política na Unicamp, visiting scholar no MIT
Valor Econômico
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