- O Estado de S. Paulo
"Proteção em face da automação, na forma da lei" Constituição de 1988,artigo 7.º, XXVII (sobre os direitos dos trabalhadores)
Visitava uma modesta fábrica de móveis para escritório. O proprietário, ao mostrar-me detalhes da produção, apontou para máquinas empoeiradas e fora de uso. Enaltecia a robustez das velhas ferramentas, exaltava a durabilidade, mas dizia que se tornaram ultrapassadas e inúteis.
A certa altura eu me detive diante de algo diferente. Tinha à frente três equipamentos importados, talvez da China, projetados para desempenharem complexas tarefas de forma rápida, coordenada e segura, controlados por computadores. Não erram no corte, no alinhamento e na montagem de partes diferentes. Cem, mil ou dez mil peças podem ser concluídas sem defeitos. Vieram-me à lembrança visitas anteriores a indústrias onde observei placas de aço dividas com a utilização de raio laser, sofisticados conjuntos usinados e carrocerias de veículos soldadas e pintadas por robôs.
Ao indagar sobre as condições de compra dos tais equipamentos, mostrou-me o empresário placas em que se dizia que haviam sido financiados com recursos do FAT. A frase intrigou-me porque a sigla pertence ao Fundo de Amparo ao Trabalhador. Perguntei quantos empregos haviam sido suprimidos e ele me respondeu que foram 15, ocupados até então por calejados profissionais.
O caso da pequena marcenaria assemelha-se ao que sucede em todos os ramos industriais, agroindustriais, comerciais, financeiros, de comunicação, na imprensa, no transporte: a tecnologia de ponta opera milagres, mas, ao mesmo tempo, dizima profissões e ofícios. Além de ser produtiva e segura, traz como importante vantagem, sobretudo nos dias de hoje, estar fora do alcance da legislação trabalhista: não se sindicaliza, desconhece o direito de greve, opera ininterruptamente sem pagamentos adicionais, ignora domingos, feriados e férias, não exige 13.º salário, não tem carteira profissional, conta vinculada no FGTS e inscrição no INSS. Em resumo, flexibiliza radicalmente a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sem adversários.
Em dezembro de 1976, antevendo o que estava por vir, o então presidente da França, Valéry Giscard d'Estaing, ordenou ao inspetor-geral de Finanças, Simon Nora, a apresentação de um relatório sobre o advento da tecnologia da informação. Dizia, no ofício: "O desenvolvimento das aplicações da informática é um fator de transformação da organização social e do modo de vida; convém que a nossa sociedade esteja em condições, ao mesmo tempo, de o promover e de o controlar para colocá-lo a serviço da democracia e do desenvolvimento humano".
Para dar cumprimento ao exigido o inspetor-geral elaborou o documento conhecido como Relatório Nora. Ao tratar dos riscos decorrentes das inovações tecnológicas, o investigador alertou que "as consequências de uma informatização maciça sobre o emprego resultam de um saldo: o resultado de uma corrida de velocidade entre a liberação da mão de obra ligada aos ganhos da produtividade e o aumento das aberturas que pode resultar de uma competitividade assim melhorada. O primeiro efeito é certo, e a curto prazo. O segundo será condicional e mais lento de se efetuar" (página 31). Dito de outra maneira, de imediato a informatização desemprega; a longo prazo, pouco se sabe.
Antiga é a aversão do operariado às inovações que lhe retirem o salário. Jürgen Kuczynski, no conhecido livro Evolução da Classe Obreira (Editora Guadarrama, Madri, 1967), relata como nasceu a categoria assalariada. Segundo o historiador alemão, "a introdução da ferramenta mecânica foi obra do gênio inventivo inglês e da prática industrial inglesa, baseada no estado de produção capitalista e das suas exigências". No século 18, crescente demanda por tecidos provocou o surgimento de máquinas de fiar e de tecer, que, organizadas em companhias industriais, com centenas de operários, eliminaram o trabalho artesanal e a produção doméstica. Segundo Kuczynski, "a classe trabalhadora moderna é produto da máquina. Resulta da associação não política de pessoas, nem formada por outros motivos, por tendência pessoal ou ingresso individual. É o resultado do desenvolvimento da energia produtiva. É a criação da máquina, mais exatamente da ferramenta mecânica. Sem máquinas não haveria classe trabalhadora".
Combater o avanço tecnológico, como imagina ser possível a Constituição federal, a pretexto da garantia do mercado de trabalho, seria irracional e impossível. Devemos aceitá-lo como indispensável ao desenvolvimento e único caminho para que o Brasil adquira condições de competir dentro do mundo globalizado.
A situação vigente guarda semelhança com aquela do início da Revolução Industrial. Como diz o Relatório Nora, a informática e o robô liberam mão de obra que se tornou redundante, para reduzir custos, aprimorar a produção, alargar mercados, multiplicar chances de trabalho.
Se o assalariado tem direito à defesa "em face da automação", não faz sentido tornar viável a compra de máquinas, que à primeira vista desempregam, com recursos do FAT. O crescente desemprego tecnológico adverte acerca das consequências da informatização. Para administrá-la exige-se a evolução de cabeças atrasadas, redução do custo Brasil, revisão inteligente da legislação laboral, recuperação da confiança na economia mediante implantação de clima de segurança jurídica.
Nada se espere da presidente Dilma Rousseff, adepta do assistencialismo estéril e do Estado tutor ineficiente. Marina Silva é salto no vácuo, sem paraquedas. As esperanças recaem, portanto, em Aécio Neves, que dirá a que vem no decorrer da campanha eleitoral.
*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)
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