Nestas cinco semanas e quatro dias até as eleições, a menos que Marina Silva dê um tiro no pé daqueles irremediáveis ou se descubra a seu respeito um segredo que arruíne a sua imagem pública, a candidata tenderá a assegurar presença no segundo turno que provavelmente decidirá a eleição presidencial. Não é de excluir que a ex-senadora filiada ao PSB apareça nas pesquisas finais em situação até melhor do que lhe deu a do Ibope/Estado/TV Globo publicada ontem, na qual perde para Dilma por apenas 5 pontos (34% a 29%) e supera pelo dobro disso o tucano Aécio Neves (com 19%).
Anteontem ela enfrentou o primeiro teste aos olhos do eleitorado - o debate na TV Band. Não que ela tenha saído do confronto coberta de glórias - o que tampouco foi o caso dos demais -, porém mostrou firmeza no ataque e agilidade na defesa. Logo no início, invocou deliberadamente as manifestações de junho do ano passado para cobrar da presidente o fracasso dos pactos que havia prometido para aplacar o clamor por mudanças. Ao ouvir da adversária que "nós acreditamos que tudo deu certo", denunciou que o "Brasil cinematográfico" da propaganda oficial é uma ficção. Depois, criticada por Aécio pelo fato de se recusar a subir ao palanque de Geraldo Alckmin em São Paulo, apoiado pelo PSB, enquanto cita o também tucano José Serra como um nome a quem poderia recorrer se eleita, retrucou, no papel de candidata da mudança: "A polarização PT-PSDB já deu o que tinha que dar".
Hoje decerto se discutirá como ela se saiu na prova de fogo da entrevista aos severos apresentadores do Jornal Nacional, da qual Aécio, o então candidato Eduardo Campos e, notadamente, Dilma saíram chamuscados. Se não tiver dado vexame, tudo indica que o resto virá por gravidade.
Os números do Ibope e o desempenho de Marina no debate inaugural sugerem, de um lado, que a sua ascensão está longe de ser fruto exclusivo do impacto emocional provocado pelo desaparecimento do titular de sua chapa - fadado a se dissipar com o correr do tempo -; de outro, desmentem que ela carece de musculatura para brigar com Dilma e Aécio ao mesmo tempo. Seu patrimônio eleitoral, na realidade, era já robusto há cinco meses, quando o Datafolha simulou uma disputa com Marina no lugar de Eduardo. Dilma teve 39% das intenções de voto; Aécio, 16%; e Marina, 27%. Ou seja, 6 pontos a mais do que viria a receber na sondagem do mesmo instituto logo após a morte do governador.
Agora, os números do Ibope, coerentes com os levantamentos privados dos dias anteriores, respaldam a avaliação de que aquele resultado estava aquém do potencial da candidata. Este se mede não apenas pelos apoios obtidos, mas também pelos seus índices de rejeição. Em abril, para ter ideia, 21% dos entrevistados disseram que não votariam nela "de jeito nenhum" (ante os 33% de Aécio e de Dilma). Agora, os marinafóbicos são apenas 10% (ante 18% e 36%, respectivamente). O crescimento da ex-ministra parece espelhar a redução, da ordem de 10 pontos, do contingente de indecisos ou propensos a invalidar o voto. Mais: em abril, os dados diziam que só Marina tinha cacife para levar a eleição para o segundo turno. Agora, antes mesmo da oficialização de sua candidatura, ficou claro que a rodada final era inevitável.
Pondo de ponta-cabeça o cenário tido como consolidado de um desfecho entre Dilma e Aécio, eis que Marina prevalece. No Datafolha, com 4 pontos sobre a presidente (no limite da margem de erro); no Ibope, com nada menos que 9.
Seria leviandade sugerir, quando não sustentar, que a eleição acabou. É inegável que a situação ficou muito difícil para Aécio. Era quem mais tinha a perder com o movimento migratório pró-Marina. Dilma, afinal, tem razoável capital eleitoral e grandes recursos de poder. O que não se vislumbra - à parte o imprevisível - é o que poderia levar Marina a perder parte dos apoios que tomou de todos e dos que a todos se opunham, a ponto de repor a disputa nos trilhos dos quais não se imaginava, antes da tragédia do Boqueirão, que pudesse se desviar. Já o segundo turno, como se diz, "é uma outra eleição".
Nenhum comentário:
Postar um comentário